From Comment section in https://www.moonofalabama.org/2024/03/deterrence-by-savagery.html#more

The savagery is a losing card. By playing it the US and the West are undercutting every ideological, normative and institutional modality of legitimacy and influence. It is a sign that they couldn't even win militarily, as Hamas, Ansarallah and Hezbollah have won by surviving and waging strategies of denial and guerilla warfare. Israeli objectives have not been realized, and the US looks more isolated and extreme than ever. It won't be forgotten and there are now alternatives.
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terça-feira, 18 de abril de 2023

PORQUE NÃO SOU MARXISTA

 De facto, apenas «cri» nas teorias marxistas na adolescência. Já no início da idade adulta, colocava várias objeções pertinentes, em especial, às versões leninistas do marxismo. 

Com o meu afastamento da «religião» M-L (Marxista Leninista), pude ter abertura de espírito para ler clássicos da política, da economia política e da sociologia (secundariamente, pois eu estudava biologia, a minha maior paixão).

Devo dizer que conhecia bem as obras de Marx, Engels, Lenine, um pouco de Trotsky, de Mao e de outros. Muitos autores pró-marxistas eu li; também li muitos anti-marxistas, ou críticos das obras de Marx.

Foi importante para mim ler as obras críticas da ideologia marxista-leninista, de Dominique Lecourt, um filósofo francês. Também li outros autores. A hegemonia  do marxismo e das suas tendências ou correntes, era notória na minha geração. Mas, igualmente notória, a ignorância sobre o conteúdo concreto das obras dos que se idolatrava. 

Muito do que se passou (e passa) com o marxismo, faz-me pensar que, em termos sociológicos ou antropológicos, estamos perante uma religião sem Deus. Ou pior; que endeusaram «personalidades» dessa corrente política, sem o mínimo espírito crítico, mostrando assim que nem sequer o conteúdo objetivo das obras, tinham eles lido ou percebido. 

Hoje em dia, compreendo quais as razões psicológicas (mas não lógicas) do fascínio e adesão a tais teorias. É que elas abarcavam um todo: O «materialismo dialético» era uma explicação última e uma fórmula simples que permitia reivindicar o estatuto de cientificidade para uma teoria de dialética hegeliana, com pedaços de materialismo mecanicista

O século XIX, foi aquele em que se criou um culto da ciência. As pessoas acreditavam na «Ciência», acreditavam no papel libertador do ateísmo científico e  do mecanicismo. Foi este, o cocktail ideológico em que banharam as elites burguesas e os revolucionários, quase todos, oriundos da mesma burguesia ascendente ou triunfante.

Na verdade, tive o privilégio de estudar a fundo as ciências físicas e naturais. Não apenas a biologia, mas igualmente a física (em especial a termodinâmica), a química (também ao nível experimental), a ciência dos sistemas, etc.  A matematização dos modelos não me intimida; eu tive oportunidade de estudar muitos assuntos, que recorriam a modelos matematizados, da Biologia Populacional, à Teoria do Caos, aos Fractais...

Para mim, é evidente que o que se pensa ser a cientificidade da economia, em  especial, das teorias neokeynesianas e monetaristas,  deve-se ao uso de instrumentos matemáticos (por exemplo, os gráficos) mas sem assumirem ou explicitarem as enormes simplificações (o reducionismo) associadas. O não-iniciado fica impressionado com tanta matematização, do mesmo modo que fica impressionado com a matematização dos modelos da física, da química e mesmo da biologia. 

Mas, a quantificação e o tratamento dos dados em termos estatísticos ou usando outras metodologias é útil, sobretudo, para expor uma teoria. Estou a referir-me, obviamente, aos ramos do saber que não sejam diretamente «matemática», incluindo a «física matemática». Faz parte da estratégia de exposição nas ciências naturais, apresentar curvas e gráficos, em conferências ou em publicações científicas. Mas, na maior parte dos casos, as matemáticas têm uma função auxiliar.  

Em biologia, também se utiliza muito as matemáticas. Porém, o substrato último da biologia é experimental e continuará a sê-lo. Mais importante que a matemática, é a metodologia propriamente experimental utilizada, cujos dados podem ser traduzidos sob forma matemática, ou não. Os conteúdos das descobertas ou observações, podem ser descritos de diversas maneiras. Um excelente artigo na área de ciências biológicas pode nem sequer apresentar os resultados sob forma de dados estatísticos.

Esta longa digressão serve para nos precavermos da insistência de certos propagandistas, seja qual for a sua ideologia, em «citar» a Ciência, dizendo que  estão «baseados» na Ciência, ou algo deste género. É confrangedor ver como esta evidente aldrabice funciona: Pois a Ciência não tem nada que ver com seus pronunciamentos políticos; aliás, a «ciência nunca prova nada» (G. Bateson). O pior é que eles são seguidos por muitas pessoas, fascinadas com as aparências. Mas isto não é novo; já no século XIX, usavam o mesmo «disfarce», para melhor levar o auditório a aderir às suas teorias políticas.  

De facto, os verdadeiros cientistas, sobretudo os da ciência experimental, quer estejam no laboratório, ou em «atividade de campo», não têm hoje - nem jamais tiveram - grande interesse pelo marxismo; isso deveria surpreender os que aderem ainda à ideia de que o marxismo «se baseia na ciência», ou mesmo «que é uma teoria científica». 

Marx era um filósofo, Engels, filho dum industrial e Lenine, de família de professores primários. Eles tinham a ideologia «silenciosa» do cientismo da época;  imbuíram as suas políticas de «teorias ad oc», que «justificavam cientificamente» suas teses propriamente políticas. Eles conseguiram arrastar consigo uma parte da intelectualidade da época, pois o discurso deles parecia científico e isso impressionava muitos. Ainda hoje, alguns se deixam impressionar. Se lerem, por exemplo, a obra «Materialismo e Empiriocriticismo », compreenderão que se trata de uma obra panfletária de Lenine, que discorre sobre questões fundamentais da natureza da matéria, segundo as teorias em debate na época . Mas, Lenine não percebeu realmente o debate entre várias correntes da física, nem estava à altura de poder discutir os méritos e fraquezas de cada uma. É um exemplo interessante, pois mostra como questões científicas, foram abusivamente enquadradas na moldura ideológica do «materialismo dialético». Lenine atribuiu adjetivos de «progressista» ou de «reacionária», a tal ou tal teoria e aos cientistas a estas associados.

O mesmo processo, mas em mais trágico, pois muitos cientistas foram mortos ou deportados, passou-se com o decretar da genética como ciência «burguesa», por Estaline e seu protegido Lysenko. Foi importante, para a minha formação, ler a obra sobre Lysenkismo de Dominique Lecourt. É daquelas «lições» que nunca se esquecem. E se nos esquecermos, há líderes e sociedades que voltam a cair nos mesmos erros. O lysenkismo foi nos anos 30 do século XX na União Soviética do estalinismo triunfante. Infelizmente, viu-se um ressurgir recente daquele comportamento no mundo contemporâneo: A histeria «covidiana», desencadeada pelo poder, a campanha de violência difamatória contra as pessoas com espírito crítico, a «caça às bruxas», etc. 

No que toca à teoria política, propriamente dita, é um facto que não existe libertação ou emancipação, se a sociedade estiver sujeita a um governo totalitário, que se considera incumbido duma tarefa «messiânica». Um poder que fala em nome da classe operária, do proletariado, não se importando, porém, de o esmagar da maneira mais rude, de lhe retirar todos os meios legais de contestação. Uma pessoa medianamente instruída e que tenha convicções socialistas/comunistas irá naturalmente divergir da teoria política marxista leninista, perante a observação da «práxis» dos mesmos, quando alcançam o poder. 

Eu estive muito interessado nos primeiros socialistas que eram, quase todos, da vertente «não-autoritária»: William Godwin , Gracchus Babeuf, Charles Fourier, Pierre-Joseph Proudhon, e muitos outros, vilipendiados por Marx e marxistas de hoje, que continuam a repetir as difamações de ignorantes, contra esses pioneiros. Na verdade, o que os primeiros socialistas não-autoritários «descobriram», foi retomado e aperfeiçoado por várias gerações de socialistas libertários ou anarquistas, pioneiros em associações não baseadas no lucro e na desigualdade, que estiveram largamente envolvidos na criação e desenvolvimento dos sindicatos, que fundaram muitas cooperativas, etc. A difamação foi pôr-lhes um rótulo («socialistas utópicos») que não lhes corresponde, que os ridiculariza: Marx era costumeiro disso, em dar etiquetas falsas,  em relação a pessoas  que ele detestava. 

O século XXI tem demasiados desafios próprios, para as pessoas ficarem tomadas pela «paixão pelas coisas mortas». Eu quero com isso dizer que o passado, a história, não são para ignorar, mas também não se devem mitificar. Não se ignorem as realizações, as teorias e as reflexões dos séculos anteriores, mas deve pôr-se tudo isso num contexto apropriado. 

