O Irão agiu com medida e prudência para não desencadear o alastramento da guerra no Médio-Oriente, na sua retaliação, face ao crime de guerra israelita de bombardear instalações consulares iranianas em Damasco. Mas, ao mesmo tempo, deixou uma mensagem muito clara aos sionistas e a todos os inimigos que se atrevam a agredi-lo: - O Irão tem meios para causar muito mais danos do que causou agora. Somente danificou pistas de duas bases militares aéreas israelitas, mas tem capacidade técnica para atingir outros alvos, muito mais importantes, em Israel. Não foi uma vingança, efetuarem este ataque de aviso; os iranianos colocam-se num plano de superioridade militar e moral, face aos israelitas. https://www.moonofalabama.org/2024/04/iranian-missiles-hit-israel.html#more
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quarta-feira, 31 de agosto de 2022

MITOLOGIAS (cap. X) : CASSANDRA, DA ILÍADA AOS NOSSOS DIAS

Quando falamos de Cassandra, estamos a falar de um mito, independentemente de ter existido, ou não, uma princesa em Troia com tal nome.

 A história contemporânea não reconhece a Ilíada como um escrito histórico, que sobreviveu miraculosamente, primeiro oralmente, depois por escrito, relatando a guerra das cidades-estado do Peloponeso contra Troia. Porém, a constante utilização do longo poema pelas artes, poesia e literatura nos séculos após os supostos acontecimentos,  tem criado a ilusão de que os episódios da obra atribuída a Homero seriam, senão historicamente exatos, pelo menos, verosímeis.

De facto, o que se sabe seguramente pela arqueologia, é que Troia existiu, mas que houve uma sucessão de cidades, umas sobre as outras. Além disso, não houve uma única guerra de Troia, mas sim várias. O relato de Homero (ou atribuído a Homero) poderia ter condensado, numa única narração, o longo período de guerras de  Troia contra exércitos coligados das cidades-Estados gregas.  

Podemos - portanto - considerar que Cassandra, tal como está descrita na Ilíada, releva do mito, mais do que da História mitificada. 

Eu vejo a história de Cassandra (*) como simbólica dos comportamentos das sociedades, em relação às pessoas com maior visão, mais sábias, corajosas, e sabendo que estão a ir contra a corrente mas - ainda assim - dizendo a verdade, custe o que custar,  face aos poderosos e ao povo. 

A obra de Luís de Camões contém uma «atualização» de Cassandra, na figura do «Velho do Restelo». Este desempenha, no poema épico «Os Lusíadas», a mesma função que Cassandra, na Ilíada: Profetizar perigos e desgraças que ocorrerão a Portugal e aos portugueses, em consequência do lançamento das ambiciosas e aventureiras viagens marítimas, a partir dos finais do século XV.  

Uma caraterística comum nas «Cassandras» que se nos deparam ao longo da História, é que seus vaticínios, embora pareçam sensatos quando são lidos após os acontecimentos, foram descartados como  fantasias, sintomas de loucura, palavras vãs, pelos indivíduos que, contemporaneamente, ouviram ou leram tais profecias. 

Figura: Aquando da queda de Troia, Cassandra, que se refugiara no templo de Atena, é  violada e depois feita escrava.

No mito, Cassandra é abençoada com um dom, que consiste na capacidade de ver o futuro e, em simultâneo, é amaldiçoada com a impossibilidade de que suas palavras sejam tomadas a sério por seus concidadãos, incluindo a sua própria família. 

Na nossa época, as «Cassandras» avisaram com detalhe e antecedência e, como na lenda, não foram ouvidas. No âmbito económico, mas com grande repercussão política, a chamada «crise das sub-prime» (2008), levou ao quase desmoronamento do castelo de cartas da economia financeirizada. Esta crise foi prevista - com antecedência - por mais do que um analista dos mercados, incluindo figuras célebres do mundo financeiro.  

Mais recentemente, autores de várias escolas de pensamento económico, têm feito avisos muito enfáticos sobre a iminência de um colapso muito superior, em magnitude, ao de 2008. Os avisos são dirigidos ao poder financeiro nos bancos centrais e ministros da economia e finanças dos governos. Estes preocupantes alarmes têm sido também publicados na media, ao alcance do mais amplo público. 

Estes avisos, como os das outras «Cassandras» da História, estão a ser completamente ignorados, por quase todos: Desde pequenos especuladores, a gestores de Wall Street e doutros centros financeiros, a políticos - tanto no poder, como na oposição. Para mim, esta situação não só ilustra a enorme miopia dos poderes, especialmente após o quase colapso de 2008, como parece ser uma enésima atualização da história de Cassandra da Ilíada.

