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sexta-feira, 1 de março de 2019

POR QUE MOTIVOS FALHARAM AS CONVERSAÇÕES TRUMP-KIM EM HANOI?



Artigo de Manuel Baptista inicialmente publicado em:



A imprensa internacional «mainstream» apenas tem dado eco às declarações de Donald Trump, logo após o cancelamento brusco da cimeira:
“Era basicamente acerca das sanções,” disse o Presidente Donald Trump aos repórteres após cessar as negociações com Kim Jong-un. “Queriam as sanções levantadas na íntegra e nós não podíamos fazer isto. Ás vezes tem-se de abandonar conversações e foi exactamente o caso disso.”
As declarações de Ri Yong-ho, o ministro dos negócios estrangeiros da Coreia do Norte, afirmam circunstâncias bem diferentes:
A Coreia do Norte pediu o levantamento parcial das sanções …“que tolhem a economia civil e os meios de subsistência do povo,” referindo partes de cinco resoluções da ONU de 2016 e de 2017. Existem, no total, 11 resoluções da ONU impondo sanções à Coreia do Norte.
Além disso, o compromisso de Junho de 2018 deixava bem claro o que fazer de uma e outra parte e qual a sequência do processo.
O Presidente Trump e o Secretário-Geral Kim Jong Un afirmam o seguinte:
1.  Os Estados Unidos (EUA) e a República Democrática Popular da Coreia (DPRK) comprometem-se a estabelecer relações de acordo com o desejo dos povos de ambos os países, pela paz e prosperidade.
2.  OS EUA e a DPRK juntarão seus esforços para conseguir uma paz duradoira e estável na Península Coreana.
3.  Reafirmando a declaração de Panmujom de 27 de Abril de 2018, a DPRK compromete-se a trabalhar em direcção à completa desnuclearização da Península Coreana.
4.  Os EUA e a DPRK comprometem-se a resgatar os restos mortais de prisioneiros de guerra e de soldados combatentes, incluindo o repatriamento imediato dos que já estão identificados.

Após oito meses, nem a abertura de embaixadas, nem um levantamento de sanções foi assinado. A Coreia do Norte destruiu túneis de teste de armas nucleares e uma rampa de testes nucleares. Alguns restos mortais de prisioneiros de guerra/soldados foram repatriados. Mas do lado dos EUA não houve quaisquer medidas que correspondessem ao cumprimento dos seus compromissos.
A «cereja no bolo» foi o aparecimento extemporâneo de John Bolton, o conselheiro de segurança de Trump, que teria – segundo a imprensa sul coreana – feito exigências suplementares sobre destruição de armas químicas e biológicas da Coreia do Norte – o que, manifestamente, não se encontrava na agenda – perto do final das conversações, tendo por objectivo fazer capotar a hipótese de um acordo. 
A opinião pública sul coreana reagiu com desânimo e incredulidade ao comportamento leviano, que atribui à delegação dos EUA.
Resta compreender como e porquê, o Presidente Trump está mais preocupado em agradar ao ramo mais conservador e belicista da Administração, do que ao seu próprio eleitorado. Tem-se a sensação de que o Presidente ficou refém do «Estado profundo», não podendo satisfazer as promessas eleitorais de que iria descomprometer os EUA de teatros bélicos pelo mundo fora, concentrando-se antes na defesa das suas próprias fronteiras.

Leituras complementares:


https://tomluongo.me/2019/02/28/north-korea-talks-breakdown-trump-keeps-the-empire-happy/

segunda-feira, 28 de maio de 2018

CIMEIRA KIM - TRUMP: HAVERÁ, NÃO HAVERÁ?