A intolerância e o fanatismo, em pessoas que se dizem socialistas é exatamente tão contraditória, como em pessoas que se afirmam cristãs. Aliás, o cristianismo é uma das fontes e das inspirações do socialismo - comunismo - anarquismo: desde a Reforma no século XVI, passando pelos movimentos sociais dos séculos XIX e XX, até aos movimentos de hoje. 

sábado, 31 de dezembro de 2022

A CRISE DA ESQUERDA E PORQUE ISSO É GRAVE PARA TODOS

 Neste fim de ano de 2022, gostaria de vos dar, senão uma perspetiva sorridente do ano que vem aí, pelo menos apresentar-vos alguma paisagem com uma nesga de céu azul de esperança. Mas, tal não será fácil de acontecer, pelo menos na transição de 2022 para 2023, apesar de que todos - subjetivamente - nos sentimos atraídos para o otimismo, nestas épocas. 

É difícil e penoso explicar-vos a enorme revolta que sinto, quando penso na evolução que o mundo está a tomar. Mas, após esse pensamento inicial, pergunto-me: «como é que chegámos aqui?». Qual o fio condutor que nos leva - durante estes anos todos - a chegar com a quase fatalidade da tragédia, ao estado presente do mundo e das nossas sociedades?

As raízes do mal presente são tão fundas, que preciso recuar no tempo (pelo menos) até aos alvores das democracias. Contrariamente ao que muitos podem pensar, as democracias na Europa e América do Norte, não se instauraram de uma vez, como resultado de uma «revolução». Foi um processo lento, com períodos muito conturbados, é certo, mas com a persistente vontade dos povos a serem representados ao nível das estruturas de poder. Qualquer que seja a democracia que daí decorreu, quer mais «parlamentar», quer mais «presidencial», todas elas se basearam no princípio da representação.

O princípio da representação, como fundamento de um Estado democrático, eis o que nos soa a natural, a óbvio. 

Porém, ao nível de grandes conjuntos populacionais, não existe nunca uma representação, sem que o processo ocorra através de representantes políticos eleitos. Então essa pedra-angular da representação (como diziam os revolucionários liberais americanos: não pode haver taxação sem representação) foi substituída por outro critério, muito menos transparente, que é o «princípio da eleição». 

Ora, como tenho várias vezes escrito neste blog e noutros locais, a representação é inevitavelmente falseada pelos mecanismos eleitorais, que dão peso - implicitamente - a quem tem mais poder económico. Os magnates «gostam» de entregar milhares ou milhões a partidos e seus candidatos, não porque estes tenham a sua simpatia ideológica. Mas, antes porque assim os têm «na mão». Ou seja, o partido ou candidato que «morder a mão que lhe dá de comer», já sabe que, na próxima eleição, não terá subsídios (meios de corrupção) para conseguir atender às importantes e inevitáveis despesas eleitorais. Não será eleito, porque a campanha de propaganda de seu(s) adversário(s) estava melhor subsidiada, portanto, as campanhas rivais «convenceram» o eleitorado, em detrimento da campanha do «partido ingrato».

Perante este esquema de corrupção estrutural, não existe verdadeira democracia, pois a representação do dinheiro (quem tem mais dólares, mais euros, etc. e que os podem investir nas campanhas) é quem inevitavelmente ganha. Não são mesmo necessárias grandes fraudes, ao nível da votação ou da contagem dos votos. Os partidos que compõem o leque parlamentar e sobretudo, o leque dos elegíveis para cargos de governo, acabam sempre por ser partidos em consonância com o sistema, mesmo que alguns tenham posturas radicais de direita ou de esquerda. 

O que se constata da história das democracias, é que não são poucos os casos históricos de partidos de esquerda que chegaram ao poder, para logo - ou passado pouco tempo - governarem, não em função da vontade dos seus eleitores (em geral, da classe trabalhadora e da burguesia mais modesta), mas dos interesses dos grandes capitalistas. Justificam estas viragens com o «interesse nacional», ou outra frase-feita, suficientemente vaga, para que não seja fácil demonstrar a  falácia.

A partir de certo ponto, que começou no início do século vinte, deu-se a rendição da social-democracia; eram partidos inicialmente revolucionários, que pretendiam derrubar o capitalismo e instaurar o  socialismo. Sucessivas ondas de (ditos) representantes do proletariado, nas democracias ditas liberais, tiveram o mesmo destino; iniciaram a sua atividade parlamentar como forças de «fora» do sistema, mas em pouco tempo integraram-se inteiramente na mecânica parlamentar. Quando vemos isto, podemos ficar desencorajados, pois é um mecanismo que não pode ser mudado facilmente; o mecanismo da cooptação é o que melhor garante a continuidade do status- quo.

Aquilo que se está a passar neste momento trágico na Ucrânia, é devido à rendição das diversas esquerdas, que jogaram o jogo do belicismo. Isto é válido em todos os países da Europa, incluindo claro, a Rússia. Mas, sobretudo, as forças mais poderosas da esquerda, as que se agrupam na chamada 2ª Internacional Socialista, que têm tido governos ou forças parlamentares de oposição fortes em praticamente todos os países da Europa ocidental, todas se alinharam com o belicismo: Marcharam todas integrando o desfile militar, a passo cadenciado, a mando dos que dominam, da oligarquia. Uma guerra, sobretudo destas dimensões (pan-europeia, na verdade), é sempre impulsionada pela ínfima minoria que explora e domina a maior parte da  riqueza criada e que tem manobrado os governos, através do seu controlo das finanças, da média, da corrupção dos partidos, dos peritos e especialistas. 

O dilema de uma força de esquerda parlamentar é, hoje, bastante claro: 

- Ou se retira da fantochada eleitoral e a breve trecho desaparece, como força organizada ao nível nacional, reduzindo-se à dimensão de «seita»; 

- Ou se mantém, mesmo que diga que o faz «criticamente», mas o seu objetivo acaba por ser a manutenção e expansão  da representação parlamentar, com o objetivo de vir a ser convidada e participar num governo de centro-esquerda. 

Não creio que possa existir uma «terceira» via, para partidos de esquerda, que escolheram a via de colaboração com o sistema. É esta a mensagem implícita que nos dão as suas estratégias e táticas, as suas tomadas de posição e declarações. Claro, não vão dizer ao eleitorado, largamente das classes mais pobres, «nós vamos continuar a política de centro-direita/centro esquerda» e «vocês devem votar em nós, porque nós somos os bons, os competentes, etc.» Claro que a sinceridade está fora do jogo do parlamentarismo. São enganadas muitas pessoas, convencidas de que a transição para o socialismo está ao virar  da esquina, bastando para isso votar nos partidos que têm advogado o socialismo. É dentro desta alienação que opera toda a esquerda parlamentar, hoje em dia.

Não quero deixar a impressão de que tenho uma saída - de curto prazo - para este problema. Não a tenho e confesso-o sem hesitar. 

Porém, a única forma de transformar a realidade política e social em profundidade é através da educação, é pela educação que as pessoas se tornam críticas, que são capazes de raciocinar e de estudar por si próprias, aprendendo não só aspetos «técnicos» dos assuntos, mas também as questões mais profundas. Uma educação verdadeira implica conhecimento, o estudo de livros e artigos sobre Filosofia, Política, Sociologia, Psicologia e História. É de constatar que a escola de hoje está muito longe de encorajar a independência de espírito. As pessoas que organizaram os curricula - desde curricula da escola primária até ao ensino superior- são pessoas da inteira confiança da classe dominante. A escola não é um corpo separado do resto da sociedade, mas é atravessado pelas contradições que nela se exprimem. Apesar disso, a educação, mesmo que não tenha sequer uma réstia de crítica ao poder dominante, é sempre perigosa para este, pois alguns filhos da classe oprimida, conseguem atingir um nível de compreensão aprofundada das matérias e destes, uns poucos, serão críticos da realidade social que se lhes depara. 

Concedo que um partido pudesse ser o veículo dessa educação independente,  não enfeudada a interesses de classe, que são os tipos de ensino dominantes nas escolas superiores e universidades, controladas por vários arautos da burguesia. Mas, a verdade é que este tipo de educação, muitas vezes, se limita a formar quadros do próprio partido. Assim, a educação popular, em todas as esferas da atividade não pode ser veiculada por qualquer partido, mesmo que este tenha as melhores intenções do mundo. Porém, organizações populares de base, não enfeudadas a nenhum partido, poderiam desempenhar um papel  muito mais relevante do que o fazem hoje: Cooperativas, associações populares, associações de vizinhança, sindicatos (não controlados por nenhum partido) etc., podem ser um bom terreno para a emergência duma cultura não-elitista, que proporcione as mesmas oportunidades a todos .  

Se o mundo sobreviver entretanto, talvez daqui a muitos anos haja uma transformação qualitativa nas sociedades e seja ultrapassada a etapa capitalista, em que nos encontramos. Parece-me afinal mais construtivo apontar para um objetivo longínquo mas realizável, do que insistir na fórmula vazia (corrompida e corruptora) do parlamentarismo. Os políticos «profissionais» de esquerda, que sabem isso melhor que ninguém, vivem do engano dos seus eleitores. 

Não é verdade que a «esquerda», por o ser, tenha uma qualquer vantagem moral sobre as formações políticas de direita, ou de centro. A mitificação da esquerda, como superior moralmente às outras forças, traduz-se numa autoilusão, numa alucinação mesmo (nalguns casos) de militantes de base sinceros; enquanto os outros, sobretudo dos escalões de topo e intermédios, têm sobretudo uma enorme sede de poder e não são de modo nenhum sinceros. 

