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segunda-feira, 18 de setembro de 2023

BARBARA STIEGLER: o neoliberalismo está na origem da deriva autoritária


Barbara STIEGLER est professeur de philosophie politique à l’université Bordeaux Montaigne. Elle est notamment l’auteur de « Il faut s’adapter. Sur un nouvel impératif politique » (Folio, 2023) et de « Démocratie ! Manifeste » (Le Bord de l'eau, 2023). Spécialiste du rapport entre la politique et la biologie, Barbara Stiegler s'est intéressée aux origines du néolibéralisme, portées notamment par une injonction à l'adaptation, issue du lexique biologique de l'évolution. Dans cet entretien par Olivier Berruyer pour Élucid, elle revient sur ce qui caractérise notre régime politique, et en tire les conséquences pour la « démocratie » : dans un monde néolibéral, le pouvoir (la souveraineté) ne peut pas appartenir au peuple. En ce sens, l'ère d'Emmanuel Macron se présente comme une forme archétypale de ce régime à bout de souffle et fortement contesté. (*)

(*) Tradução por Manuel Banet:

 Barbara STIEGLER é professora de filosofia política na Universidade de Bordéus-Montaigne. Ela é autora, nomeadamente, de «É preciso adaptar-se. Sobre um novo imperativo político» (Folio, 2023) e de «Democracia ! Manifesto » (Le Bord de l'eau, 2023). Especialista da relação entre a política e a biologia, Barbara Stiegler interessou-se pelas origens do neoliberalismo, propulsionadas nomeadamente por uma exigência de adaptação, saída do léxico biológico da evolução. Nesta entrevista com Olivier Berruyer para Élucid, ele regressa ao que caracteriza o regime político francês e extrai as consequências para a «democracia»: num mundo neoliberal, o poder (a soberania) não pertence ao povo. Neste sentido, a era de Emmanuel Macron surge como forma arquetípica do regime, sem fôlego e fortemente contestado.

sábado, 2 de setembro de 2023

TRÊS MOMENTOS HISTÓRICOS DO «NEOLIBERALISMO»

 É preciso, de uma vez por todas, desmascarar o «neoliberalismo», como teoria económica e sobretudo, como teoria política dos Estados. 

I) A existência de uma corrente forte designada como neoliberalismo, pode atribuir-se - na origem - à «Escola de Chicago» e economistas do chamado «reaganismo», nos anos 1980. 

Mas, ainda antes disso, os «meninos de Chicago» (Chicago boys) estiveram associados à subversão do regime socialista de Allende, no Chile em 1973, com a contestação orquestrada na sombra pela CIA, conduzindo ao golpe sangrento e fascista de Pinochet, em 11 de Setembro de 73. Foi a partir desse 11 de Setembro, que os arautos do neoliberalismo tiveram oportunidade de aplicar as suas teses de privatização radical das grandes empresas estatais, de privatização da segurança social e saúde (entregando-a às empresas seguradoras), com um pano de fundo de ditadura violenta. No Chile de Pinochet havia quotidianamente «desaparecidos», a tortura e os assassinatos pela polícia política e polícia militar eram comuns, apesar da censura férrea a toda a informação impedir que se soubesse a maior parte do que se passava. Grande parte da população, em especial a mais pobre, ficou na miséria. A «lei» do livre mercado, significou que as condições de exploração se tornaram muito  semelhantes às do século XIX. O lucro das grandes corporações subiu, graças à exploração sem vergonha das pessoas e dos recursos naturais (como o cobre,  outros minérios, pescas, agricultura...). Há pessoas suficientemente estúpidas para dizerem que «as reformas» orientadas pela escola de Chicago, no Chile de Pinochet, foram um sucesso. Claro que esta narrativa é uma afronta às dezenas de milhares de mortos e às centenas de milhares de presos políticos. Este regime de terror, sob a proteção dos EUA, durou bem mais que um decénio e a transição para a democracia foi muito condicionada pelos próprios termos que Pinochet e seus acólitos impuseram.

II) Um outro dos «triunfos» do neoliberalismo foi o desmantelamento do chamado «Estado Social» ou «Welfare State». Não houve viragem política verdadeira dos eleitores, mas antes corrupção de governos social-democratas e socialistas, em toda a Europa. As hostes neoliberais penetraram profundamente o «socialismo reformista» e a IIª Internacional. Esta influência, teleguiada pelo Estado profundo dos EUA e os interesses corporativos que ele serve, permitiu que se tornasse «doutrina» a ideia segundo a qual o sector público é mal gerido e sujeito a clientelismos partidários, enquanto o setor privado (ou privatizado) tem a «propriedade mágica de rentabilizar as empresas, é muito mais eficiente, tem uma gestão rigorosa, o capital não tolera que os recursos sejam desbaratados » etc. 

Como sabemos, a canalização de ajudas e de benesses que acompanharam a entrega de setores rentáveis à «iniciativa privada», enquanto se deixavam em mãos estatais os setores não rentáveis, torna esta narrativa «num conto de fadas», ou numa ladainha que não prova nada, mas que esconde uma coisa importante: A intensificação da exploração dos trabalhadores, pela via direta nas empresas privatizadas e indireta, pois são-lhe retirados muitos direitos sociais legitimamente adquiridos.

III) Finalmente, o chamado neoliberalismo é a expressão na teoria económica, política e geoestratégia do imperialismo americano. Isso implicou a cedência total dos referidos social-democratas e socialistas europeus e, num âmbito global, do chamado «Ocidente». Os governos da UE, muitos destes considerados de centro-esquerda, têm mostrado a sua subordinação total à política belicista dos EUA, em especial no que toca à guerra levada a cabo pelos EUA em solo europeu via OTAN, e usando o Estado falido e fascistoide da Ucrânia como  ariete. Esta, insere-se na guerra sem tréguas contra a Rússia: Os neocons, que dominam a política externa e «de defesa» dos EUA desde há mais de 2 décadas, querem ver a Rússia destruída, reduzida a uma série de «bantustões», incapazes de fazer frente aos EUA. O público dos países da UE é inundado de propaganda de guerra, que distorce completamente a realidade e impede que ele se coloque como protagonista. O seu interesse natural seria de  tomar um claro partido contra a guerra, mas ele tem-se deixado manipular. 

