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domingo, 21 de janeiro de 2018

ROSTOS DE CRIANÇAS Obras de Édouard H. Gandon e de Verónica O. Baptista



RETRATOS NA CASA DE FAMÍLIA

Quem olhe apenas para os móveis, os quadros, etc. vê que muitos correspondem a um passado anterior ao nascimento dos habitantes desta casa. Não estão, no entanto, dispostos como numa casa-museu. Esta, é uma casa viva, habitada, uma casa que respira. Nela, os objectos funcionam como pontes lançadas ao mundo dos antepassados. Estes entes queridos continuam a existir, por dentro da mente; eles partilham esta casa connosco, naturalmente.
 Assim, pode-se viver no meio de fantasmas, não no sentido trivial, mas etimológico do termo. Eles manifestam-se sob forma de retratos, belíssimos retratos que projectam olhares de tranquila e penetrante simpatia. 
Bem se poderia raciocinar que determinado olhar e expressão do rosto, tão perfeitamente captados, fossem dirigidos ao pintor, ou alguém que estivesse no campo de visão da pessoa retratada
Mas, de facto, a presença humana que se desprende de tais quadros é palpável. Quando contemplados, eles contemplam de volta o observador. 



RETRATO I                                                                  


                   


                         

Talvez o mais especial, para o autor deste blog, seja o pequeno quadro a óleo pintado pelo tio-avô, quando o sobrinho-neto tinha apenas seis anos: um rosto infantil, com um olhar sério e calmo, confiante.                                         
Que estaria esta criança pensando, no momento em que foi retratada? - Na verdade, o olhar vindo do interior do quadro, do passado,  dá-lhe um sentido de coerência e de totalidade. 
Porém, só muito tarde o Manuel teve consciência deste e de outros fenómenos. Distraído pelos afazeres da vida, triviais ou não, tinha ignorado aquela evidência! Ela tinha permanecido literalmente à frente dos seus olhos, durante várias décadas.  
Um dia, por acidente, o pequeno quadro foi danificado, ficou com um rasgão. Foi necessário um restauro. 
O restauro disfarçou o rasgão, mas alterou as subtis tonalidades da pele do rosto retratado. Presente no espaço familiar, o retrato deste menino de seis anos tem desempenhado um papel silencioso: o olhar da criança, perante o indivíduo adulto.


RETRATO II




RETRATO III
    


               




Verónica tinha herdado o talento de fazer viver um rosto, uma expressão, pela observação atenta e pelo traço que resume todo o mistério do ser, num sorriso, num olhar.            
Duas das suas obras mais notáveis são os retratos de sua irmã Joana P. Baptista, quando esta tinha oito anos e do seu irmão, Eduardo Baptista, quando este tinha cerca de seis anos. 
A Joana, tem o olhar fixado no longe; o olhar duma criança crescida, intensa, que procura o saber e a sabedoria.
O Eduardo, olha intensa e directamente para o observador, sorrindo. Seu olhar vai directamente ao encontro do nosso.


Murtal, 21 de Janeiro de 2018
Manuel Banet Baptista

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Sobre Édouard Honoré Gandon:












Sobre Verónica Oliveira Baptista:





http://manuelbaneteleproprio.blogspot.pt/2016/06/veronica-oliveira-baptista-obras-vol-4.html

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

EDOUARD HONORÉ GANDON, PINTOR LUSO-FRANCÊS DO SÉCULO XX

Há alguns anos, construí um blog inteiramente dedicado à obra do meu tio-avô, o pintor Edouard Honoré Gandon

Os quadros reproduzidos abaixo são uma pequena amostra da sua arte. Foram pintados por volta de 1960, pertencem portanto à fase mais tardia da sua produção. 
Tal como outras obras, pode apreciá-las no citado blog, onde coloquei uma breve biografia «In Memoriam E. H. Gandon».



Pai, Luíz Manuel P. Monteiro Baptista

                                              
                                                   Eu, Manuel Banet M. Baptista


                                                    Mãe, Georgette Banet M. Baptista


                                                Avó materna, Marie Louise Gandon Banet


                                                 Avó paterna, Júlia P. Monteiro Baptista

                       Tio-avô, Edouard Honoré Gandon

Penso que vale a pena explorar o museu virtual que é o meu site do pintor Edouard Honoré Gandon
Ele foi notável na fidelidade ao seu próprio estilo, à sua própria maneira de pintar. 
Manteve-se completamente alheio às diversas vanguardas do século XX. 
A sua obra, mal conhecida e pouco divulgada, é porém a de um observador sensível da natureza e dos homens.  