Costumo dizer que a melhor maneira de nos corrigirmos, é olharmos para nós próprios e vermos realmente aquilo que nós fizemos de certo ou de errado. É uma autoanálise praticada pelos filósofos desde a antiguidade greco-romana, pelo menos. Também faz parte do ensinamento de muitas escolas filosóficas do Oriente: do Confucianismo, do Budismo Zen. Está igualmente presente no Cristianismo, no Judaísmo e no Alcorão. Em correntes leninistas e maoistas, encontramos apelos à «crítica e autocrítica»; encontramos semelhante apelo para a introspeção em filósofos influenciados pela psicanálise, ou em pós-modernistas. Podemos encontrar em muitas filosofias, não-europeias, este apelo; a própria «sabedoria das nações», repositório da  experiência multissecular dos povos, vai nesse sentido. Seria de esperar que tal fosse praticado pelo povo de esquerda também, ou seja, pelos que não se deixaram corromper e que não têm a soberba de achar que o mundo todo está errado, que eles é que estão certos.

Um bom ano de lutas para 2023!


Uma ilustração de humor satírico de William Banzai

                               https://www.zerohedge.com/news/2022-12-30/stay-woke

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

ENTREVISTA COM O PROF. MICHAEL HUDSON (PARTE II)

(continuação da PARTE I do artigo)

(6.) Tenho lido muitos relatórios sobre o contexto das sanções contra a Rússia. Parece que as sanções fazem cada vez mais estragos, porque eles não conseguem produzir todos os produtos - em especial - os tecnológicos, sozinhos. Por outro lado, a Rússia tem agora negócios e compradores mais estáveis, com a China e a Índia.
Qual o efeito real das sanções, segundo a sua análise?

MH: As sanções dos EUA acabaram por ser um inesperado presente dos Céus para a Rússia. Na agricultura, por exemplo, as sanções proibindo as exportações de laticínios da Lituânia e dos outros países bálticos, provocou o florescimento da indústria de laticínios russa. Agora, a Rússia é o maior exportador de cereais, graças às sanções ocidentais, que têm um efeito muito semelhante às tarifas protetoras e às quotas de importação que os EUA usaram nos anos 1930, para modernizar o sector agrícola.

Se o Presidente Biden fosse secretamente um agente russo, ele dificilmente poderia ter ajudado mais a Rússia. A Rússia precisava de isolamento económico, mas estava demasiado comprometida com a política neoliberal, contrária ao protecionismo, para o fazer de sua própria vontade. Assim, os EUA fizeram-no por ela.
As sanções forçam os países a ser mais autossuficientes, pelo menos, nos produtos básicos, tais como os setores alimentar e da energia. Esta autossuficiência é a melhor proteção contra a desestabilização económica dos EUA, que - deste modo - conseguem forçar uma mudança de regime e aceitar a submissão.
Um efeito é que a Rússia vai precisar de comprar muito menos à Europa, mesmo depois de ter terminado o conflito na Ucrânia. Portanto, será necessário menos exportação de matérias-primas da Rússia para a Europa. Pode trabalhá-las ela própria. O coração industrial da Europa pode acabar por ir parar mais à Rússia e seus aliados asiáticos, do que aos EUA.
Isto é o resultado irónico da Nova Cortina de Ferro da OTAN.


(7.) Como descreveria a China, a Rússia e a Índia: Vê nelas capitalismo industrial ou socialismo?

MH: RIC sempre foi o coração dos BRICS, agora muito alargados pela inclusão do Irão e de vários países da Ásia Central, por onde passam as vias das Novas Rotas da Seda. O objetivo é que os países da Eurásia não estejam dependentes da Europa ou da América do Norte.

O ex-Secretário da Defesa Donald Rumsfeld referiu-se várias vezes à “Velha Europa”, como sendo uma zona a definhar, próxima da morte. Não se inteirou dos planos europeus de há um século atrás, de evoluir para uma economia crescentemente socializada, que sustente níveis de vida crescente e crescente produtividade do trabalho, da ciência e da indústria. A Europa, não só rejeitou o marxismo, como a própria base da análise marxista, ou seja, os economistas clássicos Adam Smith, John Stuart Mill e seus contemporâneos. Este, foi o caminho seguido na Eurásia, enquanto o liberalismo antigovernamental das escolas Austríaca e de Chicago destruíram a economia dos países da OTAN por dentro.

Visto que o foco da liderança industrial e tecnológica se está a deslocar para o leste, o investimento europeu e o trabalho vão, provavelmente, seguir o mesmo rumo.
Os países euroasiáticos continuarão a visitar a Europa como turistas, tal como os americanos, que gostam de visitar a Inglaterra, como se fosse um parque temático da nobreza pós feudal, com guardas do palácio real e outras distantes tradições do tempo dos cavaleiros e dragões. Os países europeus serão mais parecidos com a Jamaica e o Caribe, com o setor da hospitalidade tornando-se um dos principais vetores de crescimento, com empregados franceses ou alemães, vestidos com roupa "hollywoodesca". Os museus irão ser um negócio florescente, à imagem da Europa, que se transforma, ela própria, num tipo de museu da sociedade pós industrial .

(8.) Recentemente, houve o colapso e bancarrota da plataforma de cripto-moedas, FXT. A gestão desta companhia parece ser altamente criminosa. Como avalia isto?


MH: O crime é aquilo que fez o setor cripto crescer no passado recente. Os investidores compravam cripto-divisas porque são um veículo para as fortunas obtidas com o tráfico de drogas, de armas, de outra criminalidade e da evasão fiscal. Estes são os grandes setores de crescimento, na era pós industrial, nas economias ocidentais.

As pirâmides de Ponzi são, por vezes, bons veículos de investimento no seu estádio de arranque, no estádio de «bombear e despejar». Era inevitável que os criminosos não usassem somente as cripto-divisas para transferências de fundos, mas realizassem eles próprios as suas divisas, «livres da regulação opressora» do governo. Os criminosos são os mais coerentes discípulos, entre os adeptos da Escola de Chicago do livre-mercado.

Qualquer um pode criar a sua própria cripto-divisa, tal como nos EUA da época do Oeste selvagem, os bancos faziam isso em meados do século 19: Imprimiam a contento as suas divisas. Quando se entrava em lojas, no início do século 20, estas ainda mantinham as listas de cotações das várias notas de banco. As notas com um desenho mais bonito, eram tendencialmente as com maior sucesso.

(9.) Tem algum conhecimento das relações de FTX com a Ucrânia, com o governo de Kyiv? Existem algumas conversas e artigos, na media alternativa sobre isto?

MH: O FMI e o Congresso pagaram largas somas ao governo da Ucrânia e seus cleptocratas entronados. Houve notícias de imprensa sobre uma grande fatia desse dinheiro que foi devolvida à FTX, que se tinha tornado o segundo maior financiador do Partido Democrático (atrás de George Soros o qual, diz-se, anda a tentar adquirir ativos ucranianos). Então um fluxo circular parece ter operado: O Congresso vota os fundos para a Ucrânia, que põe parte desse dinheiro na plataforma cripto FTX, para pagar a campanha para reeleição de políticos favoráveis ao regime ucraniano.


(10.) Há uns meses houve artigos na imprensa dos EUA sobre os planos da FED: Estão a planificar estabelecer o dólar digital, a Divisa Digital de Banco Central (sigla em inglês: CBDC). Na Europa também, a Sra. Lagarde e o ministro alemão para as finanças, Lindner, falaram sobre a introdução do Euro digital.
Aqui, na Alemanha, alguns especialistas críticos têm avisado que isto apenas irá permitir uma total vigilância sobre a população e clientes. O que pensa sobre as divisas digitais?

MH: Não é o meu departamento. Todas as operações bancárias são eletrónicas, portanto, o que significa «digital»? Para os libertários, isto significaria não haver vigilância governamental, mas, se estiver nas mãos do governo, este manterá registo de tudo o que alguém gasta.

(11.) Qual a sua opinião sobre as presentes subidas ou descidas do Dólar US, do Euro, da Libra britânica, do ouro e da prata?

MH: O dólar vai continuar a ser procurado, devido ao facto de ter colocado a Eurozona na sua dependência. A libra britânica tem poucas possibilidades de sustentação, há escassos motivos para que estrangeiros queiram investir nela. O euro é a divisa «júnior», um satélite do dólar.

Sem dólares ou outras divisas nas suas reservas monetárias, os governos vão continuar a aumentar a proporção de reservas em ouro nos bancos centrais, porque o ouro não tem dívida associada a ele. Portanto, o governo dos EUA simplesmente roubou o ouro russo. Analogamente, os países da Eurozona fizeram o mesmo em relação às contas em divisas do Banco Central da Rússia. Não se pode confiar que países da Eurozona não sigam as ordens dos EUA, de tomarem as divisas de um Banco Central estrangeiro, portanto, tais depósitos serão evitados.

Como a taxa de câmbio do euro desce em relação ao dólar, o investimento estrangeiro irá diminuir porque os investidores não vão querer investir (1) num mercado em retração e (2) em companhias com sede na Eurozona, pagas em euros, que vale cada vez menos em dólares, ou noutras moedas sólidas.
É óbvio que o ouro do banco central deve ser guardado no próprio país, para não ser roubado, como foi o ouro da Venezuela. Foi o que fez o Bank of England (banco central do Reino-Unido), que tomou esse ouro e entregou-o a um direitista e fantoche ao serviço dos EUA. A Alemanha faria bem em acelerar o repatriamento do seu ouro, guardado nos EUA em cofres da «U.S. Federal Reserve Bank» de Nova Iorque.

