sábado, 25 de novembro de 2023
ALGUMAS PALAVRAS SOBRE VIOLÊNCIA
terça-feira, 18 de abril de 2023
PORQUE NÃO SOU MARXISTA
De facto, apenas «cri» nas teorias marxistas na adolescência. Já no início da idade adulta, colocava várias objeções pertinentes, em especial, às versões leninistas do marxismo.
Com o meu afastamento da «religião» M-L (Marxista Leninista), pude ter abertura de espírito para ler clássicos da política, da economia política e da sociologia (secundariamente, pois eu estudava biologia, a minha maior paixão).
Devo dizer que conhecia bem as obras de Marx, Engels, Lenine, um pouco de Trotsky, de Mao e de outros. Muitos autores pró-marxistas eu li; também li muitos anti-marxistas, ou críticos das obras de Marx.
Foi importante para mim ler as obras críticas da ideologia marxista-leninista, de Dominique Lecourt, um filósofo francês. Também li outros autores. A hegemonia do marxismo e das suas tendências ou correntes, era notória na minha geração. Mas, igualmente notória, a ignorância sobre o conteúdo concreto das obras dos que se idolatrava.
Muito do que se passou (e passa) com o marxismo, faz-me pensar que, em termos sociológicos ou antropológicos, estamos perante uma religião sem Deus. Ou pior; que endeusaram «personalidades» dessa corrente política, sem o mínimo espírito crítico, mostrando assim que nem sequer o conteúdo objetivo das obras, tinham eles lido ou percebido.
Hoje em dia, compreendo quais as razões psicológicas (mas não lógicas) do fascínio e adesão a tais teorias. É que elas abarcavam um todo: O «materialismo dialético» era uma explicação última e uma fórmula simples que permitia reivindicar o estatuto de cientificidade para uma teoria de dialética hegeliana, com pedaços de materialismo mecanicista.
O século XIX, foi aquele em que se criou um culto da ciência. As pessoas acreditavam na «Ciência», acreditavam no papel libertador do ateísmo científico e do mecanicismo. Foi este, o cocktail ideológico em que banharam as elites burguesas e os revolucionários, quase todos, oriundos da mesma burguesia ascendente ou triunfante.
Na verdade, tive o privilégio de estudar a fundo as ciências físicas e naturais. Não apenas a biologia, mas igualmente a física (em especial a termodinâmica), a química (também ao nível experimental), a ciência dos sistemas, etc. A matematização dos modelos não me intimida; eu tive oportunidade de estudar muitos assuntos, que recorriam a modelos matematizados, da Biologia Populacional, à Teoria do Caos, aos Fractais...
Para mim, é evidente que o que se pensa ser a cientificidade da economia, em especial, das teorias neokeynesianas e monetaristas, deve-se ao uso de instrumentos matemáticos (por exemplo, os gráficos) mas sem assumirem ou explicitarem as enormes simplificações (o reducionismo) associadas. O não-iniciado fica impressionado com tanta matematização, do mesmo modo que fica impressionado com a matematização dos modelos da física, da química e mesmo da biologia.
Mas, a quantificação e o tratamento dos dados em termos estatísticos ou usando outras metodologias é útil, sobretudo, para expor uma teoria. Estou a referir-me, obviamente, aos ramos do saber que não sejam diretamente «matemática», incluindo a «física matemática». Faz parte da estratégia de exposição nas ciências naturais, apresentar curvas e gráficos, em conferências ou em publicações científicas. Mas, na maior parte dos casos, as matemáticas têm uma função auxiliar.
Em biologia, também se utiliza muito as matemáticas. Porém, o substrato último da biologia é experimental e continuará a sê-lo. Mais importante que a matemática, é a metodologia propriamente experimental utilizada, cujos dados podem ser traduzidos sob forma matemática, ou não. Os conteúdos das descobertas ou observações, podem ser descritos de diversas maneiras. Um excelente artigo na área de ciências biológicas pode nem sequer apresentar os resultados sob forma de dados estatísticos.
