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quarta-feira, 7 de junho de 2017

A MACIEIRA DE NEWTON [Obras de Manuel Banet]

                     
                        
       [Isaac Newton: manuscrito autógrafo]

  - Este texto surgiu primeiro na página literária do Diário de Lisboa e posteriormente foi incorporado à recolha de poemas inédita «Transfigurações» (obras de 1984-1985).


                       A MACIEIRA DE NEWTON
                                       (Ensaio)

As teorias, os conceitos científicos estão frequentemente associados, nas biografias mais ou menos romanceadas de celebridades da Ciência a anedotas ou lendas ou ainda, a citações atribuídas a este ou aquele cientista.
Tomamos esse conjunto de “estórias” como ponto de partida do presente ensaio.
Com efeito, elas fazem parte do imaginário colectivo... o que nos leva a considerá-las como fonte de poesia, tal como as lendas, os contos de fadas, as canções, etc. ... que iluminam a nossa infância.
Cremos que a poesia não é uma forma de pensamento ou de expressão do pensamento radicalmente diferente das “iluminações” (título de um livro de poemas de Rimbaud) dos citentistas. O momento poético, tal como o momento da intuição de uma nova teoria, é de revelação.
Os poetas, tal como os cientistas, são dotados da capacidade de abaixar o limiar da consciência e de produzir algo que foi elaborado nas profundezas do sonho.
Os homens têm, à partida, essa capacidade ... “a poesia deve ser feita por todos, não por um” (Lautréamont) ... mas ela é reprimida ao longo da vida adulta, na grande maioria das pessoas.
Pierre Curie dizia: “é preciso fazer da vida um sonho e desse sonho uma realidade”. Eis aqui, formulada por um cientista, a declaração clara das intenções dos poetas e artistas que se congregaram sob a bandeira do movimento surrealista. O sonho é um processo expontâneo de produzir imagens, em que intervém o aleatório. Note-se que aleatório não significa arbitrário, mas antes, um processo  a-determinístico de geração ao qual se sobrepõe um processo de selecção, de tal modo que, na imagem produzida, há criação de algo intrinsecamente próprio, genuíno, cuja lógica profunda foi decifrada por Freud e por Jung.

  A lógica do sonho opera sobre imagens simbólicas. Uma imagem é simbólica quando o objecto a que se refere não está contido nela, quando este pode ser definido apenas dentro do contexto em que se encontra a referida imagem/símbolo. 
É pois uma questão de “evidência poética” (título de um livro de poemas de Éluard), a questão de se saber ler o que o poema encerra: “voir c’est recevoir, réfléter, c’est donner à voir” (Éluard). 
                                 


O poeta é um revelador, é aquele que imprime na superfície do espelho (a realidade)... a imagem que se encontra ... “do outro lado do espelho” (Lewis Carrol). Aqui chegados, temos de reconhecer que não é com os instrumentos do dia-a-dia, com o senso comum, que podemos caminhar, pela mão de Alice, no país das Maravilhas. Este país é uma densa floresta, recheada de estranhas formas, cujas pistas estão entrecortadas por ribeiros, cujos diversos andares abrigam diferentes nichos ecológicos, e onde, digamos, precisamos de toda a força animal de Tarzan, para subir e descer pelas lianas que pendem das árvores.
A palavra poética é polissémica; é uma polissemia resultante do confronto entre a utlização corrente, pragmática, das palavras e o uso simbólico que o poeta faz delas. Mas isto não significa que a utilização corrente das palavras seja destituída de polissemia. O tradutor  experiente sabe bem como é difícil dar à tradução de um texto literário as conotações, a carga emotiva, a polissemia em suma, que encerra o texto original. Mas a vida está cheia de “frases feitas”, os provérbios, os ditados, as expressões idiomáticas... é possível que o seu produtor tenha sido um poeta anónimo, que soube dar contorno emblemático a essas modestas “flores” da linguagem. Isso foi reconhecido pelo povo, que passou a fazer  uso dessas expressões ... com o uso, acabaram por perder o carácter cortante, afiado, que tinham inicialmente: tal como um instrumento que é utilizado por longo tempo, com grande frequência, as imagens poéticas também se “gastam”. A função do poeta, do criador é a de produzir novas imagens, de retemperar as imagens gastas.
        A poesia foi comparada a “uma alquimia do Verbo” (Rimbaud). A alquimia é uma forma de conhecimento do Universo em que as partes não estão dissociadas do Todo. É um caminho inverso ao da análise. Tem por fim o conhecimento interior e a transmutaçõa do eu (Je, est un autre” Rimbaud) muito mais do que a transmutação de metais; na verdade, a tranmutação dos metais é apenas o aspecto exterior da Obra Filosofal, “a pedra de toque” que permite constatar a realidade da transmutação interior. 