(12.) Qual é a sua análise presente das crises financeira e energética no Mundo?

MH: Não tanto uma verdadeira crise como um «crash» em câmara lenta. O aumento dos preços beneficiou as exportações dos EUA: petróleo, alimentos e tecnologias informáticas (IT) monopolistas. Com o custo de vida a aumentar mais depressa para os consumidores, do que os aumentos de salários, haverá então um apertar do cinto para a maioria das famílias. A classe média irá descobrir que realmente é - ao fim e ao cabo - uma classe assalariada e irá mergulhar mais fundo na dívida, em especial, se tentar proteger-se tomando uma hipoteca para comprar sua casa.

Tenho estudado os séculos 11 e 12, para a minha "História da Dívida" e descobri uma história que pode ter relevância para as questões que coloca. A OTAN continua a declarar que é uma aliança defensiva. Mas a Rússia não tem qualquer desejo de invadir a Europa. O motivo é óbvio: Não existe qualquer exército capaz de invadir um país dos maiores. Mais importante ainda, a Rússia não tem sequer um motivo para destruir a Europa, enquanto sua adversária e fantoche às ordens dos EUA. A Europa já está a se autodestruir.

Recordo a batalha de Manzikert em 1071, quando o Império Bizantino perdeu contra os Turcos Seljuk (em grande parte, porque o general  do qual o imperador dependia, Andronikos Doukas, desertou e depôs o Imperador). A cruzada dos reis, um suplemento de jogo, cobre a batalha de forma extensa e declara como tendo tido lugar o diálogo seguinte, entre Arslan e Romanos:

Alp Arslan: “O farias se eu fosse trazido à tua presença como prisioneiro?”

Romanos: “Talvez eu te executasse ou te exibisse nas ruas de Constantinopla.”

Alp Arslan: “A minha punição será muito mais pesada. Eu perdoo-te e deixo-te em liberdade.”

Este é o castigo que a Europa irá receber da Eurásia. Os  líderes europeus fizeram sua escolha: serem satélites dos EUA.


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Esta tradução por MB, foi feita a partir do texto no link seguinte:

terça-feira, 19 de abril de 2022

QUEM CONTROLA QUEM?



Quem costuma prestar atenção aos discursos políticos, ideológicos e mediáticos dominantes, sabe que nestas esferas se manufaturou - desde há longa data - um consenso: A democracia é um sistema que está inerentemente associado com a «liberdade» dos mercados, sendo uma heresia, sob o ponto de vista económico, mas político também, querer «regular» os mercados. Isso (regular os mercados) seria a marca das ideologias mais ou menos autoritárias, pondo dentro do mesmo saco os fascismos, incluindo o nazismo, as regulações social-democráticas ocorridas  após IIª Guerra Mundial no Ocidente e todos os socialismos autoritários, desde a União Soviética, os diversos regimes «comunistas», em vários continentes, até à China contemporânea, um híbrido de capitalismo/comunismo.
Esta visão do mundo, propriamente ideológica, é reafirmada por um montão de discursos, que confluem para afirmar essa tal inevitabilidade: ir contra a «liberdade» dos mercados, é estar a fragilizar - também - a liberdade política e a ordem social liberal.
Note-se que este discurso é apenas uma atualização dos ataques no século XIX, contra as correntes sociais e socialistas (o que incluía marxistas e fortes correntes anarquistas). Nesta fase, o capitalismo industrial triunfante parecia efetivamente ser um modo de produção cuja maior eficácia e produtividade eram inegáveis. Eram comuns os argumentos de que o capitalismo «não se dá bem» com ditaduras, que uma economia capitalista não se concebe sem concorrência e que a concorrência implica liberdade dos indivíduos, uma imprensa livre, etc., etc.
De facto, nas suas linhas fundamentais, os argumentos permanecem os mesmos. Porém, o próprio capitalismo não só envelheceu, como também se transformou, de tal modo que se pode legitimamente perguntar se algo do «livre mercado», ou se algo dum genuíno liberalismo, tanto económico como político, permanece nos países tidos como guardiães dos mercados livres e da democracia liberal. Estes, são os países «ocidentais», um conceito político, pois inclui países como o Japão, a Coreia do Sul, ou a Austrália, que não são geograficamente «ocidentais».
Curiosamente, as esquerdas liberais ou libertárias,  parlamentares ou extra- parlamentares, têm feito a mesma apologia dos mesmos «valores», apenas desejando a «limitação» dos grupos económicos muito grandes, apenas porque são muito grandes, deixando o resto na mesma. Quanto à sua formal e retórica aversão aos monopólios, tem origem em slogans dos anos 60 e 70, onde ainda havia um segmento significativo das esquerdas «ocidentais» que eram realmente anti- capitalistas, que punham em lugar central a luta de classes e a luta anti-imperialista. O que se vê, hoje, na «esquerda» é que as pessoas bem podem conservar uma auto- imagem «anti- capitalista», mas (infelizmente), a meu ver, ela não corresponde à realidade.
De resto, a «liberdade dos mercados» carece de qualquer razão profunda para se lutar por ela, não pode ser considerada um valor em si mesmo, a não ser que se ache justificado que a Grã-Bretanha tenha, em nome da liberdade de comércio, imposto o ópio e as guerras do ópio ao império da China, como se fosse direito inalienável do império Britânico, vender as mercadorias que quisesse, aonde quisesse e a quem quisesse. 
Pessoas que se dizem liberais hoje acham  frequentemente, que o capitalismo está a ser plenamente falseado pela existência dum ordenado mínimo, o qual impediria o mercado laboral de funcionar «em plena liberdade» e que os trabalhadores aceitem voluntariamente (sic!) trabalhar por salário abaixo do tal mínimo. O salário mínimo é acusado de falsear a concorrência, devido aos «pobres capitalistas ocidentais» serem confrontados com a produção a menor custo, noutras paragens, com salários mais baixos. Tudo isto são falácias, fáceis de desmontar!
Podia-se escrever um longo capítulo de exemplos, desses tais «valores neoliberais» contemporâneos. Penso que o leitor poderá facilmente perceber aonde quero chegar, mesmo sem multiplicar os exemplos: Trata-se de um exercício de hipocrisia, que mascara um racismo classista, vindo diretamente do setor capitalista mais reacionário e anti-humanista.
Esta corrente, tem hoje em dia um renovo: O neomalthusianismo é a ideologia que subjaz um complexo ideológico. Ouvem-se nomes diferentes como o transumanismo, o keynesianismo, o militarismo, mas eles são somente, afinal, «parágrafos diferentes do mesmo credo». Esta corrente floresce graças aos muito ricos e poderosos bilionários, que se colocam como patronos ou benfeitores «humanitários» e «aconselham» governos e outros, servindo-se de «fórums», como o de Davos, controlando quer a «media de massas» tradicional, quer os novos instrumentos mediáticos da Internet (Twitter, Facebook, Google, etc...) .
O nível extremo deste poder de controlo revela-se nas instâncias internacionais. Elas não deveriam estar submetidas à pressão de financiadores privados, como acontece no caso da OMS. É conhecido que o financiamento maior da OMS provém da Fundação Bill Gates, sendo também muito grande a contribuição das grandes farmacêuticas. A OMS deveria escapar a tal sujeição, funcionar apenas como agência da ONU, tendo só contribuições dos diversos países membros.
Quando interesses privados, de um modo insidioso, com a colaboração de Estados, se imiscuem na gestão de aspetos da vida que deveriam ser públicos, obtém-se uma rede de interesses muito fortes, as chamadas «parcerias público-privadas». Estas, nada mais são do que estruturas para impor um regime de monopólio em setores inteiros da economia, portanto, a negação total da «livre concorrência». Pense-se em Portugal: No setor energético (EDP, GALP, GDP etc.), no setor das autoestradas (BRISA), no setor das comunicações e media (NÓS, MEO, jornais de grande tiragem e grupos de imprensa, além de copropriedade com o Estado, vivem de subsídios estatais), nas empresas de transportes (a TAP e muitas outras). Na educação, as universidades «privadas» são, na verdade, parcerias com o Estado, tal como os colégios (da primeira infância, ao fim do secundário), viáveis somente devido aos constantes subsídios e ajudas diversas do Estado.
As parcerias público- privadas, tão do agrado da classe capitalista, como da corrompida classe política, são - nada mais, nada menos - que monopólios de renda, para os interesses capitalistas privados. O Estado fica - de facto - como garante da viabilidade económica destas estruturas. O apoio que ele (Estado) presta, pode ser direto: Como foi o caso, para salvar bancos privados, como o BES e outros. Em Portugal, os contribuintes, defraudados pelo Estado que governa «em nome deles», são quem desembolsa os milhões para cobrir as perdas dum banco americano («Lone Star»), que adquiriu, em condições de privilégio inéditas, o «Novo Banco» resultante do falido BES (Banco Espírito Santo).
Aquilo que se observa em Portugal é igual, em mais grotesco, ao que ocorre em países mais fortes, como os EUA, a Alemanha, a França, etc...
Estas relações são de tipo ternário:
- O Estado faz reféns os cidadãos, obrigando-os a contribuir com seus rendimentos (o imposto sobre rendimentos), com contribuições obrigatórias (para segurança social, etc.) e com os impostos diretos (IVA, etc.).
- As grandes empresas conseguem dominar o mercado, um domínio em monopólio ou oligopólio (duas ou três empresas num setor, «ditas concorrentes»). Isto é obtido mediante toda a panóplia de instrumentos e táticas, que incluem a absorção de concorrentes mais fracos, a exclusão dos potenciais concorrentes, incluindo a sua sabotagem, a utilização de conivências instaladas no aparelho de Estado, etc.
- As empresas monopólios ou oligopólios, estabelecem com o Estado, diretamente ou através de empresas e instituições estatais, acordos de parceria. Estes, além de reforçarem as suas posições de mercado, dão-lhes acesso a fonte de financiamento seguro, à garantia de salvamento, mesmo perante erros da gestão empresarial, etc.
Pode-se dizer que estas parcerias reúnem todas as vantagens dos sistemas privados e todas as dos públicos mas, para maior vantagem dos privados, sobre as estruturas públicas. Com efeito:
Podem exercer a sua atividade, seguindo apenas as regras do mercado; podem ser cotadas em bolsa; podem negociar acordos salariais e outros dentro da empresa; não estão sujeitas a seguir critérios definidos pelo governo, seja para promoções ou concursos externos de pessoal, como nas empresas públicas; podem sobretudo distribuir os lucros obtidos pela empresa, entre os acionistas e membros de topo da gestão.
Mas, têm as vantagens dum investimento público, como: A possibilidade do Estado investir diretamente com dinheiro público, ou com dívida pública (que os contribuintes terão de pagar futuramente); têm a garantia do Estado para qualquer empréstimo que façam; têm acesso às redes de influência e de poder, sobretudo. Esta simbiose permite-lhes estar por dentro do poder político qualquer que ele seja, sem parecer.