A guerra anunciada contra a China, a pretexto de um território que é reconhecido por todos formalmente como pertencente à China, é ilustrativa da agressividade imperialista, dos que se designam de «neoliberais». Taiwan está internacionalmente reconhecida sob soberania chinesa. A constante provocação contra a China pode despoletar a IIIª Guerra Mundial, ou o alargamento da Guerra Mundial já existente. Os «neoliberais» imperialistas estão a fazer correr o risco de generalização e escalada de conflito entre potências nucleares. 

Concluindo: O «neoliberalismo» não tem nada de novo, nem tem nada de liberal no sentido da corrente nascida no século XVIII

Os verdadeiros liberais do passado, não apenas propunham a liberdade do comércio, como eram defensores da liberdade política, dum governo representativo, com câmaras eleitas, representantes dos cidadãos e dos seus interesses, defensores de constituições promovendo a liberdade de opinião e de organização da oposição.

Os que usam abusivamente a etiqueta «liberal», os neoliberais, apenas querem que o capital e seus detentores reinem sem entraves, que os poderosos esmaguem os fracos... Nem sequer resta no pensamento deles a «liberdade de comércio», constantemente espezinhada pelas sanções unilaterais contra as nações que não se dobram ao seu diktat. 

Na verdade, os neoliberais são defensores duma liberdade sem limites, para exploração dos trabalhadores, dos fracos e dos povos do Terceiro Mundo, às mãos das grandes corporações. Usam o termo «liberalismo» para melhor enganarem as pessoas.  


quinta-feira, 13 de julho de 2023

MIKE WHITNEY, NUM ARTIGO MEMORÁVEL, COMPARA AS ECONOMIAS DOS EUA E DA CHINA

Na minha opinião, embora M. Whitney apresente como imagens que «dizem tudo», uma comparação entre dois mapas de caminhos de ferro de alta velocidade na China em 2008 e em 2023, este outro diagrama (abaixo) que ele inclui no artigo, da responsabilidade do FMI, ainda é mais impressionante. Será mesmo a prova da tese que Mike Whitney defende ao longo do artigo... 




 https://www.unz.com/mwhitney/the-one-chart-that-explains-everything-2/ 


Deste excelente artigo, depreende-se que:
- A China vai tornar-se a maior economia (capitalista) no século XXI.

quarta-feira, 12 de julho de 2023

A DEGENERAÇÃO DOS VALORES LIBERAIS

 A subversão do status quo é feita do interior dos think tanks e das corporações, que governam o mundo capitalista ocidental. Este fenómeno faz curto-circuito a todos os valores, às construções teóricas e às crenças ou ideologias, que as pessoas das gerações mais antigas transportavam. 

                                 Imagem: George Washington na travessia do rio Delaware

Esta subversão não é uma evolução decorrente das transformações inevitáveis das sociedades humanas, sejam elas bruscas (golpes, revoluções) ou suaves (mudanças de maiorias eleitorais, etc.).  Trata-se antes duma engenharia social, fabricada para substituir o «consenso» social-democrático, o qual serviu como forma da aplacar os ventos de revolta, sobretudo na  segunda metade do século XX, com uma aspiração confusa mas inegável para o socialismo por parte das classes que não beneficiam da sociedade capitalista, mas também da juventude universitária, oriunda de meios não proletários na sua maioria, que  se opunha aos princípios da sociedade «burguesa», ao  regime capitalista e às guerras imperialistas e neocoloniais. Mas substituir esse «consenso social-democrata» por quê? 

Penso que os ideólogos e psicólogos ao serviço das corporações (alguns ocupando lugares em instituições académicas) conhecem profundamente a matéria-prima. Eles têm como função moldá-la (influenciar). Seu conhecimento profundo, em vez de ser posto ao serviço da libertação dos humanos em relação às cadeias físicas e psicológicas que os amarram, tem sido usado perversamente para conduzir as pessoas para onde eles (manipuladores) querem. Esta mão-de-obra especializada e geralmente bem paga, está no centro do complexo  que inclui as indústrias do entretenimento, da informação «de massas» e das universidades (hoje, centros de fabricação de conformismo).

É sabido que o mundo capitalista sofreu uma grande mutação na sequência do fim da «Guerra Fria nº1», os anos do globalismo «feliz», ou triunfante. Os anos 90 do século passado e a primeira década do século XXI, foram  ocasião de intensificação do capital financeiro, em detrimento dos Estados e do capitalismo industrial. Este último, foi subordinado ao capitalismo financeiro e, além disso, as infraestruturas (fábricas) foram desmontadas dos países capitalistas do centro, para serem implantadas nos países mais pobres da periferia da Ásia, América Latina e África. Este salto permitiu que as taxas de rendimento do capital fossem maximizadas, mas à custa da destruição do tecido industrial nos países tradicionais do capitalismo e da precarização e pauperização das classes trabalhadoras respetivas. Estas classes trabalhadoras tinham sido mantidas num estado de relativa satisfação, durante as chamadas «trinta gloriosas» - ou seja - nos trinta anos que sucederam ao fim da IIª Guerra Mundial. Neste período histórico, a progressão da URSS e dos países socialistas, incluindo países considerados do IIIº Mundo, como a Jugoslávia, Cuba e China Popular, exerceram uma grande atração nas classes laboriosas do mundo capitalista, que a propaganda anticomunista não conseguiu  neutralizar. Pelo contrário, quanto mais difamassem o «socialismo real», mais ele ganhava prestígio junto de muitos, incluindo a jovem geração, nascida no pós- IIª Guerra Mundial. Esta, habituou-se a ter como dado adquirido, o usufruto de condições de relativo bem-estar, decorrentes da elevada rentabilidade do capitalismo e da sua compreensão de que era do seu interesse dar condições de vida decentes à classe trabalhadora e, sobretudo, aos seus filhos. Chegou-se ao ponto que as pessoas tomavam como adquirido, que a geração dos filhos iria ter um bem-estar superior à dos pais; que iriam ter acesso ao ensino universitário, coisa quase exclusiva dos filhos da média e alta burguesia, apenas há uma geração atrás.  O sonho de evolução gradual para o socialismo, sem revolução, com progressiva igualização das classes sociais, revelou-se como uma utopia, quando a classe empresarial decidiu contra-atacar através da ideologia «neoliberal». Para derrotar a ideologia social-democrata e os respetivos partidos de governo na Europa Ocidental, fizeram uma campanha bem planificada de desconstrução das instituições que funcionavam razoavelmente nestes países capitalistas, mas que seguiam uma lógica de servir o público e não de criar lucro. Houve instituições parcial ou totalmente privatizadas (infraestruturas: eletricidade, água, estradas, serviços de saúde);  outras, postas em concorrência com instituições privadas (ex.: escolas públicas descapitalizadas, em concorrência com escolas privadas, recebendo subsídios do Estado); outras ainda foram extintas, ou tornadas residuais (ex.: programas de construção e gestão de habitação social).  

