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terça-feira, 5 de novembro de 2019

A VERDADE... CONVENIENTE OU INCONVENIENTE ?

                                        Image result for DIANA JOHNSTONE: The Lynching of the Charismatic Geek

Este título ocorreu-me por eu ter lido um artigo de Diana Johnstone sobre Julian Assange. 

Ele é o símbolo contemporâneo das pessoas que, sujeitas a enormes pressões de toda a espécie não vergam, não cedem, não se deixam seduzir pelos cantos de sereias, mas simplesmente dizem ou escrevem o que sabem, cientes de que é seu dever tornar público os dados que permitirão as outras pessoas fazerem os juízos próprios sobre quem anda a mentir, como é que as coisas realmente se passam, sobretudo como é que os poderosos cozinham as suas narrativas para encobrir os seus (muitos e muito grandes...) crimes.

O caso Assange tem para mim um outro significado, o de me desabituar definitivamente de julgar as pessoas com base nas suas declarações de princípios, esses princípios tão bonitos, tão generosos, mas que logo sofrem um «entorse» assim que o interesse de quem os profere está em jogo. 
Por outras palavras, são igualmente abundantes os hipócritas nas fileiras das diversas ideologias, sejam elas de extrema direita ou esquerda,  ou moderados, centristas, liberais, socialistas, etc. 
Digo isto porque os que costumam mascarar-se em arautos da verdade, em cavaleiros da justiça, etc. são os que logo viram a cara, e fingem que não sabiam aquilo que se está a passar com Julian Assange. Todos sabem -porém - que é o equivalente a um assassinato a sangue frio, a uma lenta e cruel asfixia. Mas Julian Assange e Chelsea Manning são sujeitos a estes longos e penosos sofrimentos, porque tiveram a coragem de desmascarar as crueldades, os crimes, as corrupções, dos poderes: de todos os poderes, por mais que a media prostituta diga o contrário, por mais que tentem colar-lhes a etiqueta de «agentes encobertos da Rússia de Putin», ou de «inimigas do Ocidente».

A media está envolvida no encobrimento de crimes dos Estados, para isso usando todas as técnicas de condicionamento. Uma forma é a saturação com conteúdos triviais, que provocam a relativização de todas as notícias ou informações que chegam à cidadania e à qual esta responde com indiferença. 
Outras técnicas consistem em adjectivar dando conotações, em reproduzir acriticamente o discurso oficial, em perpetuar a «verdade» oficial. 
A inclusão de algum noticiário não elogioso, mas não pondo em causa, no essencial, o poder instalado, dá a «cobertura» de respeitabilidade, permitindo que os ingénuos sejam mantidos na convicção de existir «objectividade» dos media. 
Quando determinado acontecimento é demasiado difícil de enquadrar dentro da narrativa oficiosa e dos media do poder, então das duas uma: ou a posição dos críticos do poder é distorcida até à caricatura, sendo depois apontados a dedo, ou se faz «black-out» (ocultação total): se não está noticiado em nenhum meio de comunicação de massas, então, «não existe»... 
Não creio que o regime de controlo da informação e das pessoas seja grosseiro, nem que se esgote com os exemplos acima dados: pelo contrário, usa duma enorme carga de ciência psicológica e sociológica por detrás do cenário, tem imensa energia investida em torná-lo credível para a grande maioria do público.  

É verdade que o público já estava sujeito a um condicionamento prévio, por anos de doutrinação disfarçados de «educação» (seja em escolas públicas ou privadas, tanto faz, pois o efeito é o mesmo!). Mas o seu reforço constante é absolutamente essencial para manter a ilusão «matrix», da narrativa do poder. 

Voltando ao nosso assunto inicial; Assange e o artigo de Johnstone... Se há uma coisa que o poder não tolera e não perdoa é «lançadores de alerta» mostrarem a realidade por detrás da ribalta, desfazendo toda a roupagem de mentiras constantemente envergadas pelos porta-vozes do poder e reforçados, confirmados com as pseudo-informações mediáticas, que na realidade são instrumentos de propaganda, apenas. 
Como é evidente, por mais que pessoas isoladas ou pequenos grupos de idealistas tentem «furar» este «ecrã de fumo», que se interpõe entre a realidade e as pessoas comuns, tal não irá acontecer em tempos «normais». 
Será preciso uma crise profunda, que abale as estruturas de poder, que desfaça as alianças «santas» ou «espúrias» entre os vários actores, sobretudo que a grande massa da população compreenda finalmente -depois de ter sido espoliada - o que têm feito com ela, durante tantos anos. Quando atingido este ponto, será impossível manter as aparências, pois a realidade irromperá na vida de milhões. Será a própria vida a romper a cortina nas suas mentes, essa cortina que impede milhões de pessoas de ver, de compreender. 

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

CHELSEA MANNING - COMUTADA PARTE DA SUA PENA






Soube-se hoje que Chelsea Manning iria ser libertada em breve devido ao perdão parcial pelo ainda presidente Obama. 