Geralmente, os media estão cheios de notícias que desencadeiam um reflexo «visceral» nos seus leitores/auditores: esta gestão das emoções é monitorizada cientificamente, por cientistas comportamentais, psicólogos, sociólogos, antropólogos, etc. «que venderam a alma ao diabo».
Não são os únicos, pois nas universidades, em particular, abunda esta espécie, que se reveste dos louros académicos para viver como parasita da democracia. Estas pessoas são compradas, ou melhor, são apropriadas. Estamos a falar do funcionamento de instituições com potencial para influir na opinião pública, tais como a media de massas, o ensino superior, os corpos de elite do Estado, as instituições de investigação (estatais ou privadas).
É impossível alguém não-conforme com a ortodoxia permanecer nestas instituições durante muito tempo, pois seria marginalizado e finalmente expulso, se levantasse frequentemente a voz para afirmar algo desagradável aos seus patrões. Também, não há grandes hipóteses de tal vir a ocorrer, pois os candidatos são sujeitos a uma seleção que privilegia a conformidade, em detrimento da criatividade e originalidade. No processo de seleção, uma pessoa que sai fora dos cânones aceites e desejados, até  poderá ser dotada de inteligência e  capacidade criativa acima dos outros concorrentes. Mas, os que selecionam os candidatos não vão selecionar essa tal pessoa, porque têm de escolher alguém que «encaixe» no perfil traçado.

No conjunto, as sociedades ditas de «democracia ocidental» vivem numa espécie de teatro ou de simulação permanente. Ai de quem se atreva a dizer «o rei vai nu!»
As circunstâncias delineadas nos parágrafos acima, não são as únicas em que ocorre uma ficção de «concorrência». Todo o conjunto da sociedade é atravessado pela mesma corrução intrínseca, pela mesma hipocrisia institucionalizada, pela supressão dos mecanismos de controlo popular. É preciso compreender que o poder sobre os indivíduos, implica um controlo, mandar nas pessoas, forçá-las a conformarem-se com as normas (sobretudo, as não escritas) e, por estes meios, manter as hierarquias de poder em todo o tecido social, sem as quais (segundo eles) a sociedade dita «civilizada» não poderia subsistir. Sem hierarquia, tudo cairia no caos, na anarquia. 
De facto, a «civilização» deles, é realmente sinónimo de violência e de caos, sobre os pobres, os destituídos, os excluídos. O «socialismo para a elite e escravatura do capital para os servos», é o verdadeiro mote da sociedade que eles querem implantar (Great Reset), conservando apenas a retórica da «democracia liberal». Mas, isto nunca é patente, antes é sempre ocultado pelo poder!

sábado, 9 de abril de 2022

CRÓNICA (nº6) DA IIIª GUERRA MUNDIAL - Os laboratorios de bioarmas dos EUA



 Aquilo que devia ser o foco das notícias relativas à guerra Russo-Ucraniana é passado sob silêncio. Refiro-me aos múltiplos laboratórios secretos (26?), operando dentro  da Ucrânia, muitos deles em território próximo da fronteira com a Rússia. Estão disponíveis evidências suficientes, mostradas pelos russos na ONU, há cerca de um mês, na indiferença geral da media prostituta. Estas evidências são coligidas por alguns sites corajosos, que ainda podem operar no Ocidente, apesar do avanço de uma censura insidiosa e fascista, que tem cancelado muitas vozes não conformes. O facto é que para muitos analistas de armamento biológico, não oferece qualquer dúvida que os EUA estavam a externalizar a investigação e desenvolvimento de seus sistemas de bio-armas (1). Estas, podem ser «camufladas» como sendo produzidas em exclusivo para serem testadas, contra elas, vacinas e outras proteções, preventivas para o caso de guerra biológica. Mas, esta conveniente capa, também está vedada pela Convenção internacional contra as Armas Químicas e Biológicas, rubricada por quase todos os países com assento nas Nações Unidas. 

Então, para desviar a atenção do público, criaram os nazis ucranianos, sob orientação direta do Pentágono duas falsas bandeiras: Bucha e Krematorsk. Para mim e para quaisquer pessoas que se deem ao trabalho de analisar os dados e evidências mostradas por um e outro lado, não pode haver uma convicção de que esses dois atos atrozes tivessem sido perpetrados pelos russos. A abundante informação que pode aceder AQUI, ou AQUI, ou ainda noutras fontes, pode dar uma ideia das questões. Por contraste com as fontes acima mencionadas, sobressai a histeria mediática fabricada para condicionar e intimidar as pessoas, no Ocidente. Esta guerra, como tenho mencionado, está a desenrolar-se a vários níveis: militar, económico, biossegurança, ciberguerra e guerra de informação. Esta última, é dirigida aos nossos próprios povos do Ocidente, visto que a violência e o primarismo russófobo (não anti- regime russo, mas claramente anti povo russo) que se desprende desta campanha, é de molde a causar revulsão em qualquer pessoa russa, seja qual for o seu posicionamento em relação a Putin e seu governo. A quota de popularidade de Putin e do governo russo tem subido, em especial desde as campanhas mediáticas russófobas no Ocidente.

Esta guerra tem dois lados: um, é o russo e o outro é a NATO. A NATO serve-se do regime fantoche de Zelensky e das milícias nazis (que a NATO treinou, armou, equipou e enquadrou) inseridas ou autónomas das forças armadas ucranianas. É uma guerra por procuração, por enquanto. Existem numerosos fanáticos anti-russos, sobretudo neocons, que querem que a guerra se alastre, que haja um envolvimento direto da NATO. A oligarquia que controla o poder político de Washington, está ferozmente disposta a sacrificar até ao último ucraniano, e também, até ao último europeu ocidental, no seu afã de destruir - nada menos que isso - a Rússia. 

Continua a ser um mistério, saber qual ou quais as razões que levaram Putin e o governo Russo a mudar a sua perspetiva sobre a situação na Ucrânia e decidirem-se pela ofensiva. Mas, tenho impressão que dois factos foram decisivos: 

- A declaração de Zelensky (um fantoche da NATO) na «conferência de Munique sobre segurança», de que o seu país estaria pronto a sair do Acordo de Budapeste, o qual garantia o não estacionamento de armamento nuclear em solo da Ucrânia. Em compensação, a Rússia não colocava obstáculos à saída da Ucrânia da CEI, sucessora imediata da URSS. 

- A provável informação dos serviços russos de que estaria para breve uma ofensiva, não apenas convencional, mas duplicada com armas biológicas contra a Rússia, coberta pelo reacender da guerra entre o exército ucraniano e as milícias das repúblicas do Don. 

O primeiro facto é insofismável e conferível por qualquer pessoa.

O segundo é uma inferência, pois eles (serviços secretos russos) sabiam de antemão quais os locais dos laboratórios com as tais atividades de guerra biológica. Pode-se considerar um indício disso, o facto de que, na invasão russa, houve um cuidado especial em capturar os referidos laboratórios, com operações-relâmpago de comandos.... 

 O facto de considerar que há muitos motivos para a Rússia ter invadido a Ucrânia, não invalida o facto de eu considerar que foi um erro:

Foi um erro prático, porque as possibilidades de resolução duma situação, por mais complicada que seja, ficam diminuídas quando se entra numa guerra aberta. 

- Foi um erro também do ponto de vista humano, pois nestas guerras, são os inocentes que mais sofrem (de ambos os lados) tanto soldados, como civis. 

- Do ponto de vista moral, também foi um erro, porque a Rússia não estava a ser atacada objetivamente. No caso presente, embora na iminência de o ser, será sempre difícil provar que foi uma operação preventiva absolutamente necessária para a preservação da própria Rússia.