Nas esquerdas, não houve clarividência e sentido estratégico. Cedo se deu o retraimento da esquerda «clássica» (associada a lutas nas empresas, através de um sindicalismo classista); contestada por uma esquerda dita «festiva», dita também de «causas», como as lutas LGBT, o feminismo, alheado das suas raízes operárias históricas, a ecologia política (que não se pode confundir com Ecologia enquanto domínio científico) e outras «causas fraturantes».  De facto, foram fraturantes, mas no sentido de porem setores contra setores, dentro da mesma classe, e assim tornarem impossível ou inócua qualquer tentativa de levar a cabo um combate integrado contra a exploração capitalista. Não só os trabalhadores não compreenderam logo, na sua grande maioria, como estavam a ser manipulados, também as direções dos partidos e dos sindicatos operários, só tomaram consciência demasiado tarde. Tragicamente, durante decénios, para satisfazer uns e outros, em resultado de uma política cem por cento virada para conquistar votos e lugares nos parlamentos, essas direções foram incapazes de qualquer contra-ataque credível. 

Recentemente, os grupos marginalizados, como as segunda e terceira geração de emigrantes em França e noutros países europeus principalmente, protagonizaram revoltas, em geral na sequência de um assassinato, por um polícia, de um deles. 

Estes emigrantes - vindos de África principalmente - foram mantidos em ghettos, sujeitos a maior exploração e a trabalhos considerados «inferiores» e mal pagos, perante a classe trabalhadora dos países recetores, largamente indiferente, quando não hostil à sua vinda e estadia, de supostamente «invasores», não percebendo que estes emigrantes eram importados para  fazer pressão sobre a classe trabalhadora nacional. O resultado foi o crescimento avassalador de partidos de extrema-direita, que capitalizaram o descontentamento das classes cujo modo de vida estava a ser negativamente impactado pela emigração. Este estado de coisas foi mantido e diretamente encorajado pelos partidos de centro-direita e centro-esquerda, como representantes do grande capital, pois  eles assim tinham a classe operária desunida, ao contrário do que aconteceu em Maio-Junho de 68, em que a palavra de ordem era de solidariedade total com os emigrantes e participação destes, «ombro-a-ombro» com o operariado francês, nas greves.

A retórica do liberalismo mantém-se, fica bem nos discursos, mas o espírito é exatamente o mesmo que o dos «negreiros», os que - em vários países «brancos» - organizavam a escravatura e comércio dos escravos africanos, até bem dentro da segunda metade do século XIX. 

A mentalidade imperialista nunca foi tão virulenta como agora, pois a deseducação das camadas populares fez com que caíssem na propaganda estatal, nos vários países da OTAN. A «liberdade de imprensa» de agora, é a censura generalizada em redes sociais e sites da Internet. Esta censura parece-se mais com a da inquisição, contra os recalcitrantes e os livre pensadores e com a censura de Estado, nos séculos XIX e XX, contra correntes realmente revolucionárias.

Podia dizer-se que «a ditadura do capital não precisa de realizar a defesa genuína de qualquer liberdade, exceto da liberdade de comércio». Porém, mesmo esta, é logo renegada, abandonada, pelo uso e abuso das sanções (totalmente ilegais) que pretendem vergar regimes que não se submetem aos imperialistas, sanções cruéis porque resultam exclusivamente em sofrimento do povo. 

O que resta de liberalismo na Europa ou América do Norte, nos países que se auto classificam como «democracias»? Quase nada, ou mesmo nada. 

Note-se que os dirigentes desses regimes ditos democráticos, não têm feito senão imitar «ditaduras do proletariado», sob pretexto de segurança, de combater o terrorismo, de combater «as forças do mal». A vigilância generalizada existe em grande escala em Londres, por exemplo, onde é impossível atravessar o centro, sem se ser filmado uma centena de vezes, por câmaras de vigilância discretamente distribuídas por todo o espaço público. Mas, isso é verdade também em múltiplos outros domínios. Edward Snowden e outros, revelaram como a NSA (uma agência dos EUA) intercepta sistematicamente todas as comunicações da Internet e de telefonia móbil, para as armazenar e as selecionar quando conveniente, através de pesquisa por algoritmos, até chegar aos olhos de agentes. Isto não é exclusivo dos EUA; eles têm uma rede de espionagem dos cidadãos do mundo inteiro, onde participam Grã-Bretanha, Austrália, Canadá, Nova-Zelândia, além dos EUA.

Claro que muitas pessoas se deixam enredar pela propaganda, pelo medo, pela angústia de ser designado «inimigo», etc. Hoje em dia, tanto dentro dos EUA como fora,  em muitos países vassalos, as pessoas são perseguidas por suas opiniões, sejam elas «conservadoras» ou «revolucionárias».  A ilusão de liberdade é resultante da técnica seletiva usada para suprimir toda a dissidência. Não são já precisos «gulag» ou campos de concentração; não são precisas prisões políticas e câmaras de tortura. O Estado consegue controlar as massas através do medo e da ignorância

Os poucos que denunciam este novo totalitarismo, ou são calados pelas pressões económicas, como a exclusão do emprego, ou por difamações a cargo de uma autêntica classe inquisitorial (fact-checkers). Estes fazem-se passar por «jornalistas», mas apenas são mercenários. 

 Embora a hora seja sombria, o facto de se desenvolver um aparato tão complexo, poderoso e caro, para ocultar a verdade aos cidadãos, mostra que estes ainda detêm considerável poder, embora potencialmente apenas. Se eles começarem a usá-lo sistematicamente, auto-organizando-se fora dos padrões instituídos, o derrube das ditaduras com máscara de democracia não andará longe. 

segunda-feira, 19 de junho de 2023

AGORA É A NOSSA VEZ!


 A resposta à opressão do neoliberalismo poderá vir (em parte) deste grupo, que se reuniu neste fim-de-semana passado, em Stroud, Gloucestershire (Inglaterra). A formação de grupos de ligação, juntando as diversas competências de pessoas, ativistas de base. Há uma longa lista de planos da «elite» globalista que têm de ser combatidos. 


domingo, 5 de março de 2023

A SITUAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

Serão precisos muitos mortos e feridos numa guerra, para a cidadania europeia acordar e exigir Paz aos seus dirigentes? Creio que sim, creio que - infelizmente - as pessoas ficaram dessensibilizadas da guerra por múltiplas técnicas de supressão dos sentimentos (pelo medo e pelo horror), suprimiram a solidariedade humana, que uma guerra deveria suscitar.




