Quando ouvi, manhã cedo
de sexta-feira, dia 07 de Abril de 2017, as notícias do ataque americano com
mísseis contra a base aérea síria, fiquei muito chocado e realmente custou-me
muito compreender o que se estava a passar. O facto de haver um «pretexto» para
tal ataque era demasiado cru, uma falsa bandeira demasiado evidente (ver aqui e aqui).
Por outro lado, isto mostrava que esta reviravolta na política externa da
maior superpotência militar do planeta fora cuidadosamente planeada, não fora
uma resposta intempestiva, não fora um acto «estúpido», pelo menos dentro da
lógica do jogo de superpotência que tem sido o dos EUA.
A dificuldade em
compreendermos o que motiva uma aparente reviravolta na conduta de um assunto
tão importante na política externa americana não devia nos surpreender: o jogo
do poder é sempre «obscuro».
Mas, «como gato
escondido com rabo de fora», existem pistas que permitem aceder à lógica
interna dos que realmente decidem, ou seja, do «Estado profundo», composto por uma série
de conselheiros, de peritos quer oficiais, quer informais, que acabam por moldar
de forma decisiva a política em Washington.
Nomeadamente, estes são adeptos da velha
teoria geoestratégica de MacKinder estudada, aplicada e actualizada por
muitos dos estrategas, nomeadamente por Henry Kissinger .
Neste contexto, deu-se
a junção concreta do «Estado profundo», dominado pelos neocons, com o complexo militar-securitário (englobando Pentágono, CIA, NSA e outras agências, assim como a
indústria de armamento, a única que não foi desmontada e exportada para fora
dos EUA).
Os neo-conservatives ou neocons
constituem um grupo responsável por grande parte do que se vem passando
desde as presidências de Clinton, W. Bush, Obama e, agora, Trump.
Este grupo, contendo ex-esquerdistas
decepcionados com a revolução e pessoas que sempre foram duma direita ultra conservadora
e imperial, considera que o facto de os EUA terem «ganho» a Guerra Fria, ficando
como única verdadeira superpotência, lhes dá «historicamente» o direito e mesmo o dever moral de manter essa
hegemonia (dita «benevolente») e de esmagar qualquer poder que tentasse
resistir e sobretudo crescer, ao ponto de se tornar concorrente potencial ao
primeiro lugar.
Tinha eu infelizmente
razão ao afirmar, na sequência da vitória de Trump a 8 de Nov. de 2016, que
este era apenas outra facção dentro da oligarquia que comanda nos EUA. Note-se que este ponto de
vista é partilhado por Chomsky, como se pode claramente ver nesta entrevista de Chomky a «Democracy Now».
Sendo assim, pode-se compreender
que os EUA vão provavelmente vogar entre uma política de apaziguamento para com
a Rep. Popular da China, tentando desactivar «o fusível da bomba nuclear» da Coreia do Norte, ao mesmo tempo que vão fazendo uma chamada contenção activa contra a Rússia. O objectivo será separar os dois gigantes continentais. Estes, em situação de rivalidade serão incapazes de colocar em risco a hegemonia americana.
Penso que poderá ter sido este, o conselho estratégico
dado por Kissinger (e outros) ao presidente e sua equipa, recém-chegados à Casa
Branca.
Kissinger aplicou esta mesma estratégia como responsável directo da diplomacia na aproximação espectacular com a China «comunista» de Mao, nos anos 70, contribuindo para o azedar cada vez maior de relações entre os gigantes «comunistas» da URSS e da China.
Mas, atualmente, se observarmos as relações entre Rússia e China, veremos que não existe contencioso entre eles, contrariamente aos anos 70 do século passado, em que havia - de modo endógeno - uma série de fatores de conflito.
Nos anos 60 a URSS passava pela fase do degelo pós-estalinista, enquanto a direcção chinesa glorificava Estaline e encetava o culto da personalidade do Presidente Mao, acusando de revisionismo os dirigentes soviéticos.
Foi nessa altura eliminada grande parte da velha-guarda do partido comunista chinês, durante a Revolução cultural.
Mas, atualmente, se observarmos as relações entre Rússia e China, veremos que não existe contencioso entre eles, contrariamente aos anos 70 do século passado, em que havia - de modo endógeno - uma série de fatores de conflito.
Nos anos 60 a URSS passava pela fase do degelo pós-estalinista, enquanto a direcção chinesa glorificava Estaline e encetava o culto da personalidade do Presidente Mao, acusando de revisionismo os dirigentes soviéticos.
Foi nessa altura eliminada grande parte da velha-guarda do partido comunista chinês, durante a Revolução cultural.
No presente, tanto a Rússia como a China, são
governadas pragmaticamente. Ambos os governos possuem a visão de que os
seus interesses geoestratégicos convergem necessariamente. Além disso, têm toda
a vantagem em cooperar, são naturalmente complementares em muitos aspectos
das suas economias.
Segundo o projecto dado a conhecer em 1999, intitulado PNAC
(manifesto dos neocons, consultável aqui ), o século XXI vindouro, seria o da América. Este projecto recebeu,
sem dúvida, grandes impulsos para a sua concretização. Não recuaram perante
nada para o fazer avançar, desde a guerra do Kosovo, até ao «inside job» do 11
de Setembro de 2001 e consequente estado de guerra permanente instaurado.
A cascata de intervenções dos EUA e aliados, os focos de guerra por eles acendidos ou atiçados, são situações que se eternizam, com destruição profunda das sociedades. Qualquer destas situações foi planeada, foi desejada: 2001 Afeganistão, 2003 Iraque, 2007 Líbia, 2011 Síria, 2014 Ucrânia…
A cascata de intervenções dos EUA e aliados, os focos de guerra por eles acendidos ou atiçados, são situações que se eternizam, com destruição profunda das sociedades. Qualquer destas situações foi planeada, foi desejada: 2001 Afeganistão, 2003 Iraque, 2007 Líbia, 2011 Síria, 2014 Ucrânia…
O estado de guerra
permanente é uma loucura que está arrastando americanos e seus
súbditos da NATO, ao mesmo tempo que causa um rasto de sofrimento e
destruição inextinguível na memória dos povos-vítimas.
Por outro lado, existe
a Organização de Cooperação de Xangai, que não é uma organização do tipo da
NATO, não é um pacto militar, mas uma estrutura flexível destinada a «combater
o terrorismo». Ela vem desempenhando um papel de aproximação e harmonização dos
exércitos de vários países da Eurásia e dos sistemas tecnológicos respectivos. Os
BRICS, o Banco Asiático para o Desenvolvimento, as novas Rotas da Seda, são
vários aspectos dessa cooperação fora da hegemonia EUA/Europa ocidental, que se
tem traduzido em áreas de cooperação bilateral diversas, com projectos de infra-estruturas,
de comércio, de transporte de matérias primas, de oleodutos e gasodutos.
Assiste-se portanto à
tentativa desesperada do «híper poder» americano em manter a sua hegemonia
sobre um Mundo que não pode ser senão multipolar.
A razão, o bom senso e o
realismo deveriam levar todos os governos dos países mais
poderosos a aceitarem o mundo tal como ele é, não de acordo com os sonhos de poder, revestidos de ideologias talhadas a preceito.
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