Retomo a definição de Nassim Taleb para descrever sistemas que têm a capacidade de se regenerar, de tornarem-se mais robustos, atingirem maior estabilidade depois de terem recebido uns «safanões», de não terem soçobrado ou explodido aquando do encontro com algo inesperado, como esta crise integral dos sistemas económicos, financeiros e mesmo das instituições, nacionais e internacionais, que se está desenrolando diante dos nossos olhos.
Um sistema com tal propriedade de anti-fragilidade, tem de ter as características da vida e - em particular - a capacidade de integrar a mudança (as «mutações»), mantendo a estrutura de base, através de mecanismos de conservação fundamentais (analogia do património genético da espécie, resultando de «eons» de evolução).
Uma forma de organização anti-frágil não irá concentrar capacidades críticas em pequenos nodos de comando, ou seja, não terá um grau de centralização que torna o seu conjunto frágil, perante a eventualidade da destruição, falência, ou avaria, de uma componente. Quanto mais este conjunto estiver capaz de se regenerar, mesmo perante a destruição de uma de suas partes, mais estará anti-frágil.
Ora, não há dúvida de que existe um modelo social, com muitos milhares de anos de experiência, que corresponde a este tipo de adaptação flexível perante as vicissitudes da vida, sejam elas causadas por factores naturais ou humanos: estou a falar das comunidades aldeãs, com as propriedades agrícolas distribuídas por várias famílias, que tenham possibilidade também de providenciar alguns bens e serviços não agrícolas, mas muito úteis em várias ocasiões.
A existência de um excedente em termos de produções diversas, permitirá a compra de bens e serviços exteriores, o que é desejável, mas tal não deve condicionar toda a produção para obter dinheiro para efectuarem essas compras.
A diversidade pode trazer uma quase autonomia da comunidade, o que não significa «autarcia». Por outras palavras, será afinal uma questão de bom-senso saber se é mais vantajoso produzir isto ou aquilo na própria comunidade ou adquirir, por compra, ou troca, ou partilha, determinado bem ou serviço.
Evidentemente, para ser anti-frágil, essa comunidade tem de estabelecer uma rede de relações, não apenas comerciais, mas também de entreajuda com outras comunidades. Que estas outras comunidades possuam um modo de organização mais ou menos semelhante, não é factor absolutamente necessário.
Até pode ser vantajoso que, numa dada área geográfica, haja uma certa diversidade de organização interna e dos modos de produção, distribuição e consumo, nas várias comunidades que a habitam.
As pessoas capazes de iniciar este tipo de comunidades terão o meu apoio e estímulo, na proporção das minhas fracas capacidades.
Penso que muitas pessoas têm dentro de si o gérmen para tal. Verifico que pessoas inteligentes e capazes exageram o seu grau de impotência, imaginam que será muito mais difícil do que na realidade é.
O que já não me parece de todo viável - agora - é uma sociedade exclusivamente urbana, com um «hinterland» de agricultura industrializada e «normalizada», exclusivamente virada para abastecer o mercado dos referidos centros urbanos.
Não sou adepto de um ecologismo «beato» e sem a necessária utilização dos saberes científicos e técnicos, que podem fazer a diferença, para construção de projectos sustentáveis e viáveis no longo prazo, ou seja, que permitam as gerações, não apenas sobreviver, mas viver em plenitude e num certo conforto.
As circunstâncias «fazem» os homens: perante certos desafios, algumas pessoas contentam-se com o seguro, com aquilo que conhecem, enquanto outras, arriscam, lançam-se em projectos que envolvem um certo grau de incerteza.
Existem meios para reduzir essa incerteza, para potenciar as hipóteses de sucesso.
Parece-me óbvio, quando vejo esta crise e as catástrofes sociais que está a trazer, que não existe «salvação» individual, apenas salvação colectiva. Esta só existirá, se as pessoas puderem confiar umas nas outras, cara a cara, sem necessidade da intermediação de parasitas.
Não há necessidade do Estado, ou do grande capital (banca, empresas monopolistas, etc...). As pessoas envolvidas nessas organizações têm tendência para reproduzir os modelos que elas aprenderam e dentro dos quais funcionaram. Será portanto necessário que elas não queiram trazer o Estado ou o capital e as suas «soluções» para estes projectos; isto não significa que não possuam bondade e integridade, a nível individual.
O essencial não é desenhar no papel o plano de uma comunidade utópica. Pelo contrário, aquilo que faz sentido e pode ser encetado desde já, é o seguinte: as pessoas com um certo grau de conhecimento mútuo, com experiência prévia de trabalho em comum, unirem-se e construírem «balsas de salvamento». Por outras palavras, trata-se de tomar em mãos a construção das suas próprias vidas, de decidir, por elas próprias, com todos os meios que possuem, como serão e como funcionarão essas tais comunidades...
Embora a percepção do público em geral, quando pensa em catástrofes, é de as associar a fenómenos naturais (secas, terramotos, incêndios, etc.), é um facto que são muitas vezes de origem humana: http://www.wrongkindofgreen.org/2020/04/23/vaccines-blockchain-and-bio-capitalism/
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