Todas as informações sobre obras suas serão bem vindas. 

O sobrinho-neto
Manuel Banet Baptista

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

A POESIA ESTÁ NO OLHAR



Meu tio-avô, Édouard Honoré Gandon, pintou este quadrinho, talvez por volta dos anos 50, do século passado. Ele tem-me acompanhado, como que a lembrar-me, permanentemente, como são maravilhosas as coisas mais simples: 
- Repare-se nesta fruta, um tomate e uma maçã, um copo de vinho tinto e uma toalha branca parcialmente arredada... Tudo o que há de mais banal, porém, como não ficarmos maravilhados perante tanta arte? 
- É que ele nos diz - ontém, hoje e sempre - que as coisas mais simples são as mais belas... e que as coisas às quais não damos grande importância, as coisas familiares, banais, podem ser fonte de uma inesgotável soma de prazeres. 
- Afinal, o que diziam os epicuristas? Para Epicuro, pão, umas fatias de queijo de cabra e uns copos de vinho, eram a substância do melhor banquete. Nada mais do que isto como manjar do corpo.   Quanto ao espírito, a companhia de amigos com uma conversa animada e agradável, enquanto comemos... que mais queremos nós da vida? 


Não podia estar mais de acordo com Epicuro, tanto mais que a filosofia silenciosa dos quadros de Édouard Gandon me tinham preparado, desde pequeno, para o prazer das coisas mais simples, do nosso entorno mais banal. 
É pela educação do olhar que ocorre a interorização da noção de belo e portanto, da beleza que existe no nosso entorno imediato. 
A beleza está afinal NO OLHAR. Está DENTRO. Nós somos a beleza do mundo, porque - na verdade - é nosso olhar que lhe confere beleza. A beleza não reside nas coisas, nos objectos, mas antes na nossa visão. 
Haverá maior consolo? Se compreendemos isto profundamente, veremos como a nossa vida se vai transmutar, mas sem ruído, sem espalhafato. As coisas simplesmente estão, existem por si próprias. 
Tenhamos então a sabedoria de ser COMO AS COISAS QUE VEMOS.

Por volta de 1984, no volume  de poemas «Estórias de Estar e de Ser», refletia sobre uma FILOSOFIA POÉTICA DO OLHAR.
Abaixo, dois textos do referido volume:


COISAS

 Agora sei que nada me move.
... o que se me afigura passível de explicação:

             Primeiro, devemos dizer que de nada vale contemplar o voo das aves se a sua nomeação fizer com que esqueçamos este simples facto: os objectos, as coisas, são.
             Segundo, devemos considerar que o nosso olhar reflecte os contornos pela luz que recebe e quem diz luz, diz sombra.
             Terceiro, não precisamos de filosofar a evidência do nosso olhar porque sabemos que é subjectivo e – logo – fugaz.
             Quarto, de bem pouco nos custa cerrar os olhos do espírito ao que nos cerca, para que não restem dúvidas de que “só vemos o que queremos ver”.

Agora sei que as coisas se movem.

           ... O meu espírito está dentro da sua gruta e olha para o exterior:

 Se as ideias fossem anteriores às imagens, nunca saberíamos distinguir uma árvore, concreta, real, da ideia de árvore, abstracta, metafísica.

Se as imagens não fossem, por virtude do espírito, transponíveis em ideias, que cego poderia jamais aprender?

Se as coisas ficam quando me ausento de sua presença, então não posso dizer que não existem independentemente de mim próprio.


(Mas então... para que certeza caminho, se a dúvida se instala a par e passo do meu passeio através do mundo das coisas?)



  


ESTAR


Estar atento ao ouvido do vento.
Estar nas horas de se perder o tempo na memória do ser.
Estar por debaixo da pele ou estar em posição horizontal ... de qualquer forma, estar em si.
Entende mais o silêncio quem vence o medo de Estar.
Não colhe os frutos verdes quem está deitado sobre nuvens.
Quem colhe os frutos verdes em cima do soalho azul, pode vir em Novembro, Janeiro ou Abril ... mas estará sempre prestes a nascer.
Estar no berço de espuma, por cima do ruído, em troca de um poema.
Estar em configuração astral dos olhos pouco fixos.
Estar no entrecruzar do desejo, sem que suba da carne o relento sofredor.
Estar como maresia e como urze.
Estar em fiel dissonância com o resto do Capítulo Social.
Estar ouvindo as pancadas das artérias, ouvindo o fluxo do sopro, ouvindo o caminhar do cristal.
Estar no centro ou estar na periferia, em todo o lado por onde se caminha, estar centrado.
Estar para si, nos outros, estar nos outros para os outros.
Estar ausente, mas por amor do presente.
Estar na dádiva da flor ou do insecto.
Estar na estação de mover as mós do rio, de colher os frutos das árvores, de estancar a sede dos poços,
Estar a si mesmo
Estar a sua estanquidade
Estar o Ser.






