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sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

O CHAMADO «TERCEIRO SECTOR» NA ECONOMIA DE PORTUGAL

Por más e oportunas razões, venho abordar a questão do «terceiro sector», ou seja, do sector que tem como vocação administrar, em nome da sociedade civil, a «solidariedade social». 

Além do caso «Raríssimas», outro caso importante pelas suas consequências, é o da entrada (forçada?) da Santa Casa da Misericórdia no capital do Montepio (um banco cujo principal proprietário é uma Associação Mutualista).

  

Aqui, não iremos esmiuçar  o conteúdo e a qualidade da prestação da Raríssimas, da Santa Casa, ou de quaisquer outras IPSS, embora o assunto não seja de forma nenhuma «tabu». 

Mas, o que me parece mais preocupante  - do ponto de vista cívico  - é a forma como o Estado tem administrado os dinheiros públicos, desviando sistematicamente o investimento público direto em domínios que, não apenas são da sua competência (Veja-se o que a Constituição diz sobre o assunto), como tem meios - em muitos casos- para obter bons resultados e por vezes até a custo muito inferior. 

Assim, comete-se um triplo crime:

- Descarregam-se competências próprias do Estado em entidades privadas ou «mistas», sem a supervisão e controlo que tal delegação de competências deveria implicar.
Quando ocorrem casos como o da «Raríssimas», vêm nos dizer que se trata de algo «pontual» e que as instituições de solidariedade social não funcionam assim em 99% dos casos.
 Mesmo que fosse nesta proporção, resta o facto em si mesmo de tais coisas terem ocorrido durante um longo período. Isto põe a nu, claramente, a carência de supervisão do próprio Estado em relação à utilização dos dinheiros do Orçamento que, generosamente, tem encaminhado para as IPSS.

- Não existe - muitas vezes- uma competente e eficaz gestão de recursos existentes no domínio público, o Estado é sabotado por dentro. Isto aproveita os detratores do serviço público, seja do sector da Saúde, seja da Educação, seja da Assistência social. Estes detratores têm interesses pecuniários ou políticos ou ambos, nesse denegrir de imagem. Nunca dizem a parte de benefício que decorre do mau funcionamento das instituições públicas, para as suas equivalentes privadas. 
A capacidade instalada do serviço público em diversas áreas é sub-aproveitada nuns casos, noutros é muito mal administrada, por pessoas que devem suas carreiras de gestores a favores políticos e não tanto à sua competência, etc.

- O público, ou fica a perder por pagar mais caro os serviços privatizados, que poderia ter com a mesma ou melhor qualidade no Estado, caso o «Estado social» funcionasse neste país, ou porque simplesmente fica cortado -essencialmente, por razões económicas - de acesso à assistência a que tem direito, apesar dos políticos encherem a boca constantemente com a retórica dos «direitos humanos». 

Além disso, o público, desinformado, vira-se contra os trabalhadores, quer de IPSS, quer das várias estruturas estatais de Serviço Público. O público não é esclarecido pela media ao serviço de interesses inconfessáveis, que deseja antes de mais fazer avançar um determinado escândalo, ou o tenta abafar, consoante os interesses que representa. 
A media também é direta e indiretamente suportada pelo Estado, nalguns casos; noutros, é propriedade de grandes grupos económicos, que têm exercido uma parte da sua atividade nos sectores privatizados da Saúde, Educação, nos segmentos de mercado mais rentáveis. Não admira, portanto, que a grande media seja conivente. 
Em geral, estes serviços privados de Saúde, Educação ou outros, com fortes protecções e «incentivos estatais» são destinados a uma clientela acima da média, em rendimentos. Portanto, a sua «rentabilidade» deve-se sobretudo à captação - como utentes ou clientes - não apenas dos «muito ricos», como duma grande fatia da classe média, muitas vezes ficando o sector estatal como supletivo, limitado (auto-confinado) à assistência dos «pobrezinhos», dos que não podem pagar os serviços privados ...

Segundo a quantificação fornecida num programa da SIC Notícias, Negócios da Semana, cujos dados foram transcritos por uma amiga minha,  o valor anual das subvenções estatais ao sector social privado (IPSS) e dos impostos de que são isentados é o seguinte:

-- SUBVENÇÕES PAGAS PELO ESTADO (4,3 MIL Milhões de euros ) 

---IMPOSTOS PERDOADOS PELO ESTADO (2, 5 Mil milhões de euros ) 

= DESPESA TOTAL DO ESTADO 6,8 Mil Milhões de euros 



Note-se que o Estado tem também despesas diretas no sector social. Estas subvenções só dizem respeito ao que privados (as tais Instituições Privadas de Solidariedade Social - IPSS), recebem.
Esta soma total de 6,8 Mil Milhões de Euros, é semelhante ao montante da verba anual orçamentada para a Educação, o que mostra  que, ao longo dos anos, o Estado tem «externalizado» a sua função de «solidariedade social». 

O termo de solidariedade está de tal maneira pervertido, que eu preferia que se falasse antes de fazer cumprir os direitos humanos mais elementares. 

A consequência pior de toda esta hipocrisia da «solidariedade» social vigente neste país, é de que se faz muito pouco, muitas vezes mal, em relação aos mais frágeis, o que explica, em parte, a enorme percentagem de pobreza endémica neste país. 

Costumo definir a situação da seguinte maneira:
«Em Portugal, o cidadão paga impostos ao nível duma Suécia (em proporção do rendimento per capita) ou doutros países europeus equivalentes, mas o que ele obtém do Estado, em retorno, em termos de qualidade do serviço público... é equivalente aos menos desenvolvidos países africanos.»

A solução não é mais Estado ou menos Estado, a discussão na media resume-se a este debate estéril. 
As pessoas que se limitam em pensar nestes moldes estão - talvez inconscientemente - a perpetuar o problema porque impedem que se faça um debate sério e não demagógico. Os termos desse debate são simples: - O que é necessário fazer para arrancar Portugal ao sub-desenvolvimento - tanto no sentido físico ou económico, como no comportamental e social.

Como tenho dito em muitas ocasiões, tem de se fazer o diagnóstico de que o Estado português e a sociedade, em geral, estão numa situação típica de país neocolonial

Somente um movimento que combate a situação neocolonial e apenas este, poderá ir ao fundo da questão. Neste sentido, deverá ser radical (por ir à raiz do problema). 
A imensa maioria, os 90% ou mesmo 95% das pessoas, estão objetivamente a ser espoliadas por um capitalismo parasitário e portanto ineficaz. 
A função de motor do desenvolvimento da classe capitalista portuguesa nunca existiu. Ela foi sempre uma classe do tipo «comprador» e ainda o é. Mas agora, as metrópoles coloniais situam-se no Norte da Europa. 
Em Portugal, país neocolonial, a classe política e a classe capitalista parasitária são a mesma coisa, como se constata pela «consanguinidade» e pela fluidez com que elementos de uma passam para a outra. 


segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

UM PAÍS DE OPERETA ...mas eu não PESCO!