Esta longa digressão serve para nos precavermos da insistência de certos propagandistas, seja qual for a sua ideologia, em «citar» a Ciência, dizendo que estão «baseados» na Ciência, ou algo deste género. É confrangedor ver como esta evidente aldrabice funciona: Pois a Ciência não tem nada que ver com seus pronunciamentos políticos; aliás, a «ciência nunca prova nada» (G. Bateson). O pior é que eles são seguidos por muitas pessoas, fascinadas com as aparências. Mas isto não é novo; já no século XIX, usavam o mesmo «disfarce», para melhor levar o auditório a aderir às suas teorias políticas.
De facto, os verdadeiros cientistas, sobretudo os da ciência experimental, quer estejam no laboratório, ou em «atividade de campo», não têm hoje - nem jamais tiveram - grande interesse pelo marxismo; isso deveria surpreender os que aderem ainda à ideia de que o marxismo «se baseia na ciência», ou mesmo «que é uma teoria científica».
Marx era um filósofo, Engels, filho dum industrial e Lenine, de família de professores primários. Eles tinham a ideologia «silenciosa» do cientismo da época; imbuíram as suas políticas de «teorias ad oc», que «justificavam cientificamente» suas teses propriamente políticas. Eles conseguiram arrastar consigo uma parte da intelectualidade da época, pois o discurso deles parecia científico e isso impressionava muitos. Ainda hoje, alguns se deixam impressionar. Se lerem, por exemplo, a obra «Materialismo e Empiriocriticismo », compreenderão que se trata de uma obra panfletária de Lenine, que discorre sobre questões fundamentais da natureza da matéria, segundo as teorias em debate na época . Mas, Lenine não percebeu realmente o debate entre várias correntes da física, nem estava à altura de poder discutir os méritos e fraquezas de cada uma. É um exemplo interessante, pois mostra como questões científicas, foram abusivamente enquadradas na moldura ideológica do «materialismo dialético». Lenine atribuiu adjetivos de «progressista» ou de «reacionária», a tal ou tal teoria e aos cientistas a estas associados.
O mesmo processo, mas em mais trágico, pois muitos cientistas foram mortos ou deportados, passou-se com o decretar da genética como ciência «burguesa», por Estaline e seu protegido Lysenko. Foi importante, para a minha formação, ler a obra sobre Lysenkismo de Dominique Lecourt. É daquelas «lições» que nunca se esquecem. E se nos esquecermos, há líderes e sociedades que voltam a cair nos mesmos erros. O lysenkismo foi nos anos 30 do século XX na União Soviética do estalinismo triunfante. Infelizmente, viu-se um ressurgir recente daquele comportamento no mundo contemporâneo: A histeria «covidiana», desencadeada pelo poder, a campanha de violência difamatória contra as pessoas com espírito crítico, a «caça às bruxas», etc.
No que toca à teoria política, propriamente dita, é um facto que não existe libertação ou emancipação, se a sociedade estiver sujeita a um governo totalitário, que se considera incumbido duma tarefa «messiânica». Um poder que fala em nome da classe operária, do proletariado, não se importando, porém, de o esmagar da maneira mais rude, de lhe retirar todos os meios legais de contestação. Uma pessoa medianamente instruída e que tenha convicções socialistas/comunistas irá naturalmente divergir da teoria política marxista leninista, perante a observação da «práxis» dos mesmos, quando alcançam o poder.
Eu estive muito interessado nos primeiros socialistas que eram, quase todos, da vertente «não-autoritária»: William Godwin , Gracchus Babeuf, Charles Fourier, Pierre-Joseph Proudhon, e muitos outros, vilipendiados por Marx e marxistas de hoje, que continuam a repetir as difamações de ignorantes, contra esses pioneiros. Na verdade, o que os primeiros socialistas não-autoritários «descobriram», foi retomado e aperfeiçoado por várias gerações de socialistas libertários ou anarquistas, pioneiros em associações não baseadas no lucro e na desigualdade, que estiveram largamente envolvidos na criação e desenvolvimento dos sindicatos, que fundaram muitas cooperativas, etc. A difamação foi pôr-lhes um rótulo («socialistas utópicos») que não lhes corresponde, que os ridiculariza: Marx era costumeiro disso, em dar etiquetas falsas, em relação a pessoas que ele detestava.