                                   




Quais são os instrumentos do “laboratório” poético? A “loucura”, a “lucidez”, a “hiper sensibilidade”, o abaixamento da fronteira entre o sonho e a realidade, o trabalho árduo, lento, nocturno, o confronto com a realidade externa, a leitura, a apropriação, o plágio da obra dos outros poetas. O resultado de tudo isso, uma obra da qual o artista nunca se encontra satisfeito, ficando necessariamente aquem do ideal que o artista persegue. O mito do pigmalião constitui a parábola dessa situação. O transcendente e o efémero, a serenidade e o empolgado, o indizível e o explícito: antinomias que estão presentes em qualquer obra de um artista total.

O objecto poético deixa de pertencer ao seu criador quando atinge o público. O público é o outro pólo do acto de criação, pois quem diz criação, diz mensagem ... e uma mensagem só existe enquanto tal, quando existe um emissor e um receptor: as mensagens que são enviadas para o espaço por astrónomos, astro-físicos, por cientistas da era espacial, só o são... se encontrarem destinatário, seres extra-terrestres dotados da capacidade de compreender esses sinais. A teoria diz que é impossível transmitir uma informação sem perda de energia e o que é captado, nunca é mais do que uma fracção do que é emitido; as palavras lançadas ao vento pelos poetas obedecem a estes princípios. Do “lado de cá do espelho”, o receptor, ao ler a mensagem, vai interpretá-la de acordo com o universo semântico no qual está banhado e que lhe é pessoal, vai portanto recriá-la, com toda a carga de subjectividade que o acto implica. Será possível uma “análise objectiva” de uma produção poética? Para responder a esta questão vamos recorrer ao Princípio da Incerteza de Heisenberg; este diz-nos que não se pode conhecer com grande precisão o momento de um corpo e a sua energia, simultaneamente. Se utilizarmos um instrumento muito potente para observar uma partícula atómica, a energia investida na observação vai interferir com o estado energético dela. Se quisermos saber com precisão a quantidade de energia dessa partícula, num dado momento, temos de renunciar á determinação simultânea das suas coordenadas espaciais... Analogamente, quando se está perante uma obra poética, não podemos num único olhar, detalhar a forma da obra, e sentir a sua vibração, avaliar a energia que encerra. Não se pode, em simultâneo, num concerto, estar atento à perfeição com que os violinos e outros instrumentos executam a obra e ao desenho geral da mesma, à atmosfera em que ela está banhada. Visão analítica e visão global fazem apelo a dois tipos completamente distintos de capacidades psicológicas ( teoria da Gestalt). 

O nosso ponto de vista é de que, em relação à obra poética, o desenho geral, a visão global, a avaliação da energia intrínseca são principais... para que o “efeito poético” possa exercer-se no leitor. Portanto, por mais legítimas que sejam, as leituras críticas de uma obra poética deixam, a nosso ver, de lado o que constitui o cerne, a razão de ser, o centro gerador da poesia. 







Dito isto, é quase inútil sublinhar que, quer no produtor, quer no receptor, uma procura e uma compreensão das formas são necessárias. A crítica (diferente da fruição), deve exercer-se sobre os aspectos formais do poema, deve pôr em evidência a “gramática generativa” (Chomsky) da linguagem poética.

sábado, 8 de abril de 2017

O JOGO DO PODER É SEMPRE «OBSCURO»


Quando ouvi, manhã cedo de sexta-feira, dia 07 de Abril de 2017, as notícias do ataque americano com mísseis contra a base aérea síria, fiquei muito chocado e realmente custou-me muito compreender o que se estava a passar. O facto de haver um «pretexto» para tal ataque era demasiado cru, uma falsa bandeira demasiado evidente (ver aqui  e aqui). 
Por outro lado, isto mostrava que esta reviravolta na política externa da maior superpotência militar do planeta fora cuidadosamente planeada, não fora uma resposta intempestiva, não fora um acto «estúpido», pelo menos dentro da lógica do jogo de superpotência que tem sido o dos EUA.
A dificuldade em compreendermos o que motiva uma aparente reviravolta na conduta de um assunto tão importante na política externa americana não devia nos surpreender: o jogo do poder é sempre «obscuro».