Dito isto, penso que as culpas principais são do «Ocidente», da NATO, que se tornou o instrumento passivo da política imperial dos EUA. Estes, desde o golpe de Maidan, têm transformado a Ucrânia em ponta-avançada numa guerra de baixa intensidade, ou híbrida, contra a Rússia. 

Só com a destruição do sistema imperialista, seja ele multipolar, bipolar ou unipolar, os povos de todos os países do Mundo poderão ter a tranquilidade e segurança necessárias. No curto prazo, vamos assistir a fome, miséria, golpes, instabilidade política, em todo o Mundo, com maior gravidade no Terceiro Mundo. Isto poderá durar decénios e a sua resolução (infelizmente) não me parece favorável ao socialismo, pelo menos, ao socialismo como eu o entendo, não as formas estatais, meros capitalismos de Estado. 



(1) https://childrenshealthdefense.org/defender/u-s-firm-with-ties-to-wef-dod-implicated-in-bioweapons-cover-up/?utm_source=salsa&eType=EmailBlastContent&eId=7de34bfc-a866-4423-9f18-4c5497ebe72e


PS1: Sobre o longo historial dos EUA, relativo às armas biológicas:

https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2021/06/sars-cov-2-bio-arma-produzida-em-fort.html

https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2019/09/os-programas-de-guerra-quimica-e.html

https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2022/03/varios-laboratorios-na-ucrania.html

https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2020/03/max-parry-sera-que-pandemia-global-e-um.html

https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2020/02/coronavirus-de-wuhan-bio-arma.html


PS2: Importante resumo dos motivos russos para invadir a Ucrânia, assim como de vozes dos EUA preocupadas com o papel que os EUA têm desempenhado na Ucrânia e região. A não perder:

https://www.moonofalabama.org/2022/04/sane-voices-explaining-the-reasons-for-and-dangers-behind-the-war-in-ukraine.html#more

PS3: O silêncio é «estrondoso», o blackout informativo é total, o que só mostra uma coisa: a elite global, dona dos media de massas ocidentais, não se importa com a nossa saúde; importa-se em eliminar, por quaisquer meios, a Rússia (eles querem o seu extermínio!)

Só uma pressão das pessoas pode furar o muro de silêncio em torno deste caso. Por isso, reenvia para todos os que têm ainda olhos para ver e miolos para pensar. Obrigado!
 
https://childrenshealthdefense.org/defender/documents-reveal-disturbing-details-gain-of-function-experiments/?utm_source=salsa&eType=EmailBlastContent&eId=cf731338-6173-4b1d-8f27-a35c82ebd270
A acumulação de dados e indícios mostra que os EUA estavam a desenvolver armas de destruição massiva na Ucrânia, em laboratórios secretos espalhados pelo país. Estes eram financiados, mantidos e dirigidos por americanos. Era proibido um trabalhador dar informação sobre o que se passava lá dentro. Logo após a invasão, foi 
dada ordem, por Victoria Nulan, para destruir as estirpes. Podiam ser consideradas peças incriminatórias e também toda a documentação. Porém, alguns trabalhadores destes laboratórios deram entrevistas aos russos e mostraram documentos de trabalho, fornecendo a descrição precisa dos agentes biológicos e do tipo de manipulações que eram efetuadas.

PS4: Martin Armstrong explica porque o «Ocidente» deseja uma IIIª Guerra Mundial: https://usawatchdog.com/the-west-needs-wwiii-martin-armstrong/

PS5: Uma jornalista holandesa independente está no Donbass e denuncia a enorme operação de propaganda da media ocidental, que só reproduz as falsidades da propaganda de Kiev e ignora tudo o que seja dissonante disso. Leia AQUI.

PS6: Veja a declaração importante dos russos, nas Nações Unidas, hoje 19/04/2022

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Artigos anteriores da Série 3ª Guerra Mundial:

https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2022/03/cronica-da-terceira-guerra-mundial.html

https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2022/03/cronica-da-terceira-guerra-mundial_13.html

https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2022/03/cronica-da-terceira-guerra-mundial_0396436697.html

https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2022/03/cronica-da-terceira-guerra-mundial_24.html

https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2022/04/cronica-da-terceira-guerra-mundial-um.html


domingo, 29 de agosto de 2021

RESILIÊNCIA E AUTONOMIA

 [Ensaio, por Manuel Banet]

 

Tenho escrito frequentemente sobre estes tópicos, ao longo de 5 anos de existência do blog. Estes conceitos têm sido abordados por mim, de várias maneiras e sob vários ângulos. Tem havido, da minha parte, uma reflexão constante, ela própria alimentada por leituras muito diversas, que me têm ajudado a ver os problemas com maior lucidez e espírito prático.
Neste escrito, gostaria de fazer uma síntese das minhas descobertas e reflexões, com o objetivo prático da construção da autonomia e resiliência pessoais e coletivas, ou seja, de resistir à onda de totalitarismo que o mundo tem vindo a sofrer, nestes tempos conturbados.
Os dois conceitos, autonomia e resiliência, estão relacionados, mas não são inteiramente sobreponíveis.

Entendo por autonomia, a capacidade de gerarmos os meios de vida indispensáveis, sem ter de recorrer a fonte exterior à nossa comunidade, ou podendo estar dependentes de fontes externas para certos produtos e matérias-primas, mas onde nenhuma destas fontes detenha um poder avassalador sobre a nossa vida. Implica mantermos uma real possibilidade de substituir a importação por produção autóctone.
Ao nível individual, a autonomia implica não estarmos na dependência de outrem para conduzir a nossa vida, embora tenhamos ricas e diversificadas relações com os outros. Uma interdependência social equilibrada e diversificada é condição de autonomia, ao nível do indivíduo, na sociedade.

Quanto à resiliência, esta traduz-se pela capacidade de autorregeneração, perante uma séria perturbação da nossa capacidade de viver, de desempenharmos as tarefas habituais das nossas vidas.
Em geral, esta capacidade de resiliência é tanto maior, quanto os sistemas tenham múltiplas iterações dos mecanismos vitais: Quando um dado controlo, uma dada regulação do sistema vital falha, intervém outra forma de controlar, de regular este mesmo sistema. Isto passa-se ao nível dos organismos, da fisiologia dos seres vivos. Também ocorre nos ecossistemas, embora seja menos frequente o uso do termo de resiliência, nestes. Mais frequentemente, fala-se de adaptabilidade, de flexibilidade...
Ao nível das sociedades humanas, a resiliência pode ser observada, também. Embora, tal como para os ecossistemas, seja menos frequente a utilização do termo. Por exemplo, quando sociedades afetadas por guerras ou catástrofes naturais, «renascem das suas cinzas», com grande vigor, diz-se que são resilientes. Estas sociedades, embora estabeleçam laços amistosos e comerciais com várias potências, elas têm a sabedoria de não se deixar transformar em neocolónia de nenhuma delas.
Quanto à resiliência ao nível individual, o termo tem sido mais aplicado quando alguém é vítima dum grave trauma, de ordem física e/ou psíquica, que supera, vencendo assim circunstâncias que poderiam implicar a morte ou, pelo menos, uma vida muito diminuída. Exemplos: os atletas para-olímpicos; pessoas que sofreram maus tratos na infância e conseguem superar estes traumas; pessoas sobreviventes duma catástrofe, ou duma guerra e que conseguem superar os traumas. Mas, podemos alargar o conceito, não envolvendo necessariamente trauma físico ou psíquico. Ele pode ser de ordem económica ou social. Note-se, porém, que um forte ataque à capacidade de subsistência do indivíduo é, quase sempre acompanhado, por perturbações físicas e psíquicas, por vezes severas.