O século XXI tem demasiados desafios próprios, para as pessoas ficarem tomadas pela «paixão pelas coisas mortas». Eu quero com isso dizer que o passado, a história, não são para ignorar, mas também não se devem mitificar. Não se ignorem as realizações, as teorias e as reflexões dos séculos anteriores, mas deve pôr-se tudo isso num contexto apropriado.
A intolerância e o fanatismo, em pessoas que se dizem socialistas é exatamente tão contraditória, como em pessoas que se afirmam cristãs. Aliás, o cristianismo é uma das fontes e das inspirações do socialismo - comunismo - anarquismo: desde a Reforma no século XVI, passando pelos movimentos sociais dos séculos XIX e XX, até aos movimentos de hoje.
domingo, 5 de fevereiro de 2023
INDIVÍDUO / COLETIVO
sábado, 18 de junho de 2022
MITOLOGIAS (VII) O GRANDE MITO DO NOSSO TEMPO
quarta-feira, 27 de abril de 2022
VER O MUNDO DE OUTRA FORMA?
Lenine dizia... mais ou menos, isto: «Há décadas em que não se passa nada de muito relevante; e depois, surgem períodos em que os acontecimentos se precipitam, dando a sensação de que se viveram décadas, durante apenas uns meses ou semanas.»
Esta citação pareceu-me adequada para abrir uma reflexão sobre a mudança e - em particular - a mudança que temos experimentado, nos últimos anos. Temos a sensação de que a História se acelerou, de que grandes transformações ocorreram, de que se passam muitas coisas insuspeitas do grande público e mesmo de muitos dos peritos, que têm o potencial de transformar a nossa relação com o mundo, com o Estado, com a sociedade, com a economia, etc.
Seria muito interessante avaliar as diversas expetativas do que seria o século presente, enunciadas por eminentes intelectuais ou políticos no século anterior (século XX): Muitas delas revelaram-se muito distantes do real, quando confrontadas com os acontecimentos da história recente. Mas este exercício não se destinaria a fazer «chacota» dessas pessoas (nós também, tínhamos perspetivas que se revelaram falsas!), nem a nos mostrarmos mais clarividentes, que os nossos contemporâneos.
Esse exercício mental seria um bom «remédio» para as pessoas (de quaisquer setores do espectro político-ideológico), que estão cheias de certezas, capazes de dar resposta a tudo, etc. Seria, afinal, um exercício de humildade, se efetuado honestamente. Obrigava-nos a ir aos fatores fundamentais e analisar, não a partir dos nossos desejos, ou das nossas construções ideológicas, mas a partir da realidade.
Veio-me à memória outra citação de Lenine; ele dizia: «Os factos são teimosos!».
Não creio estar errado, se disser que a economia real deve prevalecer - numa visão de conjunto - sobre a economia financeirizada.
Com efeito, as necessidades globais em alimentação, energia e matérias-primas, sobrepõem-se (muito visivelmente, agora) aos movimentos erráticos e caóticos do dinheiro especulativo. Porém, este facto não é particular à época atual; sempre foi assim! Mas, quando existia bonança ou, quando o abastecimento dos mercados em relação a esses produtos (alimentos, energia, matérias-primas), estava a funcionar normalmente, a atenção das pessoas era puxada para a componente especulativa da economia, ou seja, para a ganância do lucro, de «fazer dinheiro» com dinheiro.
Se nós tomarmos um bocado de recuo, agora, neste momento particularmente conturbado da cena internacional, com as repercussões enormes que se estendem em todos os setores da economia, com particular incidência nos aspetos mais vitais, o que vemos? Vemos que a globalização capitalista, a engenharia económica e financeira, para aumentar as mais-valias da exploração do trabalho, com a exportação de fábricas e outros meios para os países do «Terceiro Mundo», onde não havia regulação séria do mercado de trabalho e onde era possível as multinacionais aí instaladas obterem um rendimento muitas vezes superior ao obtido na América do Norte ou na Europa, essa globalização ruiu.