Mas, «como gato escondido com rabo de fora», existem pistas que permitem aceder à lógica interna dos que realmente decidem, ou seja, do «Estado profundo», composto por uma série de conselheiros, de peritos quer oficiais, quer informais, que acabam por moldar de forma decisiva a política em Washington.
Nomeadamente, estes são adeptos da velha teoria geoestratégica de MacKinder estudada,  aplicada e actualizada por muitos dos estrategas, nomeadamente por Henry Kissinger .
Neste contexto, deu-se a junção concreta do «Estado profundo», dominado  pelos neocons, com o complexo militar-securitário (englobando Pentágono, CIA, NSA e outras agências, assim como a indústria de armamento, a única que não foi desmontada e exportada para fora dos EUA). 
Os neo-conservatives ou neocons  constituem um grupo responsável por grande parte do que se vem passando desde as presidências de Clinton, W. Bush,  Obama e, agora, Trump. 
Este grupo, contendo ex-esquerdistas decepcionados com a revolução e pessoas que sempre foram duma direita ultra conservadora e imperial, considera que o facto de os EUA terem «ganho» a Guerra Fria, ficando como única verdadeira superpotência, lhes dá «historicamente»  o direito e mesmo o dever moral de manter essa hegemonia (dita «benevolente») e de esmagar qualquer poder que tentasse resistir e sobretudo crescer, ao ponto de se tornar concorrente potencial ao primeiro lugar.
Tinha eu infelizmente razão ao afirmar, na sequência da vitória de Trump a 8 de Nov. de 2016, que este era apenas outra facção dentro da oligarquia que comanda nos EUA. Note-se que este ponto de vista é partilhado por Chomsky, como se pode claramente ver nesta entrevista de Chomky a «Democracy Now».

Sendo assim, pode-se compreender que os EUA vão provavelmente vogar entre uma política de apaziguamento para com a Rep. Popular da China, tentando desactivar «o fusível da bomba nuclear» da Coreia do Norte, ao mesmo tempo que vão fazendo uma chamada contenção activa contra a Rússia.  O objectivo será separar os dois gigantes continentais. Estes, em situação de rivalidade serão incapazes de colocar em risco a hegemonia americana. 
Penso que poderá ter sido este, o conselho estratégico dado por Kissinger (e outros) ao presidente e sua equipa, recém-chegados à Casa Branca. 
Kissinger aplicou esta mesma estratégia como responsável directo da diplomacia na aproximação espectacular com a China «comunista» de Mao, nos anos 70, contribuindo para o azedar cada vez maior de relações entre os gigantes «comunistas» da URSS e da China.
Mas, atualmente, se observarmos as relações entre Rússia e China, veremos que não existe contencioso entre eles, contrariamente aos anos 70 do século passado, em que havia - de modo endógeno - uma série de fatores de conflito. 
Nos anos 60 a URSS passava pela fase do degelo pós-estalinista, enquanto a direcção chinesa glorificava Estaline e encetava o culto da personalidade do Presidente Mao, acusando de revisionismo os dirigentes soviéticos. 
Foi nessa altura eliminada grande parte da velha-guarda do partido comunista chinês,  durante a Revolução cultural. 
No presente, tanto a Rússia como a China, são governadas pragmaticamente. Ambos os governos possuem a visão de que os seus interesses geoestratégicos convergem necessariamente. Além disso, têm toda a vantagem em cooperar, são naturalmente complementares em muitos aspectos das suas economias.

Segundo o projecto dado a conhecer em 1999, intitulado PNAC (manifesto dos neocons, consultável aqui ), o século XXI vindouro, seria o da América. Este projecto recebeu, sem dúvida, grandes impulsos para a sua concretização. Não recuaram perante nada para o fazer avançar, desde a guerra do Kosovo, até ao «inside job» do 11 de Setembro de 2001 e consequente estado de guerra permanente instaurado. 
A cascata de intervenções dos EUA e aliados, os focos de guerra por eles acendidos ou atiçados, são situações que se eternizam, com destruição profunda das sociedades. Qualquer destas situações foi planeada, foi desejada: 2001 Afeganistão, 2003 Iraque, 2007 Líbia, 2011 Síria, 2014 Ucrânia…
O estado de guerra permanente é uma loucura que está arrastando americanos e seus súbditos da NATO, ao mesmo tempo que causa um rasto de sofrimento e destruição inextinguível na memória dos povos-vítimas.  

Por outro lado, existe a Organização de Cooperação de Xangai, que não é uma organização do tipo da NATO, não é um pacto militar, mas uma estrutura flexível destinada a «combater o terrorismo». Ela vem desempenhando um papel de aproximação e harmonização dos exércitos de vários países da Eurásia e dos sistemas tecnológicos respectivos. Os BRICS, o Banco Asiático para o Desenvolvimento, as novas Rotas da Seda, são vários aspectos dessa cooperação fora da hegemonia EUA/Europa ocidental, que se tem traduzido em áreas de cooperação bilateral diversas, com projectos de infra-estruturas, de comércio, de transporte de matérias primas, de oleodutos e gasodutos.


Assiste-se portanto à tentativa desesperada do «híper poder» americano em manter a sua hegemonia sobre um Mundo que não pode ser senão multipolar. 

A razão, o bom senso e o realismo deveriam levar todos os governos dos países mais poderosos a aceitarem o mundo tal como ele é, não de acordo com os sonhos de poder, revestidos de ideologias talhadas a preceito.