                       US officials in talks with North Korea over Trump-Kim summit – State Department
     [soldado sul coreano, fotografado no local de reuniões na linha de separação norte-sul coreana, em Panmunjom]

Decididamente, Kim Jon Un tem-nos habituado a sensações fortes, a voltefaces inesperados, a jogos diplomáticos subtis... tudo no oposto da pesada máquina da «diplomacia» americana, que apenas sabe jogar com o registo da ameaça da força bruta, militar, para vergar as outras potências, aliadas inclusive.
As afirmações de Pence estão na origem de um incidente diplomático, duma atitude de repúdio muito compreensível, expressa por uma ministra do governo Norte Coreano, portanto, para tomar como um aviso muito sério.  Em substância, o vice-presidente dos EUA, em entrevista televisiva, afirmou que a «solução líbia» (ou seja, o invadir, arrasar e assassinar o presidente) era a opção, caso as conversações de paz não chegassem a bom termo. Isto numa altura em que as diplomacias dos dois países se ocupavam com os pormenores para a cimeira Trump - Kim. 
Não há dúvida que Pence é um instrumento dócil do «Estado profundo» dos EUA, tanto mais que, na abertura dos jogos olímpicos de inverno, na Coreia do Sul há apenas alguns meses, tinha feito declarações muito ofensivas, pouco diplomáticas, até uma total ausência de cortesia para com a Coreia do Sul, ao comentar de forma provocatória os contactos exploratórios e a aproximação «olímpica» entre as duas Coreias.

Estes episódios rocambolescos que antecedem a famosa cimeira não devem dar qualquer ilusão de que é neste cenário que coisas importantes se vão decidir. Quando a cimeira ocorrer, se tiver lugar, tudo já estará tratado. Mesmo  assim, vai ser importante para Trump, como um golpe de publicidade para a sua capacidade na arena internacional e para Kim, como consagração do regresso (se é que jamais lá esteve) aos circuitos «normais» da diplomacia e da abertura da Coreia do Norte a um diálogo  com a República Sul Coreana...

Nos EUA  - e, mesmo, na Coreia do Sul - não são poucas as forças que desejam e apostam no fracasso destas iniciativas de paz. 
A guerra é o seu sustento: Literalmente, no caso dos fabricantes de armas e seu poderoso lobby; mas indirectamente, em relação a todos os que, quer sejam democratas, quer republicanos, têm feito a sua carreira em torno da reactivação da Guerra Fria. 
São estas as pessoas que fazem parte do «Estado profundo» (altos funcionários da CIA, NSA, Pentágono, Departamento da Defesa...), ou que por ele se deixam manipular. 
Pence, embora vice-presidente de Trump, mais parece um vice-presidente do «Estado profundo». É um actor secundário, mas ficámos a saber - pela sua própria boca - como é que seria - ao nível das relações internacionais - a «presidência Pence», caso ocorresse algo ao actual presidente (morte súbita, assassinato, impeachment...). 

Curiosamente, nos EUA, maior potência mundial, as políticas externas são ditadas - numa larga medida - pelas intrigas da política interna. Não existe visão geoestratégica de largo alcance, ao contrário do que seria de esperar, de quem pretende guardar para si a hegemonia mundial. 