Ela, globalização, ruiu e os países em «piores lençóis» são exatamente aqueles cujas burguesias mais beneficiaram dessa exploração acrescida, durante a fase de expansão e internacionalização mais agressivas do capital.
As pessoas ainda não perceberam, porque continuam embaladas na ideologia neocolonial, ou no consumismo acéfalo, mas o facto é que as componentes tecnológicas essenciais estão a ser fabricadas pelas nações e pessoas que elas (no fundo) desprezaram. Estas pessoas são técnicos altamente qualificados, engenheiros, investigadores, que enxameiam muitas das instituições de ponta do orgulhoso «ocidente» e, sem elas, simplesmente não haveria capacidade humana para realizar o trabalho de investigação e desenvolvimento, nos vários setores. Eu sei isso muito bem, pois tenho acompanhado na minha área (biologia molecular e genética) essa progressão, mas tenho informação segura de que se passa o mesmo, noutras áreas muito diferentes, mas igualmente ditas «de ponta».
Assim, o próprio desenvolvimento da economia financeirizada, o capitalismo na fase senescente, veio dar - a ele próprio - a machadada final.
O efeito político e geoestratégico disto é o que estamos a presenciar neste ano de 2022. Uma separação radical em dois mundos, o eixo Russo-Chinês, incluindo a Índia e muitos parceiros da Ásia Central e do Sul, além de uma ampla gama de acordos com África, América Latina e mesmo em setores da Europa. Por outro, um mundo dito Ocidental, que está mais ou menos limitado à Europa da UE, ao Reino Unido, aos EUA e aos anglófonos Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Neste bloco, os EUA reinam como potência hegemónica, ditando o que se deve ou não fazer e que posições tomar, até ao pormenor.
Atrevo-me a dizer que não haverá mais globalização liderada pelo «Ocidente», pois ela foi propositadamente deitada abaixo, tendo os estrategas norte-americanos decidido que era melhor assim para o seu poderio. Esta tendência já se afirmara claramente no consulado de Donald Trump. Agora, apenas está a ser levada ao extremo pelos neocons que decidem a política em Washington.
Segundo esta visão, é melhor ter uma mão forte, segurando um conjunto de países-vassalos (os da NATO e sua réplica no Pacífico), ao Império ter que se confrontar em permanência com competição, resultante da ascensão económica e geoestratégica dos que não se conformam com sua ditadura. Eles chamam isso: «Rules based order».
Isto serve também, ao fim e ao cabo, os interesses geoestratégicos da Rússia e da China, que estão apostadas ambas em maximizar a conectividade entre si e com os países da Organização de Cooperação de Xangai.
No meio, ficam nações falidas, destruídas pela guerra : a Ucrânia é a última de tais nações, mas não devemos esquecer a Líbia, o Afeganistão, o Iraque, o Iémen, e outras... Cada uma dessas nações terá de se reconstruir após guerras cruéis, o que poderá corresponder a decénios.
Nunca a história volta atrás; O que aconteceu num dado período, deixa um traço indelével que se prolonga até ao presente. Sem inteligência da História, dum modo aprofundado, somos conduzidos por clichés, por preconceitos, por ideologias de pacotilha.
Nunca é fácil compreender o mundo. Ele não se rege por qualquer «lei», ao contrário do que Marx e os marxistas criam; o mundo dos homens, das sociedades, das civilizações é caótico, ou seja, não é possível se aplicar qualquer «lei, regra ou princípio».
É preciso compreender isto e compreender que o mundo natural - o mundo das necessidades energéticas, incluindo alimentação, que é afinal energia para o nosso corpo - esse obedece a certas constrições, que não se podem eliminar: as leis da termodinâmica, as leis da vida, das leis genéticas até às leis que governam as populações; as leis da ecologia, dos sistemas renováveis e dos recursos finitos, etc.
As pessoas que têm formação em biologia ou áreas conexas, têm natural propensão em ver o mundo deste modo: Este modo de ver, se não for transformado numa pseudo- ciência, ou numa forma atualizada da ideologia cientista dos séculos XIX e XX, pode ser um instrumento muito mais fértil, quer para a prospetiva, quer para a planificação flexível.