Manning é o corajoso soldado que desvendou as práticas criminosas de guerra do exército USA no Iraque. Foi condenada a 35 anos de prisão. Durante o processo está provado ter sofrido tortura (o confinamento prolongado em isolamento é considerado tortura pela ONU) e posteriormente sujeita condições péssimas, na origem das suas duas tentativas de suicídio, na prisão.


               

Muito contribuíu a campanha internacional pedindo a sua imediata libertação, assim como Julius Assange ter prometido que - caso  Obama indultasse Manning - ele próprio se entregaria e aceitaria ser sujeito a processo nos EUA. 

A sua postura é nobre e  corajosa, pois implica a possibilidade dele ser condenado a longos anos de prisão (na prática, para a vida inteira). 
Os advogados de Assange vão apelar para o presidente Trump, para ele encerrar o caso contra o seu constituinte. 
Não esqueçamos que um recente inquérito nos EUA mostra que as informações de Wikileaks são consideradas como merecendo 87% de confiança contra 13% da CIA e outros serviços de segurança dos EUA.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

UMA QUESTÃO DE CONSCIÊNCIA

Tenho seguido com um interesse crescente os debates que circulam na Internet sobre as precárias liberdades de expressão neste médium e noutros, na sociedade em geral. 
Tenho estado a observar, desde há alguns anos, a deriva para uma atitude passiva da maior parte das pessoas que se refugiam no seu círculo de «amigos» virtuais e não passam desse casulo, como o de insetos, tecidos por eles próprios, mas envolvendo as suas mentes, não o seu corpo.
A maneira como este processo atua é semelhante à exposição repetida a uma agressão. Nos primeiros momentos, a dor pode ser muito intensa, mas com a repetição, a intensidade do efeito doloroso torna-se menor. Sabemos que isso se deve à secreção de «endorfinas» essas morfinas naturais, segregadas pelo cérebro… Pois a exposição a algo violento, destruidor da nossa própria moral, etc. segue uma curva semelhante:  a dor, a indignação vai ser substituída, a pouco- e-pouco, por um «acostumar», uma indiferença, um encolher de ombros.
Instala-se o relativismo moral, causando a apatia, a anomia, dos indivíduos e da sociedade em geral. Os poucos que conservam sua consciência despertada estão em minoria; são «neutralizados» perante um oceano de «consciências zombificadas». 
A «Nova Ordem Mundial», que é temida e considerada um pesadelo orwelliano por muitos, já está praticamente instalada. Para amostra disso, veja-se como a propaganda dos media ditos de referência, na realidade, porta-vozes do governo e das grandes corporações, consegue,  na indiferença mais geral, perseguir media alternativos que têm uma ínfima fração do auditório e igualmente uma ínfima fração dos recursos humanos, financeiros, técnicos, etc. destes mastodontes.
De facto, os media alternativos, os cidadãos-repórteres,  constituem um «perigo», não para a cidadania, mas para a credibilidade de governos e media corporativos e portanto devem ser  difamados, banidos, criminalizados.
Isso não parece inquietar muito os nossos concidadãos… Estamos realmente num resvalar para uma sociedade completamente totalitária. 
O totalitarismo do nosso século é insidioso, não é óbvio como os que o precederam. Pois estes baseavam-se na repressão a quente, no medo físico.
O totalitarismo atual baseia-se na «gestão do medo», na manipulação da perceção do medo, como que instigando as pessoas a terem medo da sua própria sombra.
Que outra explicação dar para a onda do «politicamente correto» que nas universidades americanas já tem foros de patologia social e institucional? Dentro desse paradigma do politicamente correto usam o termo «hate speech» (discurso de ódio).
Supostamente, as pessoas teriam o direito de «serem protegidas» dum discurso de ódio. Mas quem decide que tal ou tal discurso é «de ódio»? E quem tem o atrevimento de negar a minha própria liberdade de avaliar e de julgar -por mim próprio - o que penso de tal ou tal discurso?
 É que o discurso de ódio propriamente dito costuma ser produzido, está constantemente a ser produzido aliás, pelas instâncias do poder. Eu «sofro» este discurso do poder, como é inevitável, embora não fique nada impressionado por ele.
Também não fico «lesionado» ou «influenciado» por ouvir ou ler um discurso de ódio de uma seita nazi, de uma seita islamita radical, estalinista, ou outra qualquer!
Posso dizer então que a «proteção» contra o «discurso do ódio» é afinal um alibi para coartar a nossa liberdade de acesso às fontes de informação, de ajuizar por nós próprios, de exercermos o nosso sentido crítico e finalmente, coarta aquilo que supostamente diz defender, os direitos humanos, a liberdade de pensamento e de expressão!
É típico da gente totalitária criar uma imagem negativa dos outros, sem nenhum respeito pela verdade, exatamente como espelho daquilo que eles próprios são e praticam.
Se acusam outros de não respeitarem a «verdade»,  tenham como certeza que eles se esmeram a confundir e ocultar os factos, a transformar informação em mero invólucro de propaganda, ou pior ainda, perseguir e calar por todos os meios, quem se atreve a dizer a verdade e em dá-la a conhecer. Não esqueçamos  Manning, o soldado preso, torturado e condenado a prisão perpétua por ter revelado crimes de guerra americanos no Iraque.