Da parte dos poderes, da OTAN e dos seus chefes, dos parlamentares, dos primeiros ministros europeus, dos seus governos, em relação à Ucrânia, assistimos a mais de oito anos de manipulação dos sentimentos, de mentira institucionalizada e o militarismo descarado, que vai até à recusa de negociar. Assistimos a tudo isso - nós - da cidadania europeia. Mas, a cidadania manteve-se numa letargia inquietante da qual está, apenas agora, a despertar.
Não sei sobre o assunto, senão consultando fontes diversas, não apenas da media «mainstream», como também opiniões críticas, de pessoas que têm um conhecimento aprofundado e - nalguns casos - direto do que se está a passar nesta guerra do «Ocidente» contra a Rússia, em solo ucraniano e usando o povo ucraniano como «carne para canhão».
A eficácia da neutralização dos sentimentos pelo aparelho ideológico - da media e governos fusionados- experimentou-se durante a crise do SARS-Cov-2. Esta pseudo- pandemia continua a fazer vítimas. As das injeções de «vacina», que apenas serviram para aumentar os lucros da Pfizer e doutros gigantes da indústria farmacêutica. Mas, também são vítimas, as corajosas pessoas que se ergueram contra a monstruosidade e perderam o emprego, não receberam indemnização nenhuma, nem será feita justiça, pelo andar das coisas.
Juntaram as duas coisas: A psicose coletiva do COVID e a crença na propaganda de guerra do Ocidente sobre as sua própria população. Estes mecanismos implicaram a supressão ou inversão dos sentimentos das pessoas «normais» que receberam constantes mensagens de propaganda, como avisos assustadores, falsas informações, descrevendo o inimigo como inumano, tranquilizando a má consciência que grande parte poderia ter, através de respostas ilusórias, tais como:
«O vírus é muito mau e muito mortífero, mas nós sabemos resolver o assunto, que se resume a que te submetas e te vacines, não prestando atenção a avisos vindos de pessoas maldosas, pois a única cura é uma vacinação maciça de todos, incluindo idosos, grávidas e crianças...»
ou
«O Putin é o novo Hitler, a Rússia é o reino do Mal, mas nós vamos apoiar sem desfalecer, de todos os modos, a valente e democrática Ucrânia. Não há dúvida que os maus dos russos vão sofrer uma derrota, face às sanções impostas pelo Ocidente e ao seu apoio em armamento, peritos, mercenários, biliões e mais biliões de dólares».
Note-se que, até pouco tempo antes da invasão russa, o perigo de milícias ucranianas de extrema-direita, integradas nas forças armadas desse país, foi assinalado pela própria media mainstream. Depois, esses elementos de extrema direita desapareceram do «écran mediático» e passaram a ser «heróis». Estas mentiras cosidas com um fio bem visível não apoquentam as pessoas, mesmo depois delas perceberem que, afinal, foram enganadas. Isto só é possível com a ilusão continuada de que as «democracias» ocidentais têm eleições ditas «livres».
Os partidos autorizados pertencem ao espectro de «admissibilidade» dos donos do sistema. De qualquer maneira, só têm hipótese de vencer, quando forem partidos bem financiados, o que implica grandes donativos de grandes multimilionários e das suas empresas. Na comunicação social, a janela de Overton ainda é mais estreita, com seus «fazedores de opinião» nos diversos canais televisivos. Partidos ou candidatos que saem fora do «script» de antemão decidido, são logo calados ou difamados. Ficarão com sua imagem associada àquilo que o eleitor típico mais detesta. Os partidos ou candidatos atacados não têm meios para desfazer as calúnias e repor a verdade. E as coisas estão feitas exatamente para funcionar deste modo.
Qualquer pessoa que use o seu cérebro, que não vá atrás de qualquer propaganda e que conheça algo da história do século vinte, não através das «histórias míticas» mas através de bons autores, que analisam em profundidade os regimes totalitários do passado, irá reconhecer que ou estamos já num totalitarismo, ou para lá caminhamos.
Os que apontam o dedo a regimes «comunistas», dizendo que esses é que são os «verdadeiros» totalitários, são pessoas imbuídas da ideologia neoliberal, ou seus propagadores. Com efeito, é um facto que vários regimes, ditos «comunistas», são capitalismos de Estado com pouca preocupação pela liberdade dos cidadãos.
Mas no «Ocidente» estamos em capitalismo de grandes monopólios (multinacionais), que capturaram o Estado; são outra modalidade de capitalismo de Estado. Os cidadãos não são ouvidos ou respeitados: São antes enganados, manipulados, nutridos de falsidades, de propaganda, como «manada de gado» para fazer exatamente o que a oligarquia quer. Não há qualquer respeito pelos indivíduos, pelos seus direitos cívicos e humanos.
Em que é que uns e outros diferem? No modo como agem e se posicionam, mas ambos os sistemas estão basicamente a fazer a mesma coisa, ou seja,  manterem-se no poder, alargando o controlo a todas as esferas; suprimindo a verdadeira concorrência, tanto no plano económico (com as "rendas de monopólio", presentes em ambos os sistemas), como no plano político, anulando os direitos individuais, coletivos e sociais (suprimem-nos na prática, embora os mantenham nas suas constituições).
Só com imenso trabalho de educação (auto- educação) e de abertura crítica, podemos sair da redoma mental (a Matrix verdadeira) que nos encerra a todos, com o resultado de ficarmos impotentes: Não sabendo «ler» a realidade, não são somente os bons sentimentos que nos permitem combater esta situação. É também necessária uma inteligência de como funcionam os sistemas, para se conseguir mudar algo.
Isso não é dado pela educação formal. Nem vale a pena explicar porquê: Se houvesse uma aprendizagem de pensamento crítico, a cidadania despertaria e nunca permitiria que a acorrentassem, como o têm feito as «elites» políticas e económicas deste mundo.


sábado, 18 de fevereiro de 2023

O MITO DA GLOBALIZAÇÃO, HEGEMONIA U.S. E CRISE DO CAPITALISMO

https://www.youtube.com/watch?v=GRKHCwVzvTs&feature=youtu.be

 NOVO LIVRO DE Radhika Desai «Capitalism, Coronavirus and War» está disponível para ser baixado grátis no endereço seguinte:

https://www.taylorfrancis.com/books/oa-mono/10.4324/9781003200000/capitalism-coronavirus-war-radhika-desai

Ben Norton (Geopolitical Economy Report) entrevista a autora, profª universitária e muito interessante.