Afinal, o melhor modelo é aquele que passou «o teste» de Éons de evolução biológica: Compreender a fundo estes mecanismos não implica compreender tudo o que respeita ao mundo dos humanos e suas sociedades, mas ajuda a colocar a economia, a sociologia e política, em perspetiva.
quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022
SISTEMA REALMENTE NATURAL DE VALOR (EM ECONOMIA E EM TUDO)
Sempre tive um grande respeito pelas coisas da Natureza. Sempre me interessei pelos mecanismos subtis e realmente adaptados aos seus fins que constituem os sistemas naturais, desde a mais insignificante bactéria, até aos ecossistemas mais exuberantes, regurgitando de vida, como as florestas tropicais /equatoriais.
Aquilo que caracteriza a nossa época, é um enorme avanço nas ciências, em particular na Biologia, e - em paralelo - um total obscurecimento da mente humana, devido a uma ideologia mecanicista, derivada da «mentalidade de engenheiro» (os bons engenheiros me perdoem!), que prevalece, assimilando o humano e todas as criaturas vivas, a máquinas. Pior ainda, este mecanicismo afirma-se sem qualquer consciência de que o é. Ou seja, nem sequer é uma posição filosófica assumida como tal. Por isso, leva as pessoas, quer sejam muito pouco instruídas, quer tenham os mais brilhantes estudos e títulos académicos, a se comportarem como aquele indivíduo que serra o tronco da árvore no qual está sentado. Os sistemas naturais estão em perigo permanente, devido à predação e depredação - sob todas as formas - que é levada a cabo, devido à acumulação de detritos, poluentes de toda a espécie, produzidos e não apenas impossíveis de serem reciclados pela Natureza, como fator de destruição de espécies e dos seus habitats. No meio disto, a ideologia dominante inventou uma muito exagerada, senão falsa, ameaça do «efeito de estufa» culpando o CO2 pelos piores males do planeta, quando se trata de um gás como outros: Até, com papel fundamental no ecossistema global, visto que é a partir deste, que todas as plantas efetuam a fotossíntese e é graças a ele que temos temperaturas amenas, em grande parte do planeta e uma estabilidade relativa das mesmas, coisas que seria impossível existirem, sem o tal efeito de estufa.
Mas, o objeto deste artigo é outro. Resumindo a minha tese:
Os objetos naturais e - em particular - os sistemas vivos, são o modelo natural de que os homens se deveriam inspirar em primeiro lugar, para a construção de seu modelo de economia. Com efeito, se observarmos com atenção, a Natureza «inventou» as formas mais eficazes de captar, aproveitar, reciclar e conservar a energia, assim como as matérias-primas de que carece, para construir suas estruturas e manter em funcionamento os organismos.
A Natureza tem uma eficácia global inultrapassada, no que toca às reações químicas: os sistemas enzimáticos e seu papel na fisiologia da célula, de qualquer célula (desde a bactéria, ao homem), são duma eficácia inigualável pela Química contemporânea. Muitas reações correntes nas suas células, caro/a leitor/a, são absolutamente impossíveis de acontecer em sistemas não vivos, à temperatura e pressão normais. Apenas sistemas com temperaturas e pressões incompatíveis com a vida, poderiam permitir que tais reações (corriqueiras nas células) tivessem lugar e, quase sempre, com rendimento menor ao que se verifica na célula viva.
Logicamente, querendo resolver problemas de engenharia, seja ela naval, aeronáutica, química, etc. muitos engenheiros e inventores se voltaram para os seres vivos e tentaram adaptar os modelos desenvolvidos por «Éons de evolução» e que têm comprovadamente a maior eficácia, em termos energéticos e do aproveitamento inteligente dos recursos ambientais.
Mas, os sistemas vivos também conseguem fazer uma gestão otimizada nos seus sistemas internos: A economia intracelular funciona, graças ao ATP e outras moléculas com papel nas trocas de energia. Na era em que se trata de sair das divisas emitidas pelos Estados, em que se tenta um sistema desmaterializado do dinheiro, como não pensar no inteligente «porta-moedas» que constitui o sistema bioquímico de "ATP-ADP-AMP"? Este, associado a outros do mesmo tipo (GTP,etc), encarrega-se de assegurar que os saldos positivos (ou seja, as reações exo-energéticas) sejam transferidos para reações devoradoras de energia (reações endo-energéticas).