sexta-feira, 9 de março de 2018

A ÚLTIMA FRONTEIRA DA GUERRA FRIA

https://www.youtube.com/watch?v=KrAwyzZwcMc





Desde a brutal e inconclusiva guerra da Coreia, os dois regimes - a Coreia do Norte e Coreia do Sul - viviam numa situação de tréguas instável. 
A Coreia do Norte evoluiu para um curioso regime totalitário de carácter autárcico, uma «monarquia vermelha», com uma sucessão hereditária de líderes carismáticos, até ao actual líder, Kim Jong Un. 
A Coreia do Sul viveu intensa repressão anti-comunista e anti-trabalhadores, tendo-se libertado dos aspectos mais odiosos da repressão através de um levantamento popular, nos anos oitenta. Mas o regime foi sempre oficialmente anti-comunista, totalmente alinhado com os EUA, os quais tinham neste período - pelo menos, até há bem pouco tempo - ditado qual deveria ser a atitude da Coreia do Sul, sua aliada nominalmente, mas na verdade sua colónia. Os sessenta mil militares estacionados permanentemente  em diversas bases, dispunham de armamento sofisticado de defesa e de ataque. Sabe-se que passaram por estas bases ogivas nucleares americanas, sem que estes dessem conta aos políticos e militares do regime do Sul. 
Para a estratégia dos EUA,  a Coreia do Sul tem constituído uma peça-chave do seu dispositivo. Com efeito, a existência daquele outro Estado arque-inimigo - a Coreia do Norte- tem sido muito conveniente, como pretexto para manter forças importantes em estado operacional permanente desde há vários decénios, não apenas na Coreia do Sul, como também no Japão. Graças a este pretexto, os EUA dispõem de meios de exercer chantagem militar sobre a China, ou Rússia, visto poderem também alcançar com seus mísseis, o extremo oriente russo. 
Depois do fim oficial da «guerra fria» em 1991, com a dissolução da URSS e o desfazer-se do Pacto de Varsóvia, o regime Norte-Coreano, arcaico e super-repressivo foi mantido, não por milagre, mas porque todos os vizinhos encontravam aí algo a ganhar. 
A Coreia do Sul tinha um inimigo cuja ameaça tornava indispensável que o «Tio Sam» ajudasse e protegesse a «frágil democracia» do Sul, dos «constantes intentos subversivos» dos «comunistas» do Norte. 
Os Chineses, possuíam um aliado incómodo, mas apreciavam a existência de um «tampão» entre as suas fronteiras e os dispositivos militares dos EUA, em bases permanentes e dotadas de todo o arsenal bélico, para atingir o território da R.P. da China. 
Os russos, tinham os mesmos motivos que os Chineses, em relação ao papel da Coreia do Norte como «Estado tampão». 
Os japoneses também tinham vantagem, pois assim conseguiam manter a protecção dos EUA. Além disso viam com bons olhos que a Coreia do Sul, seu concorrente industrial,  continuasse a braços com este problema, obrigada a desviar somas colossais dos recursos do Estado coreano para a defesa, incluindo a manutenção dum exército em pé de guerra permanente, para enfrentar uma hipotética invasão, ou qualquer provocação vinda do «irmão inimigo» do Norte. 
A abertura da Coreia do Sul à R.P. da China, os laços de comércio (70% do Comércio Sul-coreano é actualmente com a R. P. da China) e as políticas de boa vizinhança, além da existência de um grande cansaço da população em geral e mesmo de parte da oligarquia sul-coreana, perante este estado de guerra suspenso «sem fim à vista», levou a que, no início do novo milénio, a liderança de um presidente da «esquerda moderada» levasse a cabo a «Sunshine Policy» de abertura à Coreia do Norte: através de pequenos passos, do levantamento de certas restrições, da implantação de uma zona industrial na Coreia do Norte, onde as empresas do Sul poderiam investir, aproveitando baixos salários e boas condições de funcionamento garantidas pelo regime do Norte, etc. Esta política foi posta em causa - embora não completamente - pelos governos conservadores que lhe sucederam. 
Apenas com este novo presidente, Moon, as coisas se modificaram. Desta vez, os Jogos Olímpicos de Inverno foram ocasião para uma grande operação de «degelo» e de diplomacia desportiva, como todo o Mundo pode testemunhar. Os contactos prosseguem actualmente. 
As duas Coreias finalmente dialogam entre elas, sem pedirem autorização a nenhum dos «protectores». A presidência dos EUA, apesar de uma série de afirmações deselegantes e provocatórias do seu vice-presidente, durante os jogos Olímpicos de Inverno, viu-se na obrigação de apoiar o novo rumo das relações, segundo o conhecido ditado «se não os podes derrotar, junta-te a eles».
Tudo isto vai evoluir; de uma forma ou de outra, nada ficará como dantes. 
O destino que o regime Norte Coreano tiver, oxalá dependa apenas e somente da vontade dos seus cidadãos. Não acredito que, face a uma maior abertura ao mundo, havendo uma garantia de não-ingerência, o status quo permaneça intacto  por muito tempo. 
Ocorreram outras transições de regimes totalitários, «vermelhos» ou não: nada garante porém que, no caso da Coreia do Norte, se caminhe para um maior respeito pelos direitos humanos, pelos direitos de participação política na sua plenitude. Mas não há dúvida que, no interior do próprio regime, se irão fazer ouvir vozes clamando por mudança. 
A minha natureza, essencialmente optimista, em relação à espécie humana, faz-me crer profundamente que os povos, quando deixam de estar sujeitos ao medo, encontram naturalmente o caminho próprio para a felicidade. 
A felicidade deles também é a nossa, pois significa - não  meramente em termos simbólicos - que a página da «guerra fria», esse longo período de grave ameaça para a Paz mundial,  estará definitivamente virada.