A partir da posição assumida de marxista, não deixa de verberar os «marxismos» que tomam a globalização capitalista por aquilo que ela não é. Muito interessante sobretudo de centrar as questões na crise geral do capitalismo e fazer a crítica de uma visão da «globalização» como se fosse uma coisa autoevidente, quando na realidade, é apenas uma construção do neoliberalismo. Mas não acreditem em mim: Explorem esta rica entrevista que tem imenso conteúdo, demasiado para eu o sumarizar de forma satisfatória.  

 


sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

A «RELIGIÃO» DO NOSSO TEMPO

Conto sobre um culto nada cristão, nesta quadra natalícia 

Era uma vez... Um mundo que estava organizado de acordo com uma religião muito em voga nos círculos de economistas «mainstream». 

Nesta fé, o dinheiro era o suporte mágico para fazer funcionar a economia. Mágico, porque podia fabricar-se tanto quanto se quisesse, sem que houvesse consequências de maior. 

Apenas umas oscilações cíclicas, que davam oportunidade aos mais lestos traders, de ficarem  ricos (e  de muitos outros se arruinarem!). 

Houve um aumento muito moderado de preços, durante mais de uma década. Também, havia sempre superavit de bens de consumo, importados em larga proporção da China e de países do Terceiro Mundo.

A quantidade de trabalhadores nos países do Terceiro Mundo, era praticamente inesgotável. Havia que dar trabalho a toda essa gente (paga a um dólar por dia) e pôr no desemprego (pago pela segurança social) os operários do mundo rico, sempre a reivindicar mais, ameaçando com greves e aumentando os custos de produção. 

Penso que já todos ouviram falar desta fé, chamada neoliberalismo. O seu culto é hegemónico nos círculos de poder. 

O seu «credo», no que toca à política monetária, é designado por «MMT» (Modern Monetary Theory). Esta teoria postula que não importa a quantidade de dinheiro que é imprimida pelos bancos centrais e que o aumento do dinheiro em circulação estimula a economia.

Ora, para grande espanto dos «sábios» economistas neoliberais, o sistema todo está a desmoronar-se (*) diante dos nossos olhos. Uma enorme recessão está a abater-se, uma inflação fora do controlo dos bancos centrais e o pior ainda não se fez sentir. Isto ocorre, apesar do mundo ter sido sujeito à ortodoxia mais pura da religião neoliberal, durante décadas.

Mas, se queres saber realmente como se chegou a este ponto, graças à tal religião neoliberal e da MMT, consulta autores com espírito  crítico, que não sejam duma das numerosas seitas que professam o neoliberalismo. 

Alguns autores, têm escritos esclarecedores (não demagógicos) sobre o keysenianismo, a MMT e o neoliberalismo: Alasdair Mcleod    Charles-Hugh Smith     Egon Von Greyerz

Todos eles têm sido citados por mim neste blog, assim como outros. Não tenho nenhuma filiação em qualquer escola teórica de economia. Embora saiba que muitas pessoas olham primeiro o perfil político-ideológico duma pessoa, antes de ouvirem ou lerem suas palavras, eu não faço isso. Eu tenho aproveitado elementos de informação destes e de muitos outros autores, marxistas, keynesianos, escola austríaca, escola de Chicago, etc., sem ter a pretensão de saber mais do que eles. Porém, sem deixar de notar as suas fraquezas. 

Cada um deveria procurar ler, não apenas os autores correntes na sua «igreja», mas também outros, em especial, aqueles com os quais não esteja de acordo. Só assim, poderá desenvolver o espírito crítico e lucidez necessárias para construir uma visão própria.

                              Edifício da Bolsa de Nova Iorque



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(*) Teremos de sofrer ou 1) uma implosão global dos ativos financeiros e das economias; ou 2) uma capitulação perante a inflação através de mais uma dose de «QE» destruidora do valor das moedas-papel. Venha o diabo e escolha!

sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

[BYUNG CHUL-HAN] A REVOLUÇÃO IMPOSSÍVEL?


 A exposição animada resumindo o livro, feita por Claudio Alvarez Teran, talvez deixe de fora aspetos essenciais ou dê um enfoque demasiado subjetivo do mesmo. Não sei, porque não li (ainda) esta obra de Byung Chul-Han. 
Agora, aquilo  que posso dizer, se compreendi realmente a essência da obra, é que ela é uma aposta. No futuro próximo se verá. Eu temo que Byung Chul-Han tenha razão, no curto prazo: 
- Uma dominação cada vez mais aprofundada do neoliberalismo, entranhando-se nos nossos neurónios, como se fosse uma droga, não é uma ficção científica distópica. 
Basta olhar criticamente à nossa volta e vermos a quantidade de pessoas alheadas de qualquer coisa que saia um pouco fora dos seus interesses imediatos. 
Um entorno de pessoas egoístas, complacentes consigo próprias, mas intransigentes em relação aos outros, é o mais vulgar padrão de comportamento com que me tenho deparado, em múltiplas situações. 
As pessoas despertas para os outros, atentas, dispostas a ajudar, não por interesse mesquinho (esperando recompensa) mas  por genuína empatia ou solidariedade, pelo contrário, é o que eu encontro de mais raro. 
Assim a revolução que faz falta, não é a revolução contra o indivíduo da outra classe social, que supostamente nos oprime, pois este indivíduo foi instrumentalizado por forças poderosas que o moldaram e deformaram. 
Ele não  está menos alienado do que o operário, só que o está diferentemente. A alienação é geral, a alienação é o conceito-chave, quanto a mim. 

Vivemos num sistema que mata o humano, em que a própria palavra humanismo não é compreendida, pelo menos em sentido filosófico, mas é confundida com uma atitude de falsa compaixão, de falso amor pelo próximo. 

Para o sistema capitalista atual, não lhe chega dobrar os humanos ás exigências da produção e do lucro. Isso era o que o capitalismo industrial exigia das pessoas: Fora das horas de escravidão assalariada, o proletário podia ocupar-se do que quisesse, tal não entrava nas preocupações do capitalista. 