Os sistemas evoluíram no sentido de fazerem o máximo com o que tinham «à mão de semear». Assim, por exemplo, numerosas proteínas, enzimáticas e outras, têm o ferro como elemento não-proteico na sua estrutura, pois este é o mais banal de todos os metais de transição. Estes são metais que possuem uma camada interna dos eletrões, não inteiramente preenchida e podem, portanto, efetuar ligações químicas muito interessantes, aproveitadas pelas enzimas.
As formas de reserva de energia são muito eficazes; contêm um stock de energia facilmente mobilizável, em caso de necessidade, para o organismo. Há polissacarídeos, como o amido ou o glicogénio, que preenchem esta função. Mas, o organismo tem uma reserva «estratégica», que são os lípidos, as gorduras armazenadas em tecidos especializados (tecidos adiposos).
O papel de centrais energéticas celulares é preenchido pelas mitocôndrias, nos seres eucarióticos. Conseguiu a Natureza, nos eucariotas, incorporar e domesticar certas bactérias que usavam o oxigénio como oxidante, ou recetor final de eletrões numa cadeia de oxidação, com várias etapas associadas à síntese de ATP. Assim, a incorporação de novidade trouxe, nos alvores da vida na Terra, esta variedade de formas que hoje conhecemos.
A Evolução Biológica é o processo que permite a otimização dos seres vivos e opera à escala de biliões de anos. Em cada geração, numa determinada espécie, no entanto, podem dar-se transformações, que se espalham em pouco tempo. Temos aqui um modelo de como combinar a conservação daquilo que tem sido positivo ao longo das gerações, com a aceitação e difusão rápida de inovação, caso esta realmente se traduza em vantagem para os indivíduos que a transportam.
As «soluções» que os engenheiros encontram* para os problemas da nossa civilização, são extremamente pobres, têm pouca maleabilidade e não têm em conta as externalidades. Por exemplo, a poluição associada ao seu fabrico e uso: São inevitáveis, a um, ou outro nível. Mesmo quando publicitam que tal ou tal aparelho «não poluí», da sua construção não falam, nem da destruição dos ecossistemas e esgotamento das matérias-primas.
A economia humana pode caraterizar-se pela quantidade de desperdícios, dos produtos que se transformam em lixo, muito do qual não é reciclado (e nalguns casos, nem é reciclável). A Natureza recicla e aproveita sempre os materiais; o desperdício de uma espécie, é o nutriente de outra. «Nada se perde, tudo se transforma» (Lavoisier): Não sei se a célebre frase está correta à escala do Universo, mas à escala da Biosfera, está corretíssima.
Os seres vivos não vivem para «acumular dinheiro». O seu equivalente do dinheiro, é a energia. Ela é vista como deve ser, como um meio para alcançar um fim. O fim (de qualquer ser vivo) é a manutenção em vida saudável do indivíduo e a sua reprodução. Não existe obesidade em animais selvagens; mesmo quando têm abundância de alimento. Pelo contrário, os que vivem como animais de estimação na sociedade humana e estão sujeitos às «lógicas humanas», são cada vez mais obesos (ou seja, doentes), tal como os seus donos...
Por estranho que pareça, não há muitos sistemas teóricos que usem - na economia, sociologia, ou noutras ciências sociais - a modelização a partir do que foi observado na biologia dos indivíduos, dos grupos e dos ecossistemas. Historicamente, a economia e a sociologia desenvolveram-se e criaram seus paradigmas no século XIX, quando a ciência biológica estava ainda na sua infância. A compreensão do mundo vivo explodiu literalmente no século XX. Essa explosão prolonga-se no presente século.