As multidões costumam ignorar, escarnecer, ou mesmo, violentamente atentar contra pessoas que vêm contrariar preconceitos e medos obsessivos. A fúria das multidões é estimulada por ditadores e demagogos, que assim defletem a ira e a frustração popular para que, perante as consequências de suas decisões aventureiras e fatais, nunca lhes sejam atribuídas responsabilidades, mas ao «bode expiatório». 

As pessoas com lucidez e juízo, nestes tempos conturbados, devem ser discretas. Não se devem expor, pois seriam «arrastadas na lama», ou ostracizadas, no mínimo. Devem preservar-se, pois de nada serve tentar convencer uma multidão fanatizada ou hipnotizda

Estas tentativas vãs apenas irão exacerbar a vontade de vingança das massas enganadas, que julgam que «o mensageiro das desgraças» é o causador das mesmas. O mensageiro é castigado em vez do tirano, que afinal de contas, é o causador das más notícias trazidas pelo primeiro. 

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(*) Citação da «Cassandra» de Friedrich Schiller:

« Por que me encarregaste tu de proclamar as tuas profecias com um pensamento lúcido numa cidade cega? Por que é que me fazes ver aquilo que não poderei desviar do nosso povo? O destino que nos ameaça deve cumprir-se, a infelicidade que eu temo tem de realizar-se, a desgraça que eu antevejo tem de acontecer»...

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ARTIGOS ANTERIORES DA SÉRIE MITOLOGIAS:

quinta-feira, 15 de junho de 2017

NÃO SOU «UMA CASSANDRA»

Imagem:  Fresco de Pompeia representando Cassandra, ao centro, profetiza a destruição de Troia. 
Á esquerda, Priam com Pâris criança. À direita, o guerreiro é Heitor.

 
Cassandra, filha do Rei de Troia, segundo a lenda, tinha o dom divinatório; mas o deus Apolo amaldiçoou-a com a incredulidade dos seus contemporâneos, para se vingar de ela se ter furtado aos seus avanços.  

Não serei eu a posar como Cassandra, com certeza. Limito-me a ouvir diversas vozes que se erguem, nos vários sectores de analistas de política, geoestratégia, de economia e outras disciplinas, tentando fazer uma ideia própria do que se está  passando, nestes  últimos decénios e na atualidade. 

Um dos fenómenos que tenho observado, é que o público em geral e, sobretudo, aqueles que teriam mais a ganhar em ouvir atentamente previsões e análises de indivíduos esclarecidos, negam peremptoriamente ou diminuem o valor de quaisquer análises, quando estas contrariam os seus preconceitos. 
Estão muito mais atentos à identidade do mensageiro do que à natureza intrínseca da mensagem que ele (ou ela) transporta.

 Um indivíduo aderente a uma dada escola da economia, a uma dada corrente da política, etc. tem o ouvido atento às vozes, exclusivamente das suas fileiras, que vêm reforçar os seus preconceitos (mas que considera verdades insofismáveis). 
 Porém, repudia ou menospreza de forma altaneira, quaisquer análises, reflexões, mesmo se baseadas em informações factuais, caso estas tenham proveniência de sector que não seja o seu, ou venham de quem ele considera contrário.

Uma situação assim ocorreu comigo, para minha perplexidade, ao me debater com a não-inscrição de um professor universitário de economia. Ele tem  protagonizado uma campanha pela saída de Portugal do Euro. Porém, contrariamente a outros críticos do euro, não põe em causa o papel dos bancos centrais na crise financeira que ocorreu em 2007/2008 e cujos efeitos desastrosos se têm prolongado até hoje. A sua reação de denegação da realidade que lhe apresentei não é racional, mas emotiva. 
Tem uma ideia apriorística, preconiza um determinado caminho para a saída de Portugal da Eurolândia, juntamente com outras pessoas. Curiosamente, deste grupo de pessoas, muitas são marxistas, possuem portanto outra ideologia, travestida de ciência. 

Longe de mim pretender ser Cassandra. Nem aconselho ninguém a sê-lo, num país de vistas tão curtas, tão mesquinhas e em que as pessoas não são capazes de reconhecer que se enganaram, não são capazes de se auto-criticar. 

Compreendo que muita gente queira ignorar os perigos para os quais tento dar o alerta, tal como acontecia com os que