Pessoa vive, na singela representação e dicção do saudoso Mário Viegas.
Pessoa vive, passado um século, com todo o seu cortejo de heterónimos, semi-heterónimos e até os vários Pessoa ortónimos, o nosso poeta mais cosmopolita e mais português, mais espontâneo e mais reflectido, a contradição encarnando a não-materialidade da poesia, a espiritualidade da Natureza, a Divindade do Verbo.
Gostava que Pessoa descesse em 2017, numa manhã brumosa, à Baixa que ele conhecia como a palma da sua mão, e nos viesse fazer afinal o retrato deste povo sonhado antes que vivido, sempre pronto para partir, e sempre saudoso de ter partido...
Escrevi esta homenagem em 1985, ano em que houve um congresso internacional pessoano, que significou a consagração na Europa e no Mundo de um poeta português e universal. A minha homenagem, nesse tempo ou hoje, é a de um menino que deposita um ramo de flores campestres (açucenas?) aos pés da estátua de bronze.
SINAIS*
HOMENAGEM A FERNANDO PESSOA
(* texto inédito, in ESTÓRIAS DE ESTAR E DE
SER- 1985)
Os
sinos da tua aldeia do Largo de S. Carlos ouviam-se e não te restava outro
remédio senão o de escrever.
- O corpo complexo esvai-se de raiva quando o fogo retira o canto
- O segredo não se resolve na poça em torno do menino deitado... Sabe-se lá se dormindo ou sonhando, pois seus olhos vazios azuis fitam o azul.
- Não
queria tornar a descer o rio do silêncio e, por isso, todas as portas
cercadas de palmas eram refúgio ou ancoradoiro do vapor da Real Companhia
Britânica.
- E...
porém há sempre uma esperança feita de estrelas, coroando a fronte de Ti em
odes mordidas e rasgadas no ventre
- Não
guardei rancor às ovelhas que desciam o monte em manhãs de neblina ...
... Os cais
socorriam o meu andar funâmbulo como se fossem ignorantes do morticínio das
baleias
- Há
sempre um além .. o que não fica inscrito no momento ... o que sonhamos para
nunca atingir ... o que pesa, soturno, os contornos de Aurora.
- “Bum!
Truz! Catrapuz!”
“Sou eu, o
Gigante Adamastor! Sou eu, o Novo redentor da Pátria!
Hei de varrer as
cobardias que enlutam as Quinas da Bandeira, ó única mortalha virginal!
Fujam aves de
bico longo! Fujam!
Deixem-me mover
a rápida locomotiva em perseguição do Século!
- “Deixei
o tabaco sobre a mesa, repare, não tanto por esquecimento, mas antes
como marca ou sinal do fumo que me contém!”
....
E, todavia …
“I know not what tomorrow will bring” (**)
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(**últimas
palavras de Fernando Pessoa, no leito de morte...)
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