A crise que vivemos hoje é uma crise sistémica, portanto é tanto económica, como social ou moral. Todos os níveis operam e interagem uns sobre os outros. A gravidade deste momento não pode ser exagerada, ela tem sido devastadora para as sociedades, para as comunidades e para os indivíduos. Não é meu objetivo, neste escrito, detalhar como se chegou a este ponto. Eu, aliás, abordei esta questão em muitos outros escritos. Aqui, pretendo essencialmente chamar a atenção para as alternativas, de autonomia e resiliência, nos indivíduos e nos coletivos.
A nossa visão do sistema económico-político-social, não pode ser redutora, não pode simplesmente «ignorar» um fator, seja ele qual for. A ignorância pode falsear a nossa avaliação, no momento mais crítico.
Para concretizar o que quero dizer, imaginemos a analogia com a condução automóvel: O condutor de um automóvel, recebe a informação visual «pelo canto do olho», de que alguma coisa se está a mover. Ora, esta coisa pode ser algo inócuo, por exemplo, um pedaço de papel ou de plástico que se move pelo efeito do vento, mas pode ser algo muito perigoso também; imagine-se outro veículo, que se aproxima a grande velocidade. Porém, visualmente, no instante em que o condutor se apercebe desse objeto, representa algo muito minoritário, no campo de visão total. Mas, o cérebro do condutor tem de focalizar a atenção, durante um momento pelo menos, na imagem desse objeto em movimento. Só uns escassos milissegundos depois, o cérebro decide «vou fazer algo em relação a isto, ou não vou». O cérebro do condutor tem de decidir se esta visão periférica pode ser, ou não ser, um perigo. Há um mecanismo automático de análise do objeto e da própria situação, tudo a um nível subconsciente.
A resposta que adotamos, é resultante de várias componentes. Eu penso que podemos agrupar essas componentes em três níveis, sem simplificar excessivamente.
1) A nossa «visão», a discriminação do que compõe a cena, em si mesma (acuidade sensorial).
2) A nossa avaliação interior da mesma, em termos de sobrevivência, a perceção do perigo (instinto).
3) A resposta elaborada, fundamentada na experiência vivida prévia, baseada no conhecimento prático e teórico de situações análogas (raciocínio).
Note-se que, mesmo quando não respondemos a um dado estímulo, quando inibimos a resposta de forma semiconsciente ou consciente, estamos a decidir não responder. Isto é, portanto, algo diferente da ignorância real do acontecimento.
É possível treinarmos capacidades envolvidas nos três níveis acima citados:
A) Acuidade sensorial: por exemplo, a capacidade de discriminação auditiva aumenta com treino de audição de música clássica e sobretudo, com a prática de música, mesmo se apenas a um nível amador. Neste exemplo, não melhoramos fisicamente o nosso sentido da audição, melhoramos a nossa capacidade em discriminar mentalmente entre os sons, com maior subtileza do que na ausência de educação. Podemos aplicar o mesmo raciocínio aos restantes sentidos…
B) O instinto não é - por definição - algo que se possa adquirir/aprender. No entanto, é possível estarmos atentos aos sinais do corpo. Estes são de transmissão automática, em si mesmas. Frequentemente, desencadeiam respostas instintivas. Estas estão a querer comunicar-nos algo de vital. Devemos escutar os nossos instintos, o que não significa segui-los cegamente, como é óbvio. Ser-se «instintivo» não é sinónimo de rude ou primário; pelo contrário, pode ser uma característica de pessoas mais sensíveis aos outros, capazes de maior empatia.
C) O raciocínio é algo que não se desenvolve meramente na esfera da lógica, da matemática. No nosso intelecto jogam muitas outras forças, que nos levam a efetuar escolhas não totalmente racionais, mas que racionalizamos. A possibilidade de melhoramentos reside na compreensão destes mecanismos do intelecto. O «mago ilusionista» distrai-nos a atenção com algo, enquanto efetua a operação oculta, o «truque mágico». Uma parte de nós próprios é como esse «mago ilusionista», quando raciocinamos. Os nossos desejos, sobretudo os não conscientes, são determinantes nas nossas escolhas, mas não nos apercebemos. Sabermos isso, infelizmente não evitará que tal continue a acontecer. Mas, permite-nos evitar os escolhos da autoilusão. É importante estarmos conscientes para a tendência, muito comum, de acreditarmos ser verdade, aquilo que nós desejamos que seja.
Consoante a maneira como vemos o mundo, assim teremos maior ou menor poder de resposta aos desafios deste mundo. Esta resposta, será mais ou menos adequada, em termos de sobrevivência. Mas, para além do nosso desempenho como observadores e da compreensão global das situações, também é importante sabermos dar a resposta adequada. Podemos compreender teoricamente uma coisa e, no entanto, a resposta não se dar, ou dar-se de forma inapropriada, ou com atraso demasiado grande para ser eficaz.

Uma vez enunciadas estas considerações gerais e apriorísticas, quero agora me debruçar sobre as duas propriedades (resiliência a autonomia) no concreto.

Começando pela autonomia:
- Como é que uma pessoa, uma família, um grupo, uma comunidade… podem conservar e aumentar seu grau de autonomia?
Penso que deve existir uma vontade consciente para isso acontecer. Os indivíduos devem estar conscientes e predispostos ao fazer determinadas escolhas. Logicamente, se alguém escolhesse por eles, estaria a contradizer o próprio princípio de autonomia. Mas, num plano menos trivial, as questões da motivação, da livre determinação, da convicção profunda que não deriva do exterior, parecem-me fundamentais. Todas as questões enunciadas na frase anterior relevam da educação, no sentido lato. A educação não é doutrinação, não é o inculcar de valores exteriores. Portanto, a autonomia é sinónimo de exercício da liberdade consciente, pelas pessoas, as famílias, as comunidades e todos os grupos, grandes ou pequenos, de seres humanos.
Esta autonomia vai de par com o debater, em coletivo, as questões que se colocam ao grupo, num modo respeitoso dos outros. Também isso se aprende. Nem sempre se vê tal comportamento. Algumas pessoas não se coíbem de manipular as restantes. Querer manipular os outros de forma disfarçada, é querer tomar o controlo, ou seja, exercer um poder sobre os outros. Isto é totalmente diferente do grupo exercer coletivamente o poder. O grupo que dá a si próprio regras de funcionamento, objetivos, um rumo estratégico, é um coletivo que atingiu a maturidade, no que respeita à autonomia, enquanto grupo. Ele saberá preservar a autonomia individual, reconhecendo e respeitando os direitos e necessidades de cada membro.
No século XIX, em particular, existiram inúmeras experiências de construção de sociedades baseadas na igualdade, na solidariedade e no respeito do indivíduo. Tais tentativas não foram em vão, embora, hoje em dia, haja tendência em apoucar esta rica experiência humana. Nós estamos numa época de involução social e não de progresso, neste domínio. De facto, temos estado a referir como surgiram as primeiras formas de socialismo efetivo, sobre a maneira como se exerceu e exerce.
O movimento cooperativo, sejam cooperativas de produção, de distribuição, agrícolas ou de produção artística, todas elas brotaram de um solo fértil em ideias e desejo de igualdade, equidade, solidariedade verdadeira. Por isso mesmo, as tendências autoritárias, difamaram tais experiências cooperativistas. A tática foi a de chamar «utópico» a este socialismo que foi, desde o início, o mais prático, o mais concreto, e cujos pioneiros eram operários. Isto é propriamente perverso. Mas as pessoas com verdadeiro desejo de autonomia têm muita vantagem em conhecer o socialismo genuinamente operário, as formas que este assumiu desde os alvores no século XIX e  sua evolução. Uma história e abordagem que os autoritários de toda a espécie preferem que seus seguidores ignorem.
É preciso ter uma perspetiva histórica. Além da compreensão aprofundada, ela também serve para mostrar que a realidade atual não pode ser pior que a dos pioneiros do século XIX, que construíram as primeiras cooperativas, os primeiros a associarem-se em sindicatos.
Estou convencido de que não há necessidade de se ir procurar uma fórmula nova, inédita, para abordar a questão de como se deve gerir, de modo democrático e igualitário, um grupo, uma cooperativa, uma associação. Não acredito que as transformações tecnológicas tenham o condão de modificar a natureza humana na sua essência. Podem, quanto muito, induzir determinados comportamentos e dificultar outros. Mas, justamente, o essencial é a escolha consciente dos indivíduos e esta escolha pode e deve ser feita em qualquer época histórica. Ela tem a ver com valores, com ética, não é tributária deste ou daquele grau de desenvolvimento das condições materiais numa dada sociedade. Isto tem de passar pela educação da autonomia. As «escolas de autonomia», de hoje como de ontem, podem tomar uma estrutura formal de sindicatos, de cooperativas ou de outras associações. Na medida em que sejam compostas por indivíduos imbuídos de um espírito de autonomia, o seu funcionamento tenderá a ser o reflexo coletivo dessa mentalidade.
A família, neste contexto, é a «cooperativa natural», por excelência. A tarefa de demolição da família, levada a cabo pelo capitalismo, desde os seus primórdios, tem muito a ver com a necessidade dele desarticular essa forma natural de resistência à normalização, à subjugação do indivíduo. O capitalismo ambiciona ver o indivíduo «livre»... de laços familiares. Mas o termo livre, aqui, não é no sentido habitual do termo, mas no sentido de «livre para ser explorado», para ser usado e abusado pelos donos do capital. A família foi, durante milénios, a «unidade económica básica», a «escola elementar de vida», para além da relação biológica.
As pessoas que não se coadunam com a mentalidade dominante, têm frequentemente dificuldades, pois muitas não possuem qualquer experiência prévia, ou demasiado escassa, de trabalho em coletivos. Um problema complexo que tais coletivos enfrentam é de conseguir abertura, sem diluição das características próprias. A abertura necessária para se crescer numericamente, pode originar a entrada de indivíduos com boa vontade, mas cuja educação está ainda longe do ideal de autonomia. O querer crescer a todo o custo, pode ter um efeito dissolvente na qualidade das relações e na autenticidade dos processos internos de um grupo. Mas, o inverso, ou seja, um funcionamento fechado, pode desencadear o aparecimento de práticas sectárias, mesmo quando a maioria não perfilha tal modo de funcionamento.
A forma de organização em rede, associando entre si estruturas, como cooperativas e outras coletividades, pode ter a sua oportunidade histórica, agora. No momento em que se dá o desmoronar da «economia de casino» e em que as pessoas irão sofrer tremendas dificuldades.
Se, nestas circunstâncias, as pessoas não aprendem ou reavivam seus conceitos de entreajuda, de autonomia e cooperação, então o seu futuro será, provavelmente, de escravatura. Penso que muitas pessoas já perceberam isto. Quanto mais se aprofundar a crise do capitalismo, mais a necessidade de autonomia se vai tornar patente. Nestas circunstâncias, a organização de estruturas do tipo cooperativo, em interação e em rede com outras, semelhantes, vai desenvolver-se. Não consigo imaginar de que modo subsistam durante muito tempo, as presentes formas predadoras de exploração dos humanos e do ambiente. Estas formas, o neoliberalismo, a financeirização da economia, levaram ao caos e à destruição humana e ambiental. Só podem desejar a continuação disso, os psicopatas do poder económico ou político.