Hoje em dia, o proletário tem de estar inteiramente submetido através da internet, com disponibilidade para qualquer tarefa a que decidam submetê-lo, controlado via «smartphones», «tablets» ou «laptops». 

A sua escravidão já não é só física e limitada no tempo; também é uma prisão mental, emotiva e perpétua. Nesta barbárie civilizada, os grilhões que encadeiam todos não são visíveis. São mais poderosos que as sedas de que são feitas as teias de aranha. Estas últimas são fios muito finos, mas muito resistentes e elásticos. 

Quanto ao proletário moderno (não importa que seja «rico», ou «médio», ou «pobre») está enterrado no inextricável novelo de «teias de aranhas virtuais», ou seja, de sujeições das quais -mesmo que quisesse - não poderia escapar-se. 

O homem (ou mulher) rico/a (no sentido de possuindo plenitude) da nossa época, será aquele/a que tem liberdade de se mover, de se determinar, por si próprio/a; mas não em função desta teia invisível. Ele/a determina-se por outros parâmetros. 

Quanto à satisfação dos desejos, por si só, não é marca de verdadeira emancipação. A sociedade tentacular adora encerrar as pessoas através de seus desejos, para melhor as dominar. 

O ser livre está consciente da degradação da psique humana, do abaixamento dos padrões éticos e morais. Este ser, embora dificilmente, tenta encontrar as pontas dos novelos em que os outros estão enovelados, para lhes indicar a saída do labirinto, não para os acorrentar ainda mais. 

No fundo, o desejo de liberdade e de plenitude (chamemos pelo nome que quisermos: Amor, Deus ... etc.) não pode ser erradicado, está presente em todos os humanos. Eles - os que se especializaram em controlar a psique das pessoas - sabem isso; por isso temem, mais que tudo, aquilo que seja do âmbito espiritual. 

A sociedade contemporânea é caracterizada pelo seu materialismo, hedonismo e egoísmo generalizados. Nada disso obedece a uma procura de ideal, de elevação, de nobreza do coração.   

Se esta fase não desembocar na completa destruição dos humanos e do ecossistema global planetário, a época que virá será a do renovo da humanidade, a que podemos chamar de «comunismo». Um comunismo liberto da falsa e presunçosa gana de domínio, de poder sobre os outros. 

O verdadeiro comunismo está em embrião nas várias tradições dos povos (práticas comunitárias, cultos religiosos, formas de arte), mas ainda não alcançou o grau de consciência global necessário para que exista na realidade social.

quarta-feira, 9 de novembro de 2022

MICHAEL HUDSON: PORQUE RAZÃO OS EUA TÊM UMA POSIÇÃO ÚNICA NA HISTÓRIA DO IMPERIALISMO?


 O Prof. Michael Hudson dá uma entrevista memorável, que não deverá deixar de ouvir/ver! (para melhor compreensão pode acionar as legendas automáticas em inglês)

sábado, 29 de outubro de 2022

[Glenn Greenwald] O CONSÓRCIO QUE IMPÕE A CENSURA É FORMADO PELO ESTADO E CORPORAÇÕES



[Citação da Newsletter de Glenn Greenwald: 

Glenn Greenwald greenwald@substack.com]

 Tem havido alguma notícia - por  mim e por outros — sobre a nova e francamente fraudulenta indústria de «desinformação». Esta auto- proclamada peritagem, baseada em pouco mais do que uma ideologia política simplista,  reivindica o direito de ser oficialmente quem decreta o que é «verdadeiro» e «falso», para, entre outras coisas, justificar a censura feita pelo Estado e as corporações, exercida pelos «peritos»  que são quem decreta aquilo que é «desinformação». Estes grupos são financiados por um consórcio de um pequeno grupo de bilionários neoliberais (George Soros e Pierre Omidyar) junto com as agências de serviços secretos dos EUA, Reino Unido e U.E. Tais grupos, financiados pelos bilionários e governos, estão quase sempre disfarçados sob nomes com conotações inócuas, tais como: 

The Institute for Strategic DialogueThe Atlantic Council's Digital Forensics Research LabBellingcatthe Organized Crime and Corruption Reporting Project

Estes, estão desenhados para darem uma aparência de serem grupos de estudiosos apolíticos. No entanto, sua finalidade real é a de fornecer o enquadramento justificativo de campanhas para estigmatizar, reprimir e censurar quaisquer pensamentos, opiniões e ideias, em dissidência com a ortodoxia neoliberal dos poderes. Eles existem, por outras palavras, para dar a impressão de que a censura  e outras formas de repressão, têm fundamento científico, em vez de ideológico.

Leia a continuação (em inglês) no link seguinte:

https://greenwald.substack.com/p/the-consortium-imposing-the-growing?utm_source=substack&utm_medium=email


PS1: Greenwald refere o trabalho de Udo Ulfkotte, falecido jornalista alemão. Escreveu um livro, confessando como ele e outros se tornaram «prostitutas» da CIA.


sexta-feira, 28 de outubro de 2022

O «LIVRE» MERCADO, EXISTE?

 
Eu não sou «competente» para falar deste assunto, segundo os especialistas que se arrogam o exclusivo de perorar sobre economia. Porém, tendo eu vivido e estudado, estou em condições - como qualquer um - de observar a realidade do «livre mercado» ou sua ausência.

                      Adam Smith designava-se a si próprio como «filósofo moral»

Podemos retomar as obras de Adam Smith, David Ricardo, e outros, para nos certificarmos que o seu liberalismo significava outra coisa, completamente diferente daquilo que  as correntes neoliberais contemporâneas postulam em relação a este assunto.

As correntes neoliberais atuais, defensoras do «livre mercado», pretendem que este seja uma espécie de «Deus ex Machina», que acaba por tudo regular, por satisfazer os compradores e os vendedores, com o seu jogo de valores, pelas intervenções de uns e de outros. 

Mas, logo aqui, os modelos dos neoliberais sobre o comportamento dos intervenientes nos mercados são totalmente abstratos: Com efeito, o interveniente no mercado é representado como uma entidade abstrata com conhecimento instantâneo de todos os preços praticados nos mercados! Um átomo que tudo vê, tudo sabe, como se fosse Deus!? Esse agente-mitificado seria capaz de fazer, para cada operação de compra e venda, um lance otimizado. Além disso, o seu raciocínio e comportamento seriam inteiramente racionais, não sofreria do viés de quaisquer preconceitos. Mas, afinal, este «agente-robot-do-mercado» não teria nada do que há de humano no comportamento. 