Após o escândalo da IPSS (Instituição Pública de Solidariedade Social) «Raríssima» rebentar, veio-se a saber que o ministro Vieira da Silva ...
             

... foi vice-presidente da assembleia geral da associação, que tinha como missão apoiar a investigação e tratamento de doenças raras, cujo financiamento -público e privado - tem sido descurado. Muito boa intenção, só que esta intenção serviu como capa para uma vida de luxo e de privilégio da presidente da IPSS, Paula Brito Costa.     

Tudo o que um ministro nestas circunstâncias deveria ter feito, mesmo tendo ordenado um inquérito a todos os aspectos suspeitos da gestão desta associação, era - no mínimo e logo de seguida -demitir-se:
- Pois se ele estivera, porventura com a maior das boas intenções, associado aos corpos gerentes desta IPSS, o inquérito que ordenou está - à partida - sob suspeita caso ele continue a ser o ministro da tutela que ordenou este mesmo inquérito.
- A segunda questão é a de que qualquer pessoa de bem, se está envolvida num escândalo deste género, ao demitir-se de uma posição de poder poderá ser sujeita a inquérito, a ser questionada como arguido, inclusive, pois quem não deve não teme. Mas neste país de opereta, não se pode sequer imaginar que isto aconteça. São os poderosos a escudarem-se nas suas imunidades para fugirem a que as suas ações passadas sejam inquiridas. Ora, quem não deve, não teme! Por isso, qualquer pessoa de consciência tranquila, que tenha um cargo de responsabilidade e que esse cargo confira imunidade a inquérito em caso de investigação criminal, como é o caso, deve - em boa ética - demitir-se desse cargo.
É nestas «pequenas» coisas que se vê que a política em Portugal é simplesmente a de um país neo-colonial, onde os verdadeiros donos «disto tudo» se estão nas tintas para a «honra» dos que eles comandam na sombra. São como os bonecreiros que comandam marionetas articuladas com fios; não têm que se ralar com a integridade moral das marionetas que manipulam por detrás do pano.

Para cúmulo, no mesmo dia, venho a saber que o país foi metido à má fila numa estrutura militar criada no âmbito da UE, sem discussão de qualquer espécie, nem sequer a nível parlamentar, tendo o governo «desprezado» anunciar ao país que Portugal era agora membro do PESCO. 
Ou seja: a vocação deles - governo, primeiro-ministro, presidente da república - é de baixar a cerviz aos poderes que comandam a UE, de facto, ou seja ao dueto franco-alemão (Macron/Merkel)... Isso é suficiente, na mentalidade deles. 
Para quê esclarecer os «parolos», eles até votam segundo a cor dos emblemas ou da aparência física ou da simpatia e calor humano que eles simulam em «banhos de povo»... 

Nunca se viu tanta sobranceria face ao povo, tanta servilidade face aos poderes estrangeiros, tanta gula, tanta corrupção, tanta cobardia... 
Mas isto que importa??? Não importa nada! «Portugal»  (na verdade a sua «elite política e económica» ou seja, a casta oligárquica e mafiosa que nos desgoverna) é o  eterno «bom aluno», o eterno colonizado pelos mais «desenvolvidos», agradece humilde e ainda pede por mais...por outro lado, o «bom povo português» continua alheado de tudo, incapaz de compreender devido à lavagem ao cérebro permanente da media corporativa, espalhando incultura total em termos cívicos. 

A situação é mantida em proveito exclusivo da casta parasitária de cavalheiros e damas ... raríssimas!!!!!!!!!!!

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

ESTATUTO NEO-COLONIAL DE PORTUGAL

                                   
                                     

estatuto de neocolónia * de Portugal é o verdadeiro impedimento a uma arrancada para o desenvolvimento, deste retângulo à beira Oceano plantado.

Tenho defendido, ao longo dos anos, esta visão e tenho dito a quem me quer ouvir que, se não se tivesse deixado enredar na malha das dependências neocoloniais, Portugal seria hoje uma espécie de «Suíça» do Atlântico.

Enquanto ponto de partida e de chegada natural para todo o comércio transatlântico, esse lugar é-lhe devido. 

Em termos estratégicos, controla a passagem do Atlântico Norte e Atlântico Sul e a rota atlântica em direção ao Mediterrâneo; Portugal foi e é ainda elemento geoestratégico de primeira importância.

A cobardia e a venalidade dos dirigentes deste país, ao longo das épocas históricas, é que tem feito com que o potencial enorme deste território e a coragem e tenacidade de suas gentes sejam desprezados e espoliados. 

Sem as circunstâncias especialíssimas do espaço português e da natureza flexível e determinada do seu povo, não seria possível os parasitas prosperarem, ao longo dos séculos. 

A forma de manter submissa uma pessoa é de a convencer de que ela é uma «coitadinha»,  que precisa da nossa «ajuda». Em relação a uma nação, não é muito diferente. 

É precisamente o que têm feito os gatos gordos da UE e dos EUA. Aproveitam-se dos gatinhos gordos de cá (que miam em consonância perfeita com os seus chefes), os espertos que por cá pululam, para continuarem o seu jogo, sem oposição à altura.

A forma de oposição do tipo frente de libertação anti-colonial, tipicamente uma estrutura inter-classista, parece-me ser a única viável, face ao nosso estado de neocolonialismo inconfessado, tanto devido às circunstâncias históricas, como à situação de hoje, em Portugal.

Porém, essa frente, só tem possibilidade de prosperar, caso os seus membros ponham acima dos seus interesses de grupo, o interesse nacional. Guardo esperança de que apareça um conjunto coeso e dinâmico de mulheres e de homens assim, cedo ou tarde, neste país.   

O chamado pai da democracia, Mário Soares, em múltiplas ocasiões, falou sobre a importância da tolerância para a democracia. Quando falava disso, quase ninguém compreendia o que ele tinha em mente. Poucos compreendiam que ele falava das inúmeras discussões, terrivelmente desgastantes, que qualquer democrata português teria de aguentar com outros, que, embora dizendo-se democratas, o que procuravam, antes de mais, era dominar. 