Eu sei que existem modelos que tentam mimetizar o processo da Evolução Biológica, mas também me parecem pobres, inadequados. Talvez, porque são feitos por economistas, filósofos ou outros, que veem do exterior a Biologia e a Evolução. Não sei se a era da biotecnologia irá mudar o modo como «decisores» políticos, e outros, encaram as questões. Atualmente, vejo antes «uma invasão» de mentalidade tecnocrática, típica de economistas e engenheiros, a infestar os cérebros, nos domínios da biologia aplicada. Talvez seja uma fase transitória. Porém, a formação dos cientistas (sejam biólogos, sejam outros) é cada vez mais precocemente especializada, pelo que eles não têm uma visão panorâmica quer na Natureza, quer da sociedade humana. Para haver inversão de paradigma, seria preciso haver uma mudança radical, ao nível da formação académica.
Basicamente, o que a Natureza nos ensina, é muito simples de adotar porque temos o próprio modelo em funcionamento, literalmente, debaixo dos olhos. Quer o tomemos tal como ele é, quer o transformemos, para servir nossos propósitos, estamos somente a operar como «oportunistas», que se aproveitaram duma longuíssima cadeia de ensaios (desde que a vida começou, há mais de 4 biliões de anos!) e que colhem os frutos da sabedoria acumulada. Mas, afinal, é o mais natural e biológico a fazer.
Aliás, pode dizer-se que foi graças a essa atitude, que uns frágeis símios das savanas, há uns milhões de anos, criaram a sua tecnologia, transmitiram esse saber técnico e construíram sociedades baseadas na troca, evoluindo até à humanidade de hoje!
Sinto-me impotente para explicar melhor o meu sentimento: Seria preciso haver, na nossa época, maior cooperação e menos competição. Não considero isto original, nem pretendo que o seja, mas tenho impressão de que esta visão da Natureza é desprezada pelos meus contemporâneos. Creio que houve momentos na História das Sociedades e Civilizações, em que a Natureza foi muito mais respeitada, foi seguida como fonte do que é bom, justo e apropriado (a «Mãe-Natureza»). Quanto mais tarde a humanidade regressar ao paradigma natural, desde a sociologia, antropologia, psicologia, política, urbanismo, à economia, mais irá sofrer. Sofrimento absurdo, porque não há necessidade, nem vantagem, em continuar neste jogo sadomasoquista de destruição, de depredação e de domínio violento sobre a Natureza e os homens.
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(*) Vejam-se os exemplos dados por Fressoz, na sua conferência, AQUI.
PS1: Pensar-se que o dinheiro é algo «neutro», que é um mero instrumento, que depende só das mãos em quem ele está, é um erro crasso. As pessoas que acreditam nisso, são demasiado ingénuas e podem ser exploradas pelos espertos sem escrúpulos. Quando às que detêm realmente as alavancas do dinheiro, desde a sua emissão, à circulação e à distribuição, sabem que tal não é assim. Dirão que é um instrumento neutro, para confundir e ocultar o facto (tão evidente, afinal) que «quem detém o poder de emissão da divisa de uma nação é quem detém o poder verdadeiro, ao ponto de lhe ser indiferente quem governa e quem faz as leis»... Este pensamento, atribuído a Mayer Amschel Rothschild, continua a ter plena atualidade.
O sistema monetário «fiducitário» (ou seja, o dinheiro baseado «na confiança» que o público tenha nos que o emitem), é a base do poder da finança. Mas, para que outro sistema o venha substituir, não apenas tem de ser operacional nas condições atuais, mas deverá ter clara vantagem sobre o sistema que ele substitui. Creio que é esse o problema principal contemporâneo; a manutenção e evolução de uma civilização mundializada passam por aí.
terça-feira, 16 de março de 2021
PARADIGMA TECNOCRÁTICO VERSUS PARADIGMA BIOLÓGICO*
Estamos a viver uma transformação -real e profunda- em todos os domínios. A começar pela nossa própria capacidade de subsistência. E, indo ao ponto de subverter as nossas imagens/representações do mundo, os nossos valores, a nossa maneira de nos relacionarmos com os outros e com a Natureza.
sexta-feira, 3 de julho de 2020
POÇAS DE CUATRO CIÉNEGAS (MÉXICO) REVELADORAS DA EVOLUÇÃO
[todas as fotos foram retiradas do artigo citado]