Foi há cerca de nove anos atrás que as pessoas começaram a
acordar para a realidade da EU pós tratado de Lisboa e pós moeda única.
Quando
se começou a perceber a enorme dívida acumulada pelo Estado grego, tendo nenhum
mecanismo seguro de reembolso, começou-se a perceber que o sobre endividamento
dos Estados tinha sido o resultado negativo da introdução do euro, em países
que tinham aderido à União Europeia, mas que careciam de uma estrutura
financeira e fiscal sólida, permitindo garantir os empréstimos dos respectivos
Estados.
Foi então que surgiu o acrónimo não muito simpático de PIGS (Portugal,
Ireland, Greece, Spain) para designar estes mesmos países, que tinham uma
estrutura deficitária crónica da sua balança de pagamentos precisando de
recorrer a crédito sob forma de obrigações soberanas, para colmatar o défice.
Ora, os governos destes países tinham, desde o euro, uma maior facilidade de
obterem crédito e a juro mais baixo, permitindo assim fazerem obras faraónicas
(exemplo, os estádios do Euro 2004 em Portugal), desbaratar o dinheiro em
submarinos e outros «brinquedos» de guerra (Portugal e Grécia), criar e manter enormes
bolhas do imobiliário (Espanha, sobretudo, embora também os restantes PIGS),
etc.
Na realidade, o povo desses países pensava ingenuamente que os
dirigentes eram geniais pois faziam «prosperar» as respectivas economias, as
pessoas já se viam aproximarem-se dos níveis de vida da Europa do Norte. Só que
a Europa do Norte tinha os cordões da bolsa, emprestava com juros e queria que
este dinheiro investido fosse rentabilizado.
Portanto, nada de perdoar ou
reestruturar os empréstimos. Somente, em economia, não existe défice crónico
que não resulte de um superavit, crónico também, algures. Neste caso, a Alemanha
e outros países do Norte da EU tinham um mercado cativo no Sul, um poço sem
fundo para exportarem os seus produtos e faziam tudo para que os respectivos
governos, «adictos» na compra desses bens de equipamento e consumo,
continuassem a obter crédito.
Numa economia ao nível das empresas, uma empresa
que «ofereça» crédito aos seus clientes para estes comprarem os seus produtos,
fá-lo com a convicção desses clientes terem capacidade de pagar; caso saibam que efectivamente estão sobre-endividados
e continuem a «dar» créditos a esses clientes, simplesmente estão a assumir,
eles próprios, o risco de não pagamento por parte desses clientes.
Se –
efectivamente - alguns clientes não puderem pagar, os que lhes impingiram esses
créditos são igualmente responsáveis por esse crédito malparado, pois aplicaram de forma demasiado arriscada o
capital.
Claro que no caso de contas entre Estados a coisa é mais complexa,
porém nada será fundamentalmente diferente, a não ser num ponto crucial.
O
cliente sobreendividado do exemplo anterior não tem meio de ir buscar o
dinheiro em dívida a nenhum lado. Ele está condenado à bancarrota pessoal; mas
o Estado sobreendividado está «protegido», porque tem o poder de pressionar os
seus cidadãos a fornecerem mais dinheiro em impostos, tem o poder de efectuar «cortes», ou seja, de renegar parte das somas devidas nas pensões de reforma e salários
dos seus funcionários públicos.
Assim, o Estado português tem feito «default» ou
falta de pagamento, não em relação aos
detentores de dívida pública, detida por grandes empórios
financeiros, grandes bancos internacionais, hedge funds (fundos especulativos),
mas à sua própria população, não apenas desviando capitais de investimentos em
infra-estruturas indispensáveis, como falhando nas suas obrigações estritas de
pagar os salários contratualmente acordados e as pensões nas condições estabelecidas.
Com efeito, as pensões de reforma não
são uma benesse, mas antes um salário diferido, um salário que o trabalhador
foi acumulando à medida que passavam os anos e, embora retido pelo Estado, este já
não tem legitimidade de o considerar seu e de dispor dele como se o fosse. A
partir do momento em que o Estado ou a empresa pagou uma
determinada quantia, mensalmente, ao trabalhador como contribuição para a segurança social, esse dinheiro reverte para um fundo, que não é nominalmente do Estado.
A
chamada recuperação das finanças portuguesas não foi nenhum milagre, nem um
feito heróico do governo (deste ou dos outros) mas apenas resultou do «bail
in» (resgate interno) continuado, feito sobre a imensa maioria, sobre
assalariados (por roubo), pensionistas (por roubo), cidadãos em geral (por não realização do
investimento prometido e necessário).
Qualquer observador, daqui a um século, verá – estou
certo - como incrível aquilo que se tem vindo a passar na EU, pois os países do
Sul não têm, objectivamente, qualquer interesse em continuarem cativos, numa
espécie de servidão neocolonial, dos países do Norte.
Apenas uma classe
política corrupta mantém este estado de coisas, porque ela tem pessoalmente a
ganhar com os lugares muito bem pagos de que pode gozar nas diversas instâncias:
parlamento europeu, comissão europeia, tribunal de Estrasburgo, BCE de Frankfurt… Deve estar muito segura da ignorância dos seus
cidadãos para continuar a vender a ideia de que é «indispensável» continuarmos
a pertencer à U.E.!
O facto da cidadania ignorar ou recusar prestar atenção a estes
factos, afinal muito simples na essência, tem a ver com a permanente
lavagem ao cérebro dos cidadãos/eleitores. A média corporativa
faz bem o seu trabalho de intoxicação quotidiana ao serviço dos poderosos.
Poucas pessoas equacionam que parte substancial do rendimento é desviado para pagar uma dívida, em
grande parte, ilegítima.
O que se passa agora com os países do Sul passou-se na
África, nos anos 70 e 80 do século passado, com os empréstimos do FMI (na
realidade, um conglomerado de grandes bancos é que emprestava, o FMI só «garantia»
que os empréstimos fossem cobrados). Os países africanos governados, na sua
maioria, por ditadores foram sendo endividados pelos respectivos governos e os
capitais e juros foram arrancados às populações nas condições mais brutais, para
enriquecer consórcios bancários e grandes empresas fornecedoras de bens e
serviços (em grande parte da EU e dos EUA).
Mas tudo tem um fim e o da União Europeia está próximo: as
forças centrífugas são demasiado fortes, devido aos egoísmos do Norte
conjugados com a exaustão, o empobrecimento artificial e forçado do Sul.
Toda a
dívida que não pode ser paga, não será paga. Esta dívida pública dos países do
Sul não tem qualquer tendência a diminuir mas a acumular-se, pois os Estados têm
de emitir constantemente mais dívida (com juros relativamente altos) para pagar
dívidas que vão vencendo.
O ponto de ruptura varia de país para país e também de acordo
com as circunstâncias globais da economia da zona Euro e mundial. É, porém, inevitável.
Entretanto, as populações do Norte estão
em pânico com a vaga migratória, vinda de países que seus dirigentes
contribuíram para mergulhar no caos (Líbia, Síria, Iémen…). As pessoas têm mais
reflexos identitários agora e não aceitarão fazer sacrifícios
pelos cidadãos dos Estados Europeus do Sul.
Os governos da Alemanha e de outros países credores do Norte europeu, para se manterem no
poder, têm de mostrar que seguem uma «linha dura», em relação ao pagamento de uma dívida
impagável nas condições objectivas que vivem os países do Sul. Eles sabem – melhor que ninguém- que assim é.
Visto que não
existe qualquer solidariedade dos países do Norte, não é apenas o destino dos
países do Sul que está em causa, é a própria arquitectura da EU que está
a ruir pela base.
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