A redoma que nos envolve, uma Noosfera que Pierre Theilhard de Chardin profeticamente anunciara, tem lados magníficos, como a capacidade de nos cultivarmos e alcançarmos um grau de saber quase infinito do ponto de vista do potencial, através da Rede.
Mas proporciona o contrário disso, ou seja, o enredar da própria mente dentro dos seus mitos, dentro da narrativa que conforta mais o ego: esta é – sem dúvida- a atitude mais frequente.
O cérebro ativa circuitos do prazer em função dos estímulos que recebe do exterior. Existem circuitos que são ativados e ativam a secreção de neurotransmissores, a ocitocina é um deles. Ele obtém maior remuneração psicológica/bioquímica por ver, ler, ouvir, as coisas que nos agradam, do que coisas sobre as quais discordamos, que nos afligem, que nos inquietam. Aliás, a adicção ou viciação, instala-se precisamente dessa maneira: quando o cérebro precisa de certos estímulos específicos para obter uma «dose» de moléculas, ativadoras dos circuitos do prazer.
Não existe possibilidade de combater o totalitarismo quando o próprio público ou uma maioria muito grande dele apela para ele ou está completamente indiferente.
Ele nunca se instala de forma ostensiva, aberta. Se o tentasse, naturalmente seria repudiado e combatido, haveria reações violentas adversas.
A sua artimanha é apelar áquilo que as pessoas têm de mais profundo, os seus medos, muitos dos quais vêm da primeira infância e são parte integrante da nossa personalidade.
A ciência psicológica é posta ao serviço desse controlo, pois a maneira de nos condicionar para consumir uma determinada marca de um produto é essencialmente a mesma que para determinado comportamento político ou social.
O ser humano – todos nós – só pode começar a libertar-se da nova forma de totalitarismo quando uma grande maioria das pessoas se aperceber das suas consequências nefastas nas suas vidas pessoais e sociais, causadas por esse sistema.
Antes disso, os que têm consciência, serão colocados na mesma posição que os «heréticos», os «livres-pensadores», tiveram: serão segregados, discriminados, a sua voz será calada por todos os meios.
Eu faço o mea culpa pois cri durante algum tempo que não seria possível nunca mais haver totalitarismo, nunca mais regimes como o hitleriano ou estalinista.
Porém, o novo totalitarismo aqui está a bater à porta. Já não se baseia no terror «físico», mas sim no terror psíquico, no medo que as pessoas têm de serem apontadas a dedo, de serem acusadas, ostracizadas, agredidas, pelos próprios concidadãos.
O futuro dirá como é que esta deriva totalitária se irá desenvolver, se vai ou não tomar as sociedades ditas «mais avançadas» e o mundo em geral.
Eu penso que as pessoas dissidentes no espírito serão os «monges» da nova «idade das trevas».
Nos anos em que a civilização romana ruiu e se instalou a sociedade feudal, os reis eram chefes de guerra, analfabetos e brutais. Destruíram ou presidiram à destruição de muitas obras materiais e imateriais inestimáveis, que resultaram da acumulação de ciência, saberes, artes, durante vários séculos.
 Os mosteiros eram pequenas ilhotas de paz, no meio da violência e da miséria, causadas pelos senhores feudais. Estas ilhotas preservaram, em manuscrito, muitos tesouros do pensamento, da arte, dos saberes, da filosofia… muitos milhares de copistas/monges se dedicaram, para que algo da civilização fosse transmitido às gerações vindouras.
Será talvez uma analogia, com toda a imprecisão que têm as analogias. Porém, ao esboçar-se uma nova «idade das trevas», onde residirá a luz do saber, da consciência, como sobreviverá?
Quem serão os «monges» que manterão - de geração em geração - o legado do passado? Os do presente e futuro, não serão necessariamente monges ou freiras;  não haverá necessidade de uma vida monástica, estritamente falando.
Têm de ser pessoas corajosas e pacientes, que mantêm uma postura crítica. As que teimam em dar a conhecer as realidades aos seus concidadãos, os «whistle-blowers» ou dadores de alerta, que defendem utopias não autoritárias, que mantêm uma postura moral no meio do relativismo moral ambiente, na sua diversidade e heterogeneidade, serão capazes de manter a chama do humanismo acesa? 
Cabe a cada leitor escolher o seu lado, aceitar ou não o meu ponto de vista.
Mas se escolher o lado do humanismo contra a barbárie, então não baixe a guarda, não caia nas múltiplas armadilhas do totalitarismo, que se veste de roupagens «livres» ou mesmo «libertárias», para impor o seu relativismo moral. Em suma, o espírito crítico exerce-se sobre nós próprios e os nossos atos ou falta deles.
Parafraseando o Pastor Bonhoeffer, «O que é decisivo para avaliar a moral de uma sociedade é o género de mundo que ela está produzindo e irá legar aos seus descendentes» (“The ultimate test of a moral society is the kind of world that it leaves to its children.”)

PS: Phil Butler apresenta uma ideia de noosfera que se deve ao Presidente Putin ou a alguém próximo. Vale a pena ler: