Neste
final de 2016, constatamos que o mundo está um pouco menos ameaçado pela guerra
global. Isto seria uma quase certeza, caso Hillary tivesse vencido as eleições americanas.
Não devemos pensar, porém, que tudo se vai compor, não devemos cair na ilusão de que uma détente
EUA-Rússia é automática e inevitável, pois existem muitas frentes de fricção
que podem, a qualquer momento, especialmente antes da entrada do governo Trump
em funções na segunda metade de janeiro 2017, rebentar em conflitos fora de
controlo e complicarem muito a situação internacional.
Esta situação presente
poderia caracterizar-se como «nem paz, nem guerra», não se trata de uma
situação estável, nem se pode equacionar a nova «Guerra Fria» com o famoso
«equilíbrio do terror» da «Guerra Fria nº1». Com efeito, a política agressiva e
provocatória dos EUA e de seus aliados da OTAN, tem sofrido revezes de toda a
ordem:
- Os
tratados de comércio «livre», TPP e TTIP, estão realmente afundados, já estavam
seriamente em risco antes da eleição de Trump, sendo que a sua eleição apenas
representa o prego final no caixão.
- O
lodaçal da Ucrânia tem azedado as relações nem sempre cordiais dos «aliados»
(súbditos) europeus na OTAN com os EUA, pois existem demasiados setores
industriais europeus a sofrer por causa das sanções à Rússia. Esta, declarou
recentemente que as contrassanções, banindo a importação de géneros agrícolas,
vão continuar. Muitos outros motivos, como a desesperada necessidade de
abastecimento de gás natural, que nunca será substituído pelas energias
renováveis, pelo menos no curtíssimo prazo, aconselham os governos a uma
atitude de não confronto com a Rússia, que continua a ser um importante
fornecedor da União Europeia (especialmente, da Alemanha do Norte).
-
A derrota militar na Síria está a tornar claro o jogo sujo lançado pelos EUA,
com o pleno apoio da Arábia Saudita e do Qatar. Os objetivos militares eram
claramente de empurrar os terroristas do Estado Islâmico (ele próprio uma
criação dos EUA, Israel, Arábia Saudita e Qatar) contra o exército sírio
governamental, na esperança de causar uma situação crítica e finalmente o
derrube de Assad.
Aliás, isto foi, enquanto estratégia de Hillary, como
secretária de Estado do governo Obama, O OBJECTIVO ESTRATÉGICO dos EUA no médio
oriente.
-
A perda das Filipinas como um dos baluartes de cerco à RP da China. Esta
estratégia do «Asia pivot» ruiu com a recusa estrondosa de Duterte em aceitar
ser o vassalo obediente dos imperialistas, virando-se claramente para os
chineses, para se livrar da dominação colonial secular dos EUA sobre o seu país.
-
A redução de influência, em relação aos governos do sul da América: tem surgido
uma América Latina cada vez mais independente económica, militar e
diplomaticamente do poderoso vizinho do norte.
-
Mesmo os aliados mais próximos dos EUA, como a Grã-Bretanha, têm de ter cuidado
até onde vão no seu apoio à política «da canhoneira», pois as suas
possibilidades de continuarem a desempenhar um qualquer papel no xadrez
económico-político-diplomático, dependem das boas relações com a China, e eles sabem-no perfeitamente. Os
britânicos ofereceram a praça de Londres para emitir e negociar bonds denominados
em yuans, o que lhes daria uma vantagem importante sobre Frankfurt, a principal
praça europeia.
Delineei
acima algumas de um vasto conjunto de situações, ocultadas ou tratadas de forma
completamente distorcida pela média corporativa, mostrando que estamos perante
um quadro muito complexo em que a agressividade de uma das partes - o campo
«ocidental», nitidamente mais agressivo na retórica e nos atos- acabe por desencadear uma reação
da outra. Ou seja, que a provocação constante acabe por causar um passo em
falso dos outros.
Isto é claramente uma estratégia de tensão, que é levada a
cabo pelos EUA e aliados (na realidade... súbditos) da
União Europeia, agrupados sob o chapéu da OTAN.
-
Este posicionamento perigoso é acompanhado por uma torrente importante de
propaganda, que faz com que muitas pessoas, incluindo pessoas sinceramente devotadas à
causa da paz, confundam as situações e pretendam tomar as suas «distâncias»
em relação ao conflito em curso, mas de forma equivocada.
Ora,
para se ter uma visão apropriada, deve-se considerar as coisas, não sob a forma
que a propaganda quer e deseja que façamos, mas sob a forma que nos parece justa em termos
globais, ou seja, sob forma de um desenlace que seja aceitável pelas diversas partes, dentro dum
espírito realista de resolução dos conflitos por meios pacíficos, pela
prioridade à negociação sobre a confrontação armada, pela reafirmação do
princípio da soberania dos Estados, pela não-ingerência de Estados nos assuntos
internos dos outros (ou seja, o completo abandono da doutrina de «intervenção
humanitária», que apenas trouxe desastres humanitários e destruição total).
A
propaganda tem sempre um objetivo claro em relação à cidadania sobre a qual
incide: É desencadear reflexos de medo. O medo impede as pessoas de pensar. Para isso, deflete as questões, não permite que as pessoas
percebam onde estão as responsabilidades reais.
Penso que uma
estratégia de paz não passa por contrapropaganda, ou seja, por demonizar aqueles que
emitem a propaganda. Isso não é eficaz por várias razões.
- Em primeiro lugar, porque nos põe, não como críticos, mas como favorecendo apenas um dos lados; ficamos ao mesmo
nível que propagandistas.
- Por outro lado, não permite que se aprofunde, se
compreenda, com base em factos e não em opinião, as causas dos acontecimentos.
Pois é exatamente isso que a média corporativa nos oculta sistematicamente.
Esmera-se sempre em obliterar completamente o contexto das notícias,
especialmente de conflitos armados, mas - em geral - faz isso com todo o noticiário de
política internacional.
Pelo contrário, esmeram-se em transcrever e reproduzir
todas as declarações oficiais de um dos lados, de forma extensiva, omitindo
completamente quaisquer contrapontos. O discurso do poder é registado sem
qualquer observação crítica, como um «deus», inquestionável.
Para essa média, o «deus» é realmente o poder do dinheiro, seja ele o dos
nossos impostos ou o das publicidades que alimentam essas enormes máquinas de
propaganda moderna.
Assim,
as pessoas de boa vontade devem educar seus concidadãos a verem a realidade
por detrás da propaganda, indo à raiz dos problemas.
Apenas
alguns exemplos de manipulações e ocultações recentes da média corporativa
internacional:
- Eles
sabiam perfeitamente, mas ocultaram quem desencadeou e nutriu as guerras da
Líbia, da Síria, quem equipou e subsidiou Al-Nusra, ramo Sírio de Al-Quaida… e como sabemos, estas guerras estiveram realmente na origem do problema – gravíssimo – dos refugiados destas guerras.
- Eles
sabiam perfeitamente e ocultaram que houve interesses que se serviram dos
refugiados para desestabilizar vários países da Europa central: era conhecido o
envolvimento do multibilionário George Soros, que subsidia as
ONGs que tiveram um papel de relevo nesta crise.
- Eles
sabiam, não apenas do papel das ONGs locais, subsidiadas por Soros, um fator importante
na «revolução» de Maidan na Ucrânia, como das forças nazis e antissemitas sem
quaisquer máscara, mas que foram apelidadas de «democráticas» pela média e pelo
departamento de Estado dos EUA. Foi um golpe de Estado, monitorizado e financiado pelos EUA e com o apoio das chancelarias europeias,
nomeadamente alemãs, francesas, britânicas…
Poderia
citar mais exemplos, eles estão constantemente a surgir. Mas estes bastam, para
se perceber como a média distorce as realidades no terreno, exerce uma forte
pressão na opinião pública, não como veículo de informação, que deveria ser,
mas como veículo de propaganda.
A
meu ver, a propaganda não deve ser combatida com «contrapropaganda», mas com
informação objetiva, que desmascare as operações de propaganda. Por isso,
importa formar uma cidadania com uma elevada capacidade de pensar criticamente. Não «acreditar» seja o que for, seja de onde vier a
informação, sem questionar, examinar as provas da mesma, ver até que ponto se
trata de factos, não fabricados, mas objetivos. Depois, ver se estes tais factos
suportam ou são coerentes com as teses ou hipóteses defendidas e se não terá
havido omissão de outros factos, que iriam contrariar as conclusões…
Esta
educação e formação de espíritos livres devem ser assumidas como fator muito importante, essencial mesmo, na construção de um movimento
pacifista.
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