  









sexta-feira, 1 de julho de 2016

«Outro Espelho no Quarto dos Quadros» e «Soma Ausente» (poemas de Manuel Banet)




OUTRO ESPELHO NO QUARTO DOS QUADROS*

(em memória de meu Tio-avô, Édouard Gandon)

                          





Era uma tarde calma de Domingo.
O Tonton pintava um quadro, paciente, com gestos sublimados pelo saber de sombra e de luz.
Não sei o que fiz; só sei que ele se zangou. Muito medo tinha eu da mudança de sua palavra, uma censura vinda de sua boca era suficiente para apagar, num sopro, a felicidade do meu espírito.
Então, tive que fazer algo que restaurasse o equilíbrio feliz e a beleza do nosso mútuo olhar: peguei num papel e num lápis e pus-me a desenhar um Confúcio de porcelana que repousava sobre a cómoda.
Ofereci-lhe o desenho, imagem do meu tosco mas dedicado pensamento. O seu perdão foi uma aceitação simples e estou-lhe, por isso, eternamente devedor.
O quarto dos quadros era uma divisão de tecto alto em que as paredes desapareciam, para dar lugar a telas justapostas de naturezas-mortas, paisagens, retratos, composições em tons de austera e harmónica luminosidade. Havia nesse quarto um objecto fascinante: uma caixa de projecções.
Uma caixa assente sobre um tripé, com dois óculos reguláveis, permitia que se vissem paisagens, daguerrotipos sobre vidro, que recebiam a luz da janela.
Nos vastos compartimentos da casa, os móveis respeitáveis, em mogno ou nogueira, tinham o estilo das coisas perenes. Lá estavam em silenciosa compostura, ao gosto de épocas brilhantes, requintados, polidos, com “patine” sobre as decorações de bronze.
Movia-me dentro do universo estagnado, perfumado de pastilhas “Valda”, sem saber que a imagem reflectida nos espelhos só acorre quando deles se acerca o nosso rosto. Do piano de cauda do salão aos vidros do aparador, todos os espelhos me habitavam...











SOMA AUSENTE*

(em memória de minha Avó,  Júlia  Monteiro Baptista)

                                          


Era uma vez...
Assim começava minha Avó, desfolhando as maçarocas da memória. No canto do sofá seu rosto engelhado inspirava a sombra à medida que o Sol se deslocava, lento, atravessando as gelosias. Eram estórias sábias, sem começo e morais, nos lábios que formavam as letras de morango, o recorte de um silêncio enternecido.
E eu ia vogando sobre os rios calmos, na barca que Avó remava, não com remos, mas com pausas.
Eram tardes sem redemoinhos, que inevitavelmente acabavam com andorinhas trazendo chilreios aos ninhos sob o telhado. Eram espaços em tijoleira, na marquise estranhamente luminosa, ornada de plantas exóticas. Eram cascatas do jardim, melancólicas sem dúvida, distiladas entre limos.
Nas sopas de massa havia letrinhas.
No tabuleiro do escritório, rectângulos com letras; o jogo das letras, ortografia do acaso.
Não me recordo de beijos, nem de xi-corações. Mas sabia que a meticulosa paciência da Avó guardava, em arcas, os postais e outras maravilhas de frases-feitas.

Porém, o silêncio apodera-se de nós, o pudor cerrado no muro de cal.
Não posso dizer a escrita que recobria os cadernos, nem tão pouco os traços que bailavam nos desenhos...
Desenhos em que construía o historial da fantasia, povoados de cavalos, espadachins, soldados napoleónicos e – por vezes – árvores.
Lembro-me bem do movimento das luzes (de faróis de carros) que se iam projectar no tecto do quarto, à noite. Não fosse o ruído paralelo de motores e ficaria convencido que eram sonhos, traiçoeiros, iludindo a espera paciente do adormecer.


(* proso-poemas retirados do opúsculo inédito «Estórias de Estar e de Ser» 1985)