Depois das peripécias mais ou menos grotescas da candidatura de Fillon, acossado por uma parte da elite, que queria que ele cedesse o lugar ao candidato mais bem posicionado para perpetuar o sistema (Macron), criaram-se as condições para uma «tempestade perfeita», que irá colocar no poder Marine Le Pen.
Digo isto, sem qualquer dúvida, pois, mesmo que ela não consiga derrotar o seu opositor na segunda volta das presidenciais, terá o regime completamente debaixo do seu polegar.
Com efeito, depois das presidenciais há as legislativas e as municipais.
Não é normal que uma força política - neste caso, o FN - tenha um quarto ou um terço do eleitorado e depois, ao nível dos órgãos de representação, não se observem quaisquer representantes ou tenham assento numa proporção muito menor.
Assim, o regime fica refém desta força política, pois Marine e o FN estarão sempre em condições de posar como excluídos, como vítimas, como discriminados.
Podem portanto (continuar a) chantagear as restantes forças políticas, as quais se apressam a ceder às sucessivas chantagens, aplicando o programa do FN, mas em nome do «espírito da República».
É nesta fantochada que anda o regime francês, há pelo menos dez anos. Qualquer pessoa com bom senso hesitaria a designar isso como regime democrático.
Com efeito, tem sido o hábil manobrismo de pessoas que partilham o poder há décadas e o seu absoluto desprezo pelos humildes que tem empurrado os destituídos, os «sem-voz», para os braços da extrema-direita.
Os operários, os trabalhadores modestos, deixaram de se reconhecer nos tradicionais partidos operários, socialista e comunista.
O mesmo fenómeno - com as necessárias adaptações - se verificou na eleição de Donald Trump.
Uma fatia importante do eleitorado escolhe o candidato percebido como vindo de fora do sistema (que, de facto, não será), mais por raiva contra os senhores no poder, do que por adesão real ao programa e ideário desse candidato(a).
A democracia em França foi sendo socavada em sucessivos momentos, após a vaga de fundo imediatamente a seguir à libertação, após a II Guerra Mundial.
Nessa altura, tratava-se de a burguesia ceder, em quase tudo, a uma classe operária aguerrida e triunfante, para conservar o essencial.
Agora, trata-se de salvaguardar os privilégios de uma nova feudalidade que se instalou no poder durante os longos anos da Vª República, através de um «delfim do regime» (Macron).
A alternativa, para a grande burguesia, será de recompor as alianças num quadro de retração nacionalista, xenófobo e intolerante, no caso de um triunfo imediato de Marine Le Pen obrigar a isso.
Penso que a salvaguarda do status quo é o «plano A» da oligarquia e que a opção Le Pen será o «plano B».
Mas, em qualquer dos casos, serão eles a gerir o resultado, será sempre a oligarquia a triunfar, não tenhamos dúvidas.
Está quase completo o trabalho de esvaziar de conteúdo democrático a República, no «país dos direitos humanos»... ficarão os muros?
- Os muros ficarão, obviamente, para dar a ilusão de que a democracia continua...
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