*Estas duas canções pertencem a uma recolha chamada «Tenção», de poemas escritos entre 1973 e 1978, aproximadamente.
E QUE RESTA DO PASSADO...
Mote:
E
que resta do passado,
Senão um sulco no olhar?
Glosa:
Já vivi, indiferente,
Nem de todo satisfeito,
Nem e todo descontente,
Só um pouco contrafeito.
É por igual que aceito
Este amplexo ardente
Da morte que tão fremente
Toma meu corpo desfeito
Já meu olhar não distingue
Se é do Sol no poente,
Esta luz que se extingue,
Se é da alma doente.
As tuas mãos que com jeito
Lavam as manchas de sangue
Não evitarão que vingue
A fera que roí meu peito.
Já sobre a espádua,
Não pelo muito pelejar,
Mas pela vida árdua,
Desejo por fim repousar.
Nada me pode já salvar
Pois se estou à míngua
De calor nesta frágua,
Deixa a morte me levar!
“E que resta do passado...”
Já se esvai como água,
Como pranto sussurrado
Em secreta mágoa...
- Que mais resta do lampejar
Após ter-se apagado
No horizonte rasgado,
“Senão um sulco no olhar?”
DAI-ME O MOTE
Mote:
Ó voz, dai-me o mote
Que a glosa, a farei eu
“Nesta solidão de breu
Acendei o archote!”
Glosas:
Quando – minha Mãe – à luz
Me destes, não sabias
Que a teu filho trazias
A dor humana na cruz
Quando – meu Amor – beijei
Teu peito, ignoravas
O homem a quem te davas
- Amor, tudo esbanjei!
Obstinado quis saber
O sabor amargoso
Do vinho e do gozo
Falso de quem o beber
Não temo o chicote,
Assumo o que é meu:
“Nesta solidão de breu
Acendei o archote!”
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