* poemas da colectânea inédita intitulada «Um Corpo Merece Sempre Viver»
----------
SÃO HORAS
São horas de fumar o presente
E arrumar o passado num baú
Com versos em tons de malva
Só colhidos nas horas mortas
Em postais ilustrados, com beijos
muitos,
Xicorações e lenços de seda
antiga,
Amarelecida como folhas de um
outono
Vindouro; cada frase desbotando
no vão
Do portal escancarado, sob chuva
de março,
Irrigando os senteiros entre
rochas
E troncos
retorcidos...
|São horas de fumar o presente
São horas de perder as horas
São horas de contemplar o umbigo
São horas de ouvir os pêlos da
barba crescer
São horas de afogar o cansaço no
regaço
De uma noite onde se esconde teu
rosto
E se empresta um tempo ao
silêncio
E se goza a tragos ansiosos a
estupidez
De nos preocuparmos com coisas
vãs
São horas de fechar o livro
São horas de sonhar...
GNOSE
Via surgir esses rochedos do mar
Se retirando em oração rouca;
Eram modelo da Verdade pouca
Que aos olhos é dado contemplar.
Os olhos cerrou, que assim
guardavam
Melhor a visão, analogicamente
Certeira, do combate que a mente
E a matéria entre si travavam.
Mergulhado em meditação ousada,
Atravessou oceanos, atmosferas,
Espaços estelares, até ao Nada
Dilatando sua visão das esferas
Ao Todo Universal, a razão
empolgada
Descobriu por fim que Tu eras!
ÉS O MENINO QUE SE INTERROGA
És o menino que se interroga
sobre os campos submersos – as misteriosas profundezas oceânicas- revolvendo na
praia as conchas, os búzios, essas frágeis concreções que juncam a areia,
trazidas pela paciência coleccionadora da maré...
Assim o saber que ao Homem se
oferece:
Lá está exposto, qual carapaça
fóssil
De um ser no Universo...
Mas quando poderão novos Newton,
Darwin ou Jacques Monod,
Reconstruir do fundo oceano da
nossa memória genética, o “Homo”
Ainda não “sapiens”,
Mas já menino
Interrogando as conchas e seixos
rolados
Até à praia pela força
Das marés?
JAZZ
Gemido, sofrido, no mato
Carne pisada na roça
Dor, humilhação na choça
Rasgão, sangue pisado no corpo
UM CORPO MERECE SEMPRE VIVER
Um corpo merece sempre viver
Será este o meu derradeiro
Grito quando moribundo ‘stiver.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Todos os comentários são bem vindos que vierem por bem