Mesmo que se queira atribuir à «mão invisível»(1), essa propriedade misteriosa que faz com que os preços finais acabam por ajustar-se aos desejos, tanto dos vendedores como dos compradores, tal está muito longe da realidade sentida, da realidade económica do dia-a-dia. 

Atrevo-me a dizer que é observável por todo o lado a distância entre o modelo de mercado livre, segundo os neoliberais e a realidade, quer se trate da transação de couves (uns poucos euros), quer de apartamentos (dezenas ou centenas de milhares de euros). Na realidade, o que eu e muitas pessoas verificamos, é que a capacidade aquisitiva por parte do comprador e a perceção do vendedor, de que tem muitos ou poucos clientes para seu produto, são os fatores decisivos para o ajuste dos preços. 

Não existe ciência económica no mesmo plano que as ciências naturais. Esta ciência económica «matematizada», que nos querem fazer engolir do ensino secundário até à faculdade e mais além, como se fosse uma ciência rigorosa, é simplesmente uma fraude. 

Os clássicos acima referidos consideravam a economia, como fazendo parte das ciências «morais»: Queriam com isso dizer que estavam sujeitas a muitas das paixões humanas, o que - não tenho dúvida - continua a ser atual. Se não tivermos em conta o jogo psicológico, do nível dos indivíduos ao das relações internacionais, não podemos compreender nada do que se passa. 

Os pânicos das bolsas, as manias e outros ventos de loucura, que estão sempre a surgir, em tal ou tal ponto do globo e em tal ou tal circunstância, seriam - a meu ver - a prova cabal de que a economia é uma ciência humana, que está correlacionada com as paixões, as políticas, as ambições de poder, de status, de proteção, etc. Sentimentos muito humanos, quer lhes demos uma conotação positiva ou não; o facto é que as matematizações desses comportamentos são apenas construções arbitrárias, não descrevendo  de forma adequada, nem os fenómenos aparentes dos mercados, nem a psique. Os modelos não têm em conta a enorme diversidade e maleabilidade do comportamento humano, devido à diversidade e riqueza da psique. 

A economia contemporânea, na sua versão dominante, está conscientemente a fazer inferências abusivas, no que respeita aos indivíduos e ao seu comportamento nos mercados. Não espanta que os modelos construídos com base em tais falácias, sejam apenas «bonitas construções» para fazer correr um programa de software e ... nada mais.

Mas, o modelo «da economia de livre mercado» está tão arreigado na mente dos políticos e economistas, que penso seja um caso de construção obviamente ideológica, que se infiltrou no discurso dominante, ao ponto de convencer muitos da sua validade.

Os mercados existem e não apenas nas economias capitalistas: existiram desde a mais alta antiguidade. Não me insurjo contra a noção de mercado. É uma realidade, desde os alvores das civilizações; mas temos de compreender como é que os nossos antecessores realizavam as trocas, como as encaravam. O capitalismo obnubilou muita coisa. Antes do triunfo do modo de produção capitalista (final do século XVIII ou princípio do século XIX), as relações humanas não se guiavam pela «ditadura da mercadoria». Não existia, em muitos casos, uma economia onde o dinheiro dominasse, mas isto não significa que não existissem uma economia e trocas comerciais. 

Hoje mesmo, em que a mercantilização de tudo predomina, existem numerosas instâncias em que as pessoas e organizações não são movidas por critérios económicos, mas por outros (2). Não significa que tais comportamentos sejam resquícios do passado, mas antes que nós somos essencialmente os mesmos (afetivamente e psicologicamente) que os humanos de há dez mil, ou mais anos. 

A questão do mercado ser «livre», reduz-se somente à questão de existir - ou não - intervenção estatal no mesmo, se eu bem compreendo os defensores do neoliberalismo na economia. 

Ora, o Estado tem regulado os mercados de várias maneiras: Não vejo que a ausência de regulação do mercado possa ser benéfica para os intervenientes. O respeito por regras é fundamental para haver mercados ordenados, logo, para serem «livres», no sentido de exprimirem a concorrência entre os vários intervenientes, de modo não falseado.  Tem de existir, nas sociedades capitalistas contemporâneas, uma intervenção do Estado nos mercados. Não acredito que os defensores dos tais «livres mercados» prescindam dessa mesma intervenção.

Parece-me que as pessoas muito preocupadas em preservar a «liberdade dos mercados», estejam sobretudo preocupadas com o mercado do trabalho, quer o afirmem, quer não. Se houver um enquadramento legislativo, que constrange os patrões e os empregados a estabelecer relações contratuais coletivas, a  liberdade de recrutar e de despedir está efetivamente restringida. 

Não penso que os trabalhadores queiram prescindir da sua liberdade de estabelecer um contrato com os patrões, de mudar de emprego, de rescindir o contrato de trabalho, em caso de incumprimento por parte da entidade patronal, etc. 

Portanto, quer-me parecer que se fosse aplicada a liberdade de contratação segundo as regras e leis vigentes nos países onde os direitos laborais são  respeitados, não haveria boa parte da conflitualidade entre as classes patronal e trabalhadora. Estes conflitos surgem, muitas vezes, devido à negação dos direitos dos assalariados, em termos de contratação, ou de negociação e perante a obstinação dos patrões em não aceitarem discutir as reivindicações pertinentes dos trabalhadores. 

Afinal, os trabalhadores são os reais defensores da liberdade de contratação e de negociação. Muitas vezes os patrões, não apenas se negam a negociar, como vão pedir a intervenção estatal, para reprimir (por vezes violentamente) as reivindicações dos empregados.

A liberdade do mercado de trabalho ganharia se os capitalistas e seus suportes mudassem de postura. Em vez de falarem constantemente de «livres mercados», deveriam antes aplicar os princípios legais em vigor ao mais importante mercado económico e social, que é o do trabalho. 

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(1) Expressão usada por Adam Smith na sua obra «A Riqueza das Nações». Usou-a para exprimir, não a confiança cega nos mecanismos do mercado, o sentido que agora lhe é atribuído (falsa interpretação), mas antes, no contexto dum discurso teórico, uma idealização das relações mercantis na sociedade. Trata-se dum processo literário, o da «experiência mental». Este tipo de demonstração, usando situações imaginárias, era frequente nas Luzes. Muitos escritores usaram-na: Diderot, D'Alembert  e  Jonathan Swift, entre outros.