Também eu experimentei, algumas vezes, tais esgotantes debates, sem fruto nem proveito, que por aí ocorrem. Em resultado disso, sou um «anti-político» num certo sentido, embora seja um observador atento da política. 

Para os meus amigos /amigas (quer estejam envolvidos/as em projectos políticos ou não), apenas digo o seguinte: vejam o que as pessoas fazem, não apenas o que dizem ou proclamam. 

Enfim, vejam se alguém é sério e coerente com o que afirma, não pela análise discursiva, mas pela análise da coerência entre a prática, no mundo real, e as ideias que proclama.

Está claro, para mim, que além dos fatores económicos, existem fatores de cultura, civilizacionais, que justificam o estado em que se encontra qualquer país, qualquer agregado humano.

Por exemplo, no caso da China, o confucianismo domina nas mentes e permanece como pano de fundo cultural. 
No confucianismo, existe uma opção clara pela ordem, pela estabilidade, pelo respeito para com os ancestrais e para com os progenitores.  Este respeito e consideração são igualmente dados à família alargada, ao grupo étnico, à nação. 

Pelo contrário, em Portugal, reina um individualismo exacerbado, não existe solidariedade familiar verdadeira, muito menos existe verdadeira solidariedade de classe, ou de cultura, ou de nação. 

Quando digo que não existe, não nego que tudo isso, de facto, possa existir numa fração, numa parte da cidadania deste país; mas eu faço a «soma vetorial» das vontades e das ações, para compreender para onde vai a barca... 

A barca de Portugal é uma jangada, prestes a desconjuntar-se, sem leme nem liderança, onde se encontram formigas, ignorantes de que estão no meio do alto mar e que têm de se juntar e fazer causa comum, para salvamento da jangada. 

Mas as pessoas não são «formigas». 
Elas podem perceber o que é real e superar o que eu chamo de «complexo neocolonial». 
 Sobretudo, podem exercer ações eficazes para que não sejam escravizadas (mentalmente, como primeira etapa para a escravidão completa), para proveito dos senhores de terras longínquas, sejam da China ou do Ocidente, do Norte ou do Sul. 

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*Nota: tenho escrito sobre este assunto desde os «Cadernos Luta Social», no tempo em que Sócrates era primeiro-ministro: a minha análise mantém-se válida, na atualidade.

domingo, 30 de abril de 2017

«PORTUGAL PAÍS NEOCOLONIAL?» [Caderno Luta Social*]

*Transcrevo um ensaio publicado no «Caderno Luta Social» Nº4, em maio de 2009. Não me pareceu necessário fazer qualquer actualização, pois o leitor compreenderá que certas passagens se referem ao momento político que se estava vivendo então, enquanto outras são reflexões que conservam a mesma validade hoje, como há 8 anos atrás.

Portugal, país neocolonial?
O regime de Portugal tem uma grave doença que precisa de ser diagnosticada.
Tenho reflectido sobre os rumos da democracia em Portugal; cheguei à conclusão de que o problema é que se trata de uma enfermidade não diagnosticada, ou um diagnóstico feito mas não reconhecido pelas gentes.
Portugal, desde há pelo menos 200 anos, passou de país colonizador a país colonizado, submetido por várias potências: primeiro a Grã-Bretanha, depois pelos países ricos da UE, com participação dos EUA.
Tudo se pode compreender melhor, incluindo a enorme quantidade de corrupção e falta de vergonha da classe política, se virmos este país como uma vulgar neo-colónia, como no continente sul -americano, ou africano. Nessas regiões, é habitual verem-se regimes que até podem ser formalmente democráticos, mas onde uma pequena oligarquia manda, usando políticos corruptos para fazer o jogo da representação e manter assim o povo quieto.
Existe um falhanço histórico da intelectualidade, das pessoas que têm maior responsabilidade, porque detêm saberes e meios de os divulgar. Ou seja: têm essa responsabilidade porque detêm meios (os instrumentos, as ferramentas intelectuais) que os podem apetrechar a fazer a análise (diagnosticar a doença) e - desde logo - a apontar caminhos para a «cura» ou a esclarecer quais as opções que se colocam.
Devemos perceber que estamos perante um fenómeno de ocultação não intencional, não deliberado. Não cabem aqui quaisquer «teorias da conspiração». O problema, tão simples na sua essência, é o seguinte: como se explica o atraso crónico e secular deste país, à beira-mar plantado?
Um país que poderia ser um «jardim», mas não é; mais parece um lugar de exílio («Pátria, lugar de exílio», para retomar o título dum dos mais belos livros de poesia portuguesa do séc. XX). Vamos continuar A ASSOBIAR PARA O LADO E IGNORAR ESTE FACTO FUNDAMENTAL ou teremos a coragem de olhar a realidade em frente? Reconhecemos que somos um antigo império, convertido numa NEO-COLÓNIA? Que, se Portugal tem sido colonizado económica e politicamente, o tem sido sobretudo porque um complexo mental, cultural se apoderou da intelectualidade e do povo, em geral?
Considero que esta visão da história portuguesa marcada pela sua transformação em neo-colónia é totalmente evidente, para quem conheça razoavelmente a história dos últimos 200 anos. A ocultação sistemática, intencional desta evidência, dos seus mais relevantes factos, tem sido obra de vários historiadores, das mais diversas simpatias ideológicas, provavelmente para sustentar as suas teses.
Muitas pessoas abordam criticamente a realidade portuguesa e dizem «o mal está nisto», «o mal está naquilo…». Mesmo que tenham razão em absoluto nos males que apontam, a sua crítica é superficial, na medida em que traz implícita que a cura, estaria na eliminação desses males, mas eles são sintomas e não a própria doença. Eu questiono a origem destes sintomas; a incultura é sintoma, a corrupção é sintoma, a falta de civismo é sintoma... sintomas de quê? Da existência de um complexo económico - político -cultural chamado neo-colonialismo. O facto de se reconhecer, não é a cura do referido mal, mas aponta o caminho para se estabelecerem as estratégias para sairmos deste processo degradativo, deste ciclo vicioso.
Com razão, várias pessoas têm notado que uma revolução, que não se dirija à raiz dos males sociais, apenas será uma sacudidela e depois tudo voltará a ser como dantes.
Se queremos que as coisas mudem verdadeiramente e em profundidade, temos de ir ao âmago da questão: Temos de nos pôr de acordo sobre a origem do complexo que atinge Portugal como se fosse uma maldição... de certeza que não se trata de um problema «endógeno» ou «genético» da nossa população. Estamos ou não perante uma situação neo-colonial?
Várias pessoas que se interessam por política, sobretudo na esquerda, consideram os problemas com um certo fatalismo, o que as leva inevitavelmente para uma atitude atentista, sebastianista, de esperar que se dê um câmbio mundial para que algo mude em Portugal. Ora, não tem que ser assim: muita coisa há que mudar e que pode ser mudada no imediato. Podemos e devemos agir, mas com um sentido de rumo.
O debate que proponho parece-me muito importante, porque as políticas destinadas a emancipar o indivíduo e o colectivo, hoje em dia, têm de ser equacionadas numa série de patamares paralelos e não apenas de forma unidimensional.
Podemos lutar contra o capitalismo sem lutar contra o estado e a sua organização, que é o principal sustentáculo do mesmo? Obviamente que não! Pelo menos não de forma coerente.
A nossa luta, mesmo sendo justa, pode estar focalizada apenas nos efeitos de uma deslocação do poder para centros distantes, como a Comissão Europeia, a NATO...
A nós, não deveria interessar-nos muito o «daqui a 100 anos». Deveríamos estar centrados no aqui e agora; deveríamos levar o debate a vários sítios simultaneamente, de preferência presencial e aberto a todos/as as/os que estivessem disponíveis para uma participação construtiva e responsável.
Afinal de contas, há uma esquerda que é parte do problema, porque teima em não ver, não ouvir, não falar: Ela teima em «pensar» com frases feitas, com slogans, em vez de ser crítica... o que significaria auto-crítica, pois ela teve poder, fatias não desprezíveis do poder e ainda tem: se não o vê, é porque não lhe convêm!
De novo, aqui encontramos uma expressão e reflexo da situação neo-colonial multi-secular. Este autoritarismo que se nega em palavras, enquanto se afirma por variadíssimos actos, configura um complexo de culpa; uma enorme má consciência que se varre «para debaixo do tapete», vezes e vezes sem conta.
No fundo, trata-se duma característica portuguesa muito especial que foi muito bem analisada por José Gil, a não – inscrição. Ou seja, artifícios para não agir.
O mais recente «acto de não-inscrição» prende-se com o episódio grotesco da atribuição do nome de Salazar à praça principal de Santa Comba Dão, por decisão da autarquia, governada por um eleito do PSD, partido com larga história de governo pós 25 de Abril e que se pode considerar um dos partidos constituintes (aprovou a constituição de 76). Estão a fazer uma campanha bem pensada, bem orquestrada, para fazer aceitar um novo regime de medo, de terror, que fecham os olhos perante homenagens destas e não tiram (ou recusam tirar em público) as consequências políticas de tais actos.
Parece fora de qualquer dúvida que esta provocação foi orquestrada e preparada, como parece ser impossível de outro modo. Um golpe de teatro destes não se improvisa… há uma conivência pelo silêncio, pela não-inscrição, das estruturas nacionais do partido. Creio que isto demonstra a falta de coerência da chamada «democracia» portuguesa.
Neste país, a incultura passa por virtude. O ataque à Escola Pública veio disfarçado como «reforma» para melhorar a escola: é visto com simpatia por muitas pessoas, nomeadamente, pelas de menor formação cultural, que se sentem «lesadas» por aquilo que consideram privilégios da «classe» docente.
Nomear uma «classe» profissional como bode expiatório, foi uma atitude logo tomada pelo poder PS, tanto mais que se tratava de quebrar o estatuto que conferia uma certa dignidade, porque oferecia certa garantia de estabilidade e de progressão na carreira dos docentes. Foi este estatuto da carreira docente não universitária destruído e transformado num instrumento que eu caracterizei como «estatuto de escravidão docente».
Nenhum sindicato de professores se atreveu a subscrever um documento tão ofensivo para os seus representados, após um simulacro de processo negocial.
Mas, na base, os professores, embalados num sonho (ideológico) de «escola democrática», de «escola do 25 de Abril», não viram logo o que lhes tinha presenteado o poder PS, senão quando se desenrolou perante os seus olhos horrorizados a kafkiana máquina da «Avaliação de Desempenho».
Os protestos atingiram uma amplitude inédita no nosso país. Os professores mais velhos compreenderam que estavam a retirar-lhes uns restos de dignidade que ainda conservavam, mau grado os ataques mediáticos e no terreno. A campanha orquestrada contra eles, apontados, pela voz da ministra da educação e seus acólitos, como responsáveis pelos fracassos do sistema educativo pós-25 de Abril, surtiu efeito; muitos optaram pela reforma antecipada, alguns com penalizações pesadas no montante da sua pensão.
Como tem sido costume e como eu tinha previsto, prepara-se (agora, no inicio de Maio) uma simulação de «luta», uma encenação para deixar «contentes» os militantes sindicais, embora a massa dos professores fique descontente. Os burocratas sindicais não se importam; no fundo, pensam que está correcto canalizar este descontentamento para as urnas. Com enorme desplante vêm dizer que não querem que «esta luta morra na praia», depois de a terem esvaziado, de terem desperdiçado, em sucessivas ocasiões, a onda de protestos!
É caso para nos questionarmos sobre a auto-infligida impotência de uma população maioritariamente de esquerda, com saber académico (quase todos com o grau de licenciatura, no mínimo), porém que não reconhece a realidade da manipulação política, não vê que o combate deve incluir a apropriação das estruturas sindicais, para serem realmente instrumento de luta de todos os trabalhadores. É uma população de «esquerda sentimental», mas não no sentido crítico, na análise crítica que possa fazer da realidade.
Assim, verifica-se a «castração» do professorado, reforçando o complexo de país neo-colonial. Isto agrada aos poderes, visto que o quotidiano das escolas é moldado, num grau muito elevado, pela mentalidade difusa que prevalece no seio dos professores.

Este país tem uma cultura provinciana, como se pode verificar pela vida cultural em geral, em particular da capital e das suas principais cidades. Nesta cultura demasiado estreita, avultam as modas; elas tomam conta da cena mediática, sendo assim como vagas sucessivas, que anulam quaisquer outras correntes estéticas e ideológicas. Dá-se portanto um fenómeno de monopolização do espaço público, com «figuras» do momento, cuja obra, por meritória que seja, é amplificada de maneira desmedida pela televisão. É o que se verifica na literatura, na filosofia, ou em quaisquer domínios das artes. Esta situação estimula a postura de subserviência em relação aos poderosos, aos que estão em posição de controlo da media.
O português «médio» é consumidor de filmes de Hollywood, conhece a vida das stars americanas, tem uma cultura de música «ligeira» (pop, rock, etc.) exclusivamente anglo-saxónica. Tem poucas leituras, quando lê. Escolhe, quase exclusivamente, «best-sellers» traduzidos para português.
Num país neo-colonial, a cultura é quase toda de importação, facto ocultado pelo Estado, que pretende fazer crer que existe cultura própria: assim, nas escolas, é obrigatório ler-se um certo número de autores portugueses. São esses livros de leitura obrigatória que permitem manter em vida o mercado editor e livreiro.
Num país neo-colonizado não existe cultura autóctone, mesmo nos estratos populacionais que não beneficiam dos privilégios de classe.
O «povo» contenta-se com música popular do nível mais medíocre que se possa imaginar e os programas de «humor popular» das televisões são de um nível confrangedor, em regra. Não existe cultura popular genuína, porque aquilo que é normalmente assinalado como cultura popular de qualidade é – de facto – música e poesia eruditas, feitas por artistas «usando elementos da cultura tradicional»: na realidade, transpuseram para a canção de autor, de intervenção, elementos da cultura rural totalmente desaparecida, tal como as comunidades rurais que estiveram na sua origem.
Quanto ao pensamento político em geral, as «modas», além de importadas da Europa e dos EUA, são uma apropriação serôdia pelos actores/actrizes da tragicomédia política que é a vida pública deste país.
Se tivéssemos de escolher o cenário para um Lilliput das ideias, das mentalidades, seria muito provável que a escolha recaísse sobre este rectângulo à beira-mar plantado. A «classe política», como ela própria se costuma designar, compõe-se dumas centenas, duns poucos milhares. A maior parte, apenas «célebre» na sua vila ou bairro; muito longe da popularidade das estrelas do futebol.
O futebol, o «espectáculo rei», destrona qualquer «paixão política». Basta simplesmente olhar para os infinitos comentários na TV, antes ou após um jogo importante. Nota-se, nestas ocasiões, uma diminuição significativa do trânsito nas estradas, à saída das cidades maiores, que se explica pela debandada mais cedo para casa, por causa do jogo.
Todos os «actores políticos» concordam que a «Europa» é um factor fundamental (de forma positiva ou negativa) para as políticas nacionais. As eleições europeias sucessivas são sempre as que têm menor participação (da ordem de 60% de abstenção). Este sistema político não tem nada a oferecer, senão umas cadeiras douradas para alguns «eleitos do regime», que têm assim a recompensa por terem andado anos a fio a enganar o Zé Povinho, a vender-lhe a «banha da cobra» do seu respectivo partido.
Num país neo-colonial, o povo não é mais «estúpido» ou «inteligente» que noutro qualquer país, não dominado. Apenas poderá ser menos informado, menos culto. Apesar de tudo, no caso português, não perdeu o seu bom senso e sentido prático, não confia nos actores políticos, que se desfazem em promessas e têm imenso desprezo pelo povo, dizendo que são seus fiéis servidores.
O povo de Portugal está habituado a «desenrascar-se» por si só; a confiar nas redes de amizade, de família alargada, etc. Estes são os fios que tecem a estrutura social profunda; nesta, as escolhas partidárias pouco peso têm.
O cidadão comum tem tendência a ser indulgente perante o político que «facilitou» a aprovação de tal ou tal obra. As pessoas assimilam essas trocas de favores ao mais alto nível do Estado e dos negócios, com as pequenas trocas de favores, o «conhecer» alguém nesta ou naquela repartição pública. Tais compadrios não são vistos como criminosos, nem como abusos, sequer.
Além disso, o político profissional é visto como alguém de «outra espécie», a quem a lei comum não se aplica, que vive numa esfera diferente do real, pois está sempre a aparecer no espaço hiper-mediatizado.
Os que estão encarregues de fazer marketing político com a imagem de José Sócrates e seu governo, cedo perceberam isso: orientaram seu desempenho para a mediatização e personificação extremas do personagem.
O discurso de Sócrates apela sempre aos sentimentos, a uma sinceridade falsa, mas que é bem encenada. Esta encenação inclui personagens auxiliares, tais como o inenarrável bufão, ministro Mário Lino ou a antipática ministra Mª de Lurdes Rodrigues. Só assim ele pode sobressair – por contraste - como «líder».
Ele - na realidade – é apenas joguete de interesses capitalistas poderosos, que preferem ficar na penumbra. A sua política tem sido uma sucessão de recuos sociais, obedecendo ao dogma neo-liberal, para além de qualquer expectativa que se pudesse ter dele e do seu partido, há 3 anos e meio.
Os políticos, em regimes neo-coloniais, não se sentem nada presos pela palavra dada ao eleitor; sabem que aquilo que os sustenta no poder é muito mais a sua fidelidade (vassalagem) aos negócios e à/s potência/s dominante/s. No caso português, não é necessário ir buscar muito longe, nem ser um «águia» em política, para se perceber que os patrões de Portugal são os países ricos da EU e os EUA.
No essencial, toda a política observável em Portugal deve ser entendida como epifenómeno, decorrente do papel geoestratégico que lhe está reservado, na nova ordem mundial, instaurada com a uma NATO triunfadora do Pacto de Varsóvia.
Para consolidar essa dominação mundial, os donos deste mundo unipolar precisam de demonizar outras culturas, outras civilizações, fabricando, tanto quanto for necessário, o cenário artificial dum choque entre civilizações (avançado pelo politólogo reaccionário Hungtington).
Veja-se o papel desempenhado pelo governo e presidência da república de Portugal na cimeira dos Açores, de preparação para a II guerra do Iraque; ou ainda, na guerra contra a Jugoslávia, na «pacificação» da Bósnia, do Kosovo ou, mais recentemente, do Afeganistão. Estes desempenhos não deixam dúvidas. É típico de países neo-coloniais, que as suas tropas sirvam como auxiliares para guerras da grande potência, sempre no quadro fictício de uma «aliança». Trata-se de ter em conta este facto político básico, fundamental.
Não nos devemos contentar com isto, porém; devemos questionar-nos porque motivo este discurso não tem eco, porque não suscita debate, porque há um «silêncio ensurdecedor» em torno deste tema. É um autêntico «tabu»! Trata-se de outro exemplo de não inscrição, de «arte» da omissão, pelos actores da política.
Quando ruiu o «socialismo real» (na verdade, apenas capitalismo de estado, totalitário) a esquerda ficou órfã, não de uma ideologia, mas sim de uma motivação prática. Ela não consegue ver-se senão como «gestora» de um Estado, onde estejam nacionalizados os principais meios produtivos. Tem tendência a associar-se à construção do super-estado europeu (EU), mesmo quando rejeita o tratado de Lisboa e critica o projecto, de cunho inegavelmente neo-liberal.
Esta esquerda, sem quaisquer ideias e baseada em estruturas nacionais, apenas fala dum «internacionalismo» do século XIX. Ideia totalmente esvaziada. Nesse século, era um poderoso factor de mudança, pois permitia juntar a auto-determinação dos povos submetidos ao jugo de potências imperiais, à luta pela emancipação do proletariado, quer dos países dominantes, quer dos dominados.
Na realidade, esta esquerda guarda uma visão nacionalista de esquerda, que se faz passar por «internacionalismo», mas que se resume a clamar por «soberania», como se as nações ou os povos fossem os principais ou mesmo exclusivos protagonistas da arena política internacional. Sobretudo, «esquecem» que essa tal soberania – afinal - é somente o reconhecimento pela burguesia internacional, do direito da burguesia de um determinado país em explorar - a seu bel-prazer - os «recursos humanos e naturais».
Hoje, trata-se antes de fazer viver um novo cosmopolitismo, uma visão não inter-nacional, mas sim trans – nacional.
São transnacionais os monstros que impedem a felicidade humana no século XXI, os grandes conglomerados, as grandes corporações: dominam não apenas os mercados, mas toda a economia; não apenas extraem lucros fabulosos, como condicionam os governos dos países (os mais poderosos incluídos) a governar de acordo com seus interesses.
Mas a crise presente veio demonstrar, para além de qualquer dúvida, que não há salvação para o género humano, dentro do capitalismo.
Face a este estado de coisas, veremos uma série de políticos profissionais a clamarem contra o capitalismo, como um bom estribilho eleitoral, como se vê já em França e noutros países europeus. Portugal, também, tem muito «anti-capitalista» sério, cordato, racional, dizendo - em resumo - que é preciso mudar este sistema, mas mudá-lo através do voto, para que não seja através da revolução, com seu cortejo de barbaridades, banho de sangue, etc.
Em suma, vemos já a entrada em cena dos reformistas eleitorais procurando iludir o povo trabalhador e sacrificado a cada crise, com a ilusão de que a mudança está nas suas mãos, mas através do voto. Estes mesmos gostam de «argumentar» com Obama, como se este tivesse mudado algo de fundamental na estrutura do poder dos EUA. «Mudar sim, de maneira ordeira e progressiva, pelo voto apenas e somente», dizem os lobos ao rebanho de cordeiros.
O truque consiste sempre em dar às campanhas o tom por que as pessoas anseiam, dando-lhes a entender que eles, políticos, captaram a sua onda, prometendo realizar os anseios da multidão. É um truque velho da «democracia» por delegação; nuns países, este jogo é mais descarado que noutros. Em Portugal, este jogo é tido como «legítimo», não penalizador da popularidade de políticos, que jogam a cartada do populismo para se fazerem eleger e rasgam as suas promessas na noite das eleições, caso obtenham «maioria absoluta».
Esta maioria dá-lhes um poder muito grande, o de parasitarem o Estado: eles sabem-no e fazem uso descarado dele. Foi assim com Cavaco Silva, quando primeiro-ministro, igualmente com José Sócrates. Numa democracia liberal mais madura, tal não ocorreria tão facilmente, não porque houvesse maior virtude dos seus protagonistas, mas porque haveria contra-pesos, impedindo uma tomada do aparelho de estado pelos militantes e protegidos do partido no poder. Mas Portugal é um país neo-colonial.
Em que tipo de país podemos ver um primeiro-ministro indiciado pela Scotland Yard, envolvido num escândalo de tráfico de influências e de corrupção, mas que continua, sem se demitir, sem sair do poder, apenas porque o detém e domina a máquina partidária e estatal com mão de ferro? Em que regimes se vê um partido clientelar, mantido sob a batuta absolutista do seu chefe, impedindo que surja uma qualquer alternativa do interior? Onde, senão em países neo-colonizados, o demagogo de ontem costuma transformar-se, paulatinamente, num ditador?
Além disso, os poderes neo-coloniais costumam ser extremamente severos com as vozes independentes na comunicação social, não toleram que belisquem os seu «bom nome» e «honra», ameaçando e reprimindo todos aqueles que ponham em dúvida a sua probidade.
Os grandes que controlam essas marionetes, das «repúblicas bananeiras», não se importam muito com o cortejo obsceno de corrupção e de má gestão, desde que as marionetes façam o seu trabalho, ou seja, reprimam o necessário para que o país neo-colonizado assim continue; no tempo dos imperadores romanos chamavam-se sátrapas aos reis vassalos. O objecto, a razão de ser profunda da dominação neo-colonial, do ponto de vista da potência dominante, é a hegemonia sobre os recursos económicos. Em todos os sectores os recursos mais valiosos estão a saque:
·         São as pescas e a zona económica exclusiva, completamente entregues às frotas dos países pesqueiros mais fortes da EU, nomeadamente de Espanha;
·         É o grande capital financeiro, com sede em vários países europeus sobretudo Espanha, Alemanha, Grã-Bretanha, França e Suíça, a tomar participação na banca e seguradoras;
·         Também se nota essa colonização no imobiliário, sobretudo escritórios e empreendimentos de luxo.
Tudo o que possui elevada margem de lucro é logo abocanhado por consórcios internacionais, em geral, com um «testa de ferro» português.
Com a agricultura passou-se algo diferente. Quando ambas as nações ibéricas aderiram à CEE, a Espanha invadiu o mercado português com produtos agrícolas bem mais baratos, mesmo quando de qualidade inferior. Os produtos portugueses não puderam competir. As falências ocorreram em série, em grande parte porque o poder político, querendo mostrar-se «bom aluno», antecipou a introdução da «PAC» (política agrícola comum), precipitando assim a ruína deste sector, fulcral para a sobrevivência de Portugal como entidade independente.
Não é necessário ser-se um génio da economia, para se prever onde isto tudo iria desembocar: passados vinte e cinco anos, estamos na cauda da EU, em inúmeros aspectos. Houve uma regressão da qualidade de vida para, pelo menos, dois terços da população.
Os portugueses recomeçaram a fazer o caminho da emigração, repetindo assim o dos seus pais e avós, que nos anos sessenta tiveram de ir trabalhar para os países ricos da Europa.
Mas agora, muitos dos emigrantes são jovens com elevada competência científica e técnica, que não encontram aqui um reconhecimento mínimo: a fuga dos cérebros está a acontecer em ritmo acelerado. São mais de 50 mil, estima-se, os jovens com grau de licenciatura ou mais elevado (num país com poucos licenciados) vivendo e trabalhando no estrangeiro: são emigrantes definitivos, encontraram nesses países as condições e reconhecimento, que não tiveram aqui. Cresceram e formaram-se com pesado investimento de suas famílias e do Estado, mas irão enriquecer as economias dos países mais fortes.
Que hipóteses restarão a este país? Terá um «futuro», sem dúvida, se assim se pode chamar: servirá de estância de férias para as classes trabalhadoras dos países mais ricos. À primeira vista o turismo é uma coisa boa, pois traz divisas, traz emprego, é riqueza para a nossa economia depauperada. Porém, não é assim tão simples:
·           Tal actividade ainda é a mais geradora de desequilíbrios demográficos, a população toda concentrada no litoral, as aldeias e vilas do interior a morrerem lentamente;
·         Causa impactos ambientais muito negativos, basta ver as estufas e rega intensiva no Algarve, as construções em locais frágeis, como a Costa Alentejana;
·            Quem não conhece os campos golfe, que se multiplicam como  cogumelos? São um atentado ecológico, desde os herbicidas e pesticidas usados em grandes quantidades, até à sua implantação em zonas desanexadas da Reserva Agrícola Nacional, para não falar das quantidades absurdas de água de rega desviada para esses consumos de luxo!
O interior, humanamente desertificado, sem explorações agrícolas, vai sendo ocupado pelo «deserto verde», o eucaliptal que tudo invade, não havendo sequer possibilidade de salvar o ecossistema do montado de sobro, um dos mais produtivos e variados ecossistemas mediterrânicos, um ecossistema que seria a base natural da nossa agricultura e indústria, em bases sustentáveis.
O país depauperado é também explorado no labor das suas gentes. Com o rebentar da crise internacional, descobrimos que o tecido industrial é largamente composto (80% aproximadamente!) por empresas sucursais ou subordinadas de empresas com sede noutros países. Estas empresas chamam-se «maquiladoras», no México e noutros países da América Central; apenas produzem para o mercado dos EUA. Cada unidade fabrica apenas alguns componentes, algumas peças, que são depois concluídas, reunidas nos EUA. Aproveitam assim o baixíssimo custo da mão-de-obra e a ausência de controlo em relação a regulamentação ambiental. Em Portugal passa-se o mesmo.
Estas maquiladoras fecham logo que o seu produto deixa de ser necessário à indústria automóvel ou de semi-condutores ou outra, no país sede. Ou logo que encontram condições de exploração mais impiedosas da classe operária noutros países. Isto acontece tipicamente com as maiores empresas da nossa indústria, quer em volume de facturação, quer em termos de postos de trabalho directos ou indirectos (ex: Qimonda, Ford Volkswagen).
O desenvolvimento, nos últimos 25 anos, resumiu-se a vender mão-de-obra barata aos patrões das transnacionais. Estes realizaram um óptimo retorno dos seus investimentos, com uma liberdade ilimitada de exportação dos seus lucros.
O governo nunca se deu os meios, nem esteve interessado em obrigá-los, quando decidiram deslocalizar (veja-se o caso da Opel e de muitas outras), a restituir as ajudas à implantação, permanência, ao emprego, etc. Desde isenções de impostos industriais ou das contribuições patronais para a segurança social, até ao fechar de olhos perante esquemas de facturação fraudulenta para escapar ao fisco, as grandes empresas transnacionais obtiveram tudo o que quiseram, aqui.
Portugal é - de facto - mais um país neo-colonial, um paraíso para o grande capital internacional. Pode ser uma antiga nação europeia, pode já ter sido uma potência colonial, isso pouco importa. O capitalismo não se importa com tradições históricas, ou com outra coisa, excepto com o lucro.
Oxalá, se comece a compreender este aparente mistério, de como um país, apesar de tão boas condições naturais, estar neste estado lastimoso.
A análise destes factos, o reconhecimento de que esta situação é típica duma neo-colónia, permitiria situar o discurso e acção no terreno da realidade.

Seria condição indispensável para se encetar um caminho de emancipação e desenvolvimento sustentável. 

MOVIMENTO DEMOCRACIA SOLIDÁRIA E A SAÍDA DO EURO

Participei ontém num debate organizado pela Associação Democracia Solidária sobre o nosso futuro na Europa, onde se falou sobretudo de aspectos relacionados com a política económica que nos é imposta, a troco de sermos membros da «eurolândia»: 

- Continuidade das políticas austeritárias, 
- Relegar para um plano de subordinação económica e política
- Desindustrialização
- Tutela do Orçamento
- Impossibilidade de autonomia 
- Imposição de regras arbitrárias e punitivas

Depois de reflectir sobre a sessão de ontém, 29 de Abril, na Associação 25 de Abril, chego a uma convicção mais profunda e clara: a democracia verdadeira neste país tem-nos sido sonegada em nome da «pertença à Europa». 

Não se pode fazer uma luta profundamente democrática e enraízada no povo sem abordar frontalmente a questão da soberania... ela foi-nos sonegada a partir de Maastricht (1992) e sobretudo do Tratado de Lisboa (2007). 
O povo foi tornado um escravo da oligarquia, a partir desse momento. 
A soberania do povo, em termos políticos, tornou-se um conceito somente decorativo, visto que tem sido negada sistematicamente pela legislação eurocrática.

Para realizar uma verdadeira libertação nacional, o povo português terá de se libertar, não apenas do euro, mas também da eurocracia... 
Terá de entrar em conflito internamente com os que nos venderam... tal responsabilidade «não pode morrer solteira».

As pessoas têm agora que escolher o seu campo: não podem ser pela democracia e serem europeístas... não podem ser pela independência do nosso país e aceitarem que as próprias instituições máximas do mesmo sejam comandadas a partir de Bruxelas...
Se este movimento crescer e se ramificar, se conseguir diálogos fecundos entre várias correntes, sem anátemas, nem dogmas, talvez tenha possibilidade de exercer uma certa pedagogia no seio da base dos partidos, sobretudo em muitos que não são filiados nem simpatizantes de nenhum partido, mas nem por isso desinteressados da vida política. Acho que, neste momento, não são assim tão poucos nem tão irrelevantes como isso.
Parece-me que a condição para que tal desenvolvimento desejável ocorra não é a procura desenfreada de um lugarzinho na media corporativa, através de um qualquer jogo de alianças partidárias eleitorais. Penso que esta associação pode desempenhar um papel muito pouco comum (infelizmente) no nosso país, a saber: ser realmente um fórum (não um clube fechado, não uma seita, não uma capelinha) onde as pessoas desejosas de debaterem civicamente os seus pontos de vista com outros, em respeito mútuo, possam fazê-lo sem receio.

Apoio todas as abordagens fecundas, que estejam claramente apontadas para um futuro para Portugal como país soberano, sem tutelas, sem estar sujeito à dominação de tipo neocolonial.



sábado, 13 de agosto de 2016

FOGOS FLORESTAIS: FATALIDADE OU DESÍGNIO


Nos noticiários sobre os fogos florestais estivais, que periodicamente assolam este país, são sempre postos em primeiro plano aspetos que, não sendo em absoluto falsos, são realmente epifenómenos, são realmente marginais.
Aqui, irei desvendar as causas profundas que são omitidas, ou apenas citadas ao de leve na média, com uma horda de «opinadores» que apenas reforçam estereótipos com as suas banalidades, quando não falsidades, produzidas em tom doutoral.
As vozes populares indignam-se com o facto dos causadores diretos destes crimes poucas vezes serem apanhados e quando o são, terem sentenças excessivamente «leves». As pessoas vulgares esquecem, na sua legítima indignação que, quanto muito, são presos uns criminosos de baixo nível, os que executam os crimes. 

Um dos mitos que acompanha desde sempre as narrativas sobre fogo posto é que deveriam ser punidos os responsáveis, para o exemplo. Porém, as pessoas não consideram como criminosos uma série de comportamentos e de incentivos a adotar e manter certos comportamentos, ou, no mínimo, incentivando ou proporcionando as circunstâncias para que os tais atos criminosos ocorram.

O abandono a que são votados os campos desde há meio século foi incentivado pelo regime fascista quando este decidiu estimular a criação das celuloses, nos anos 60 do século passado. As razões históricas são o abandono dos campos devido ao surto migratório para as grandes cidades e para a emigração (França e Alemanha), estimulando o desejo de criar uma grande indústria (as celuloses) que iria reforçar os impérios industriais existentes. Veja-se a história da implantação e desenvolvimentos das celuloses, dos grupos a elas associados. 
Esta política conjugava-se bem com a transformação dos campos, em que uma grande faixa do território (grosso modo o centro norte do país) se transformava num enorme eucaliptal, o chamado deserto verde, enquanto algumas zonas particulares eram selecionadas para agricultura de alto rendimento, com forte investimento de capitais e forte retorno.

Os barões que já tinham posições-chave, quer em grandes empresas pertencentes a grupos económicos, quer em estruturas estatais, ministérios, institutos de investigação do Estado, continuaram a controlar o setor, depois do 25A. 
Assim se explica que se continuou a proteger a indústria de celuloses, fortemente poluidora dos rios, despovoadora ao destruir a agricultura nas aldeias, causadora de desastre ambiental  em larga escala, origem dos incêndios incontroláveis que assolam este país quase todos os Verões. 
Muitos centros de decisão, em ministérios como agricultura, indústria, etc. foram dominados e corrompidos pelo poderoso lóbi das celuloses e afins. Uma figura tristemente célebre foi Álvaro Barreto, do PSD. Mas há muitas figuras importantes no lobby, ativo até hoje.

Outro grande fator foi a nossa entrada na CEE. Até então, havia uma luta entre setores do Estado, por ou contra a extensão da mancha de eucaliptal, que refletiam interesses contraditórios de vários setores da agricultura. 
Mas, a partir da «pré-adesão», Portugal foi decidida e abertamente empurrado para uma eucaliptização a todo o vapor, pelos burocratas de Bruxelas. 
Estes burocratas vieram repetidas vezes, «incentivar» os investigadores das áreas de biotecnologia a se capacitarem de que o futuro e a fortuna de Portugal seriam o desenvolvimento da energia «verde»! O que era isso? Era simplesmente transformar as três quartas partes do nosso território em floresta de produção, ou seja um «deserto verde», não para produção silvícola de alto valor acrescentado, como espécies de árvores dando boas madeiras, mas apenas para combustível. 
Tal enormidade ambiental era feita em nome da ecologia! Claro que nessa altura não havia preocupação nenhuma com a eventualidade de um extraordinário aumento da produção de dióxido carbono, que decorreria fatalmente da transformação dessa biomassa em quilovátios de eletricidade...

O plano dos burocratas de Bruxelas e das potências que dominavam (Alemanha, e França, principalmente), era completamente absurdo, o que foi logo visível para um jovem cientista, que participou num debate, durante uma reunião dos burocratas da direção-geral da CEE que superintende a investigação e os responsáveis por projetos nos diversos laboratórios e universidades deste país, por volta de 1986. 
Nunca mais me esqueço desse debate: eles desprezavam explicitamente as soluções de aproveitamento dos subprodutos agrícolas, pois eles não queriam que Portugal desenvolvesse a sua agricultura, mas o oposto… pois assim teriam este país como fornecedor de matéria-prima para a tal «energia verde», tudo isso envolvido em roupagens muito ecológicas!

Se nós virmos o abandono do interior do país, virmos como é absolutamente impossível manter uma floresta saudável, bem tratada, por despovoamento excessivo, se interrogarmos qual a causa de termos extensões de floresta ao abandono, quilómetros infindáveis de mato altamente inflamável, podemos dizer que determinados interesses pontuais poderão ser o incentivo para atear os fogos. Porém, a «estopa» para os fogos não será um emaranhado de interesses, conivências, cobardias que envolvem não apenas industriais, como agricultores absentistas, governantes, ou mesmo dos cidadãos que dão oportunidade a que políticas ecologicamente criminosas prossigam sem qualquer sanção? 
Todos eles, sabendo ou não, são joguetes da União Europeia «imperial-soviética»! 
Infelizmente, muitas pessoas, que gostam de pavonear-se por «boas causas», não procuram saber quais as verdadeiras causas, as reais origens destas tragédias, contentam-se em mostrar «solidariedade» (mas o que é isso, afinal? – uma descarga da má consciência!).
A única maneira de sermos eficazes aqui - como em tudo - é lutarmos contra as causas de raíz:
- A dependência neocolonial de Portugal; a secular submissão das pessoas a políticos salvadores; o conformismo e o deixa-andar, que pressupõem uma conivência do povo.

Quando alguém se vem lamentar destes terríveis e trágicos acontecimentos que são os fogos florestais de Norte a Sul e do interior às Ilhas Atlânticas, deve-se perguntar: 
Que fizeste, que fizemos nós para prevenir isso? Como é que se previnem essas catástrofes? Que medidas concretas a tomar? 
Só assim se poderá começar a reparar males que já têm muitos decénios - ou mesmo séculos- de existência!