«Fui convidado no outro
dia para jantar em casa de um amigo de longa data da minha família, possuidor
de uma fortuna considerável, embora não tenha a vaidade de se vangloriar da
mesma, tendo por isso ele e sua família conservado, em sucessivas gerações, os
bens e rendimentos acumulados, aumentando paulatinamente o capital, mau
grado as crises, as guerras e outras ocorrências na esfera política e económica.
A certa altura, na
conversa após o excelente jantar, falou-se da preservação do valor das
poupanças, do facto de se estar constantemente dependente de um sistema
bancário que nos impõe taxas ridiculamente baixas de depósito a prazo. Com
efeito, a remuneração do capital neste contexto desaparece, pois a maior parte
das pessoas não arrisca o seu dinheiro no «casino» da bolsa de valores e
os poucos que o fazem, ficam quase sempre depenados.
Neste contexto,
argumentava eu: "que resta à pessoa da classe média, senão gastar o seu
dinheiro, em bens e serviços que lhe dão um suplemento de prazer, conforto,
etc. enquanto esse mesmo dinheiro conserva algum poder de compra?" Para reforçar
o meu argumento, lembrava episódios de hiperinflação, muito mais
frequentes na História do século XX do que a maior parte das pessoas julgam
saber. "Além do mais", dizia, "temos diante dos olhos o triste exemplo da Venezuela: um
país com tanta riqueza (nº 1 em reservas de petróleo a nível mundial!), com sua economia completamente destruída". Outros, em roda da mesa,
avançaram com as suas próprias visões e experiências relativas a este assunto.
O nosso anfitrião –
depois de ouvir todos os seus convivas - replicou, dando como exemplo o caso da sua
família.
Nesta, por tradição e gestão criteriosa, os bens herdados eram transmitidos à geração seguinte, ou algo equivalente a estes mesmos bens, em rendimento e
valor. A este património acumulado de anteriores gerações, acrescentava-se o excedente acumulado na geração presente.
Como regra empírica,
tinha-se adoptado uma distribuição de activos diversificada, que se pode resumir em três grandes
categorias: bens financeiros (acções, obrigações, depósitos bancários, participações
em fundos); bens fundiários e imobiliários (terras, imóveis) e bens móveis (ouro,
prata, jóias, arte).
Cada categoria
desempenhava a sua função: os bens podiam articuladamente proporcionar um
rendimento suficiente para manter o nível de bem-estar, mesmo em tempos
conturbados, pois - quando determinado item baixava de valor, ou tinha
rendimento menor - havia outros que, pelo contrário, aumentavam.
Assim, a
gestão de património resumia-se a dosear a proporção atribuída a cada categoria
e, dentro desta, a compreender a dinâmica dos mercados respectivos.
Para o nosso
anfitrião, ser sábio - em termos económicos e financeiros - equivalia a compreender
a dinâmica dos vários mercados (monetário, de acções, de obrigações, de matérias-primas,
de metais preciosos, do imobiliário, etc).
Face a esta exposição
franca do «segredo» desta família abastada, um dos convivas perguntou-lhe então qual
a distribuição de bens que tinham adoptado, no presente.
- O nosso anfitrião
respondeu: «Nós decidimos, face às grandes incertezas nos mercados financeiros,
converter grande parte dos activos em património não financeiro, exceptuando certas acções e obrigações de empresas sólidas, com capacidade de gerar
rendimento, mesmo em contexto de crise. Tudo o resto foi convertido em bens não financeiros: imobiliário, propriedade agrícola, metais preciosos (ouro e prata) e antiguidades
e arte, cotadas nos mercados internacionais.
Se o nosso prognóstico de
crise vindoura se revelar incorrecto e se - após uma ligeira contracção da
economia mundial - se voltar a um novo ciclo de expansão, teremos perdido
algumas oportunidades de investimento, mas não teremos perdido nada de substancial, em termos de património global.
Porém, caso os vaticínios de numerosos
economistas - de várias tendências e escolas de pensamento - sejam correctos e
estivermos à beira de um período de grandes convulsões económicas, com as
consequentes repercussões na esfera política e social, então a mudança operada
em bom tempo pela gestão familiar terá toda a sua razão de ser e será
evidente a sua sensatez. Num contexto em que muitas fortunas ficam
reduzidas a quase nada, os poucos que conseguem manter o seu património -
somente esses - poderão prosperar, assim que for ultrapassado o tempo de crise.»
Esta história é inventada,
mas o seu conteúdo reflecte exactamente o que têm feito as famílias de «riqueza
antiga».
Os meios de comunicação
económicos (jornais, revistas, televisões…) não revelam o quadro geral, antes
dão uma ideia parcelar e geralmente «rósea» do panorama económico. Não informam nem esclarecem o público sobre a extrema alavancagem do crédito, das
operações arriscadas com «credit default swaps», com a sobre-cotação das acções
em bolsa por auto-compra das mesmas pelas próprias empresas, o
sobre-endividamento das economias aos níveis familiar, empresarial e estatal.
A acumulação da dívida pública,
em muitos Estados, a começar pelos EUA e a maioria da Europa Ocidental,
tornou-se um problema insolúvel na ordem vigente.
Estas dívidas são potencialmente detonadoras de uma crise sistémica com dimensão inédita. Basta pensar no efeito «bola de neve» que terá uma crise da dívida, num país médio ou grande, nos mercados monetários e financeiros.
Porém, os políticos
fazem como se estas dívidas pudessem ser «roladas» indefinidamente, o que é
obviamente impossível. A única razão porque eles – políticos e a média – mantêm
tal ficção, é porque são directos beneficiários deste estado de coisas.
Os pobres irão ficar na
miséria, os remediados irão ficar mais pobres e os muito ricos continuarão com o
nível de riqueza que já usufruíam ou aumentarão ainda mais os seus patrimónios.
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