(2) Um artigo de Karl Polanyi dá-nos uma visão global da evolução das sociedades e dos respetivos valores: https://www.commentary.org/articles/karl-polanyi/our-obsolete-market-mentality/

quinta-feira, 1 de setembro de 2022

O DINHEIRO DOS OUTROS ? ... DE QUAIS OUTROS?

 «O problema com o socialismo, dizia Margaret Thatcher, é que no final esgota-se o dinheiro dos outros»



Eu não quero fazer aqui a refutação desta célebre frase, nem argumentar de alguma maneira se isto é «socialismo», se é a essência do socialismo. Obviamente, trata-se duma frase-choque, propagandística, que, no seu cinismo, tem sido utilizada «n» vezes pelos neoliberais para, supostamente, desfazerem todos os argumentos favoráveis ao socialismo.  

Ora, o problema com esta frase é que, afinal, ela se ajusta muito bem para descrever o capitalismo parasitário, descabelado, mafioso, que tem predado os países ditos de democracia liberal, principalmente os países da Europa ocidental (Países da UE, Reino Unido) e América do Norte (EUA, Canadá).

Com efeito, nos cerca de 40 anos de contrarreformas «neoliberais», os sectores empresariais conseguiram situações de monopólio ou de oligopólio, como beneficiários de ondas sucessivas de privatizações. Esta entrega, pelos governos aos privados, abrangeu vários domínios tradicionalmente reservados à propriedade pública, administrada segundo o critério do interesse público e não seguindo a lógica empresarial, ou seja, a do lucro: Saúde pública, transportes públicos, escolas, pensões, até mesmo, prisões ... Tudo isso tem sido privatizado «a marchas forçadas» e sempre seguindo o «script» neoliberal. 

Os resultados, como todos nós podemos constatar, em termos de qualidade, eficiência e universalidade destes serviços, piorou a olhos vistos, em vários sectores, senão em todos. Isto não é para surpreender alguém que tenha uma visão clara do funcionamento típico da empresa privada: Com efeito, esta funciona, em primeiro lugar, para obter rendimento para os seus acionistas.  Se um hospital privatizado tem deficiências crónicas no pessoal auxiliar, enfermeiros e médicos, isso deve-se a uma política deliberada de baixos salários, de sobrecarga laboral, etc. Não admira que tal aconteça, num contexto em que a oferta pública não exista ou, se existe,  é demasiado exígua, também ela sofrendo de vicissitudes várias. 

Neste exemplo, tal como se verifica noutras empresas sujeitas a privatizações, a entidade privada, uma vez conseguida a situação de monopólio e perante reguladores estatais que não o são, irá fazer com que a rentabilidade do investimento seja maximizada, como em qualquer outro negócio.

Pois bem, as privatizações de empresas estatais ou de segmentos da administração pública, correspondem a privatizar algo que foi um investimento de longa duração, da sociedade no seu todo, que contribuiu, pelos seus impostos e pelo trabalho dedicado de gerações de seus próprios funcionários,  à construção, desenvolvimento e manutenção destas instituições de interesse público. Portanto, o povo foi esbulhado, pela mão criminosa de governos corruptos, ao serviço da oligarquia, para servir esses interesses privados e sabendo muito bem que estava a ceder valiosas organizações e empresas públicas, «por um prato de lentilhas». Pior ainda, sabendo que, ao retirar do Estado a posse destas empresas públicas, estava a fazer com que ele perdesse controlo efetivo sobre serviços indispensáveis,  fundamentais na vida coletiva, como saúde, escola, vias de comunicação, etc, etc.

O neoliberalismo foi uma contra-reforma à era de social-democracia, em que a economia e os Estados se encaminhavam em direção a economias «mistas», com um forte sector público e um sector privado também forte, mas regulado. 

A desindustrialização, levada a cabo - em simultâneo - em quase todos os países ocidentais, permitiu a transferência de indústrias para os países do chamado Terceiro Mundo.  Essa política, permitida e encorajada pelos neoliberais aos comandos dos vários governos, teve múltiplas consequências desastrosas: 

- Aumentou o desemprego. Isto foi vantajoso somente para a classe capitalista (no curto prazo), pois exerceu pressão para baixo nos salários.

- Diminuiu a autonomia dos países, que se tornaram importadores líquidos de bens manufaturados e não exportadores, como tinham sido durante décadas e séculos!

- Potenciou a financeirização da economia, o que se traduziu pelo hiperdesenvolvimento do setor não-produtivo, mas especulativo, da finança. Por sua vez, face ao liberalismo dogmático reinante, os países tiveram de aceitar a «livre circulação de capitais», o que se traduziu numa sangria de capitais para paraísos fiscais, sobretudo, onde tinham maiores taxas de juro e menores (ou zero) impostos. 

- Retirou aos Estados a sua base de impostos. A redução do número de empresas sediadas nestes países e capazes de gerar lucro, implica a perda de impostos para o Estado. A redução do número de trabalhadores também causa perda de impostos (impostos do trabalho). 

- Finalmente, o desaparecimento da exportação de mercadorias, não apenas empobrece os setores em causa, como deixa o Estado sem poder recolher os impostos, que normalmente recolheria, nas várias etapas do processo. Pelo contrário, tendo o Estado de se financiar com impostos sobre importações, vai onerar os trabalhadores desse Estado: Vai retirar-lhes rendimento disponível para o consumo, a poupança e o investimento.

Como se pode verificar, o que aconteceu com o triunfo do neoliberalismo, com as políticas concretas de privatização e de desregulamentação, assim como a aceitação (ou, mesmo, o convite!) da exportação da base industrial para os países do Terceiro Mundo, foi o equivalente a um enorme saque, uma transferência de riqueza dos pobres para os ricos e um empobrecimento geral duradouro destas sociedades. 

As classes laboriosas de todos os países ditos ocidentais, deveriam pedir contas aos capitalistas e governantes, que são os responsáveis pelo estado deplorável e o recuo muito acentuado das condições de vida que estão experimentando. 

A «justificação» do COVID, primeiro e da invasão da Ucrânia pela Rússia, depois, como responsáveis pelos males que assolam o planeta deve ser varrida como narrativa falsa, fabricada por aqueles que querem esconder sua responsabilidade na destruição económica dos seus próprios países ao longo de décadas e que se traduz no presente  colapso. 

Para mim e para quaisquer pessoas lúcidas, a frase célebre de Margaret Thatcher deveria ser reescrita assim: 

«O problema com o capitalismo neoliberal, é que no final, esgota-se o dinheiro dos outros»