Em relação à resiliência, no sentido individual ou social, penso que o fundamental é procurar encontrar os meios pelos quais esta resiliência se exprime e se traduz em comportamento, no momento adequado. Vejamos como:
Quando se faz uma pesquisa na Internet, deparamo-nos com artigos e vídeos em quantidade abundante, procurando «ajudar-nos» a encontrar as saídas para as situações encontradas, sobretudo que envolvem aspetos da vida afetiva, mas também do foro profissional. Não digo que estejam todos a procurar atrair o cliente, para o convencer a frequentar um «curso», disto ou daquilo. Mas, geralmente, as suas propostas e soluções são parecidas, variando apenas os ingredientes, mantendo-se o essencial, que é «Sigam o que eu digo e serão felizes». Por mais que digam, não estão a proporcionar outra coisa, senão uma dependência, uma ilusão.
Mas, uma pessoa que esteja realmente desperta, consciente da necessidade de uma autonomia e resiliente, vai procurar outro tipo de ajuda. Vai tomar consciência de que suas dificuldades, ou problemas radicam num ataque geral contra o indivíduo, pelas forças trituradoras do capitalismo. A saída para a dificuldade ou problema passa, portanto, por se associar com pessoas confiáveis, que nutram os mesmos ou semelhantes sentimentos e pontos de vista, incluindo a recusa de utilizar meios violentos. Se as pessoas começarem a dar confiança umas às outras, e nenhuma às corporações e aos Estados, em breve serão construídas redes eficazes de solidariedade e entreajuda, não hipotecadas a interesses corporativos, nem às burocracias estatais.

Tentam impor-nos agora uma ditadura mundial, servindo-se de governos nacionais e de instâncias globalistas internacionais (OMS, ONU, FMI, OMC, etc.) Se o chamado «Great Reset» for bem sucedido, isso significa que a oligarquia mundial triunfou. Ela já detém, atualmente, a maioria dos bens financeiros e uma fatia substancial dos bens tangíveis – propriedade imobiliária, industrial, terras de cultivo, etc. Eles utilizam o pânico artificialmente criado pela média, em torno de uma infeção viral, bastante inócua em si mesma, mas transformada em "grande perigo do vírus mortífero". Isto permite que o grande capital, com toda a tranquilidade, se desfaça de ativos financeiros hipervalorizados que ainda detém e os transforme em ativos «sólidos» (não-financeiros). Entretanto, as pessoas que se deixaram iludir pela «bolha de tudo» e investiram em ações ou outros papéis (capital fictício) loucamente inflacionados, ficarão sem nada. Os multimilionários já estão agora múltiplas vezes mais ricos, beneficiários da crise artificial do COVID e vão ficar ainda mais.

A melhor resposta às ofensivas do grande capital, aliado com os Estados, parece-me ser dupla:
1ª O desmascaramento das suas manobras, de um modo claro, não demagógico, de forma a convencer o maior número possível sobre a sua realidade. Podemos chamar a isto «Operação O Rei Vai Nu». Quanto mais pessoas perceberem, mais estarão do nosso lado, mais se recusarão a fazer «o frete» ao grande capital, mais espalharão o saber sobre a conjura REAL, desmascarando os que querem calar toda e qualquer resistência, com a etiqueta de «teoria da conspiração». Com efeito, para uma trapaça resultar, o trapaceiro tem de convencer suas vítimas de que está tudo bem, de que seguindo este caminho estarão em segurança, etc. Desmascarar os trapaceiros é desarmá-los, é impedi-los de continuarem o seu jogo.
2º Construirmos a nossa vida, sem recorrer a essas grandes corporações.
Por exemplo, a criação de bancos cooperativos. Eles existem em vários países. Na Alemanha, por exemplo, captam uma fração significativa das poupanças (1).
Outra vertente, é a existência de unidades, familiares ou de maior dimensão, de agricultura biológica. Desenvolveu-se um mercado que, não apenas fornece produtos de qualidade certificada aos consumidores, mas também que está fora da agroindústria. Esta, continua a utilizar produtos fitossanitários cancerígenos, adubos que desequilibram os solos e os tornam cada vez menos aptos à agricultura e recorrem às sementes de plantas geneticamente modificadas, sujeitas a patente, redutoras da biodiversidade e escravizadoras dos agricultores (2).
As alternativas não são do agrado dos gigantescos poderes tecnológicos e financeiros, mas são perfeitamente viáveis e desejáveis. São de aqui e de agora; não são utopias. Talvez, isso seja um dos fatores mais decisivos, embora subestimado por alguns.
Curiosamente, o poder oligárquico toma isso muito a sério, porque sabe o potencial perigo que representa o que seja descentralizado e não submetido aos seus monopólios. Com efeito, quando se pensa bem nisso, na agressividade das ofensivas deles, em todos os domínios, parece mais uma desesperada «fuga para a frente». Eles sabem bem que não têm nada a oferecer de positivo às pessoas. Mas, precisam dar uma ilusão de serem «ecológicos», inovadores, apoiantes de soluções «verdes», e também indispensáveis filantropos, apostados em combater epidemias e erradicar a fome…

Como construir uma estratégia coletiva resiliente?
Nas segunda metade do século XVI, um filósofo, Étienne de la Boétie, escalpelizou a relação dos súbditos com os poderosos, de modo tão rigoroso que seu folheto «De La Servitude Volontaire» continua sendo uma referência essencial em filosofia política. Ele apresenta o argumento de que a servidão dos súbditos é voluntária, no sentido em que estes não são realmente obrigados a fazer a maior parte do que fazem, a sujeitarem-se abjetamente ao poder. Mas, com isso, estão a reforçar grandemente o poder que os oprime, os esmaga e lhes extrai o rendimento do seu trabalho.
As coisas não mudaram, na essência. Nós esquecemo-nos - em inúmeras ocasiões - que, ao escolher um determinado produto e não outro, estamos a dar força a entidades que detestamos, enquanto ao não consumirmos determinado bem ou serviço, que no entanto, é feito pelos nossos aliados naturais, estamos a negar-lhes apoio (3).
Multiplicando aqueles pequenos gestos, a população dos consumidores dispõe de um poder que, muitas vezes, ignora. Acaso as grandes empresas gastariam quotidianamente milhões com a publicidade, se não fosse essencial persuadirem os consumidores?
Somos coniventes, até mesmo quando nos deixamos iludir. Tome-se como exemplo as campanhas ditas de solidariedade social, organizadas por certas ONGs, com a conivência dos Estados: As percentagens das doações para ajudar populações pobres, ou pessoas sofrendo de doença incurável, ou para apoio à alfabetização de crianças, etc., e que vão efetivamente parar às pessoas em causa, são - muitas vezes - ridículas (da ordem duns 10 ou 20 %, apenas) enquanto o restante fica para aquelas ONGs, com muita capacidade mediática, que fazem sua publicidade de forma a desencadear compaixão nas pessoas comuns.
A redução da democracia ao voto, é um dos truques mais óbvios de todos os poderes estatistas. Mas nós sabemos que «votar» não é sinónimo de «participar», por mais que eles nos queiram convencer disso. Os poderes que nos governam querem que «nos mobilizemos para votar». Votemos, pois, de todas as maneiras:
- Votemos com a carteira, comprando o máximo de coisas e serviços exteriores aos grandes circuitos, aos grandes poluidores, aos exploradores do trabalho das crianças e dos baixos salários no Terceiro Mundo.
- Votemos com os pés, desertando os grandes espaços dos hipermercados e centros comerciais, preferindo o comércio de proximidade.
- Desertemos espetáculos alienantes e uniformizadores; votemos, fazendo desporto, jogging, camping, etc., e sem usar acessórios poluentes, não-biodegradáveis, o que não diminui em nada – pelo contrário – a qualidade do exercício físico e do contacto com a natureza…
- Votemos com os neurónios, desligando-nos da TV, das redes sociais e dos jogos vídeo: Todos eles servem para nos «agarrar», como uma droga (sim, de facto, têm um efeito aditivo…).
- Votemos de corpo presente, afirmando a nossa vontade, nas ruas e nas praças, onde as pessoas se manifestam e reúnem por objetivos confluentes.
- Votemos com a nossa participação ativa em associações: de vizinhança, ambientais, políticas, ou outras, dentro das quais estejamos dispostos a colaborar.
- Sejamos resilientes, sejamos ativos/ativas, esta é a mensagem, em resumo. Quanto a votar em tal ou tal partido, em tal ou tal candidato, podes fazê-lo se achares útil, mas que isso não seja alibi para não fazeres mais nada.

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(1) Desempenham também um importante papel, mobilizando capital para investimento, em pequenas e médias empresas, normalmente na região onde estão implantados.

(2) Portugal, com solos muito menos contaminados que os dos países do centro e norte da Europa está em boa posição para desenvolver projetos rentáveis de agricultura biológica. Uma boa oportunidade para exportação de produtos de elevada qualidade.

(3) Pequenos comerciantes e consumidores têm interesses convergentes. Uma educação para o consumo responsável, não deve ser apenas virada para critérios ecológicos, mas também para contrariar práticas monopolistas na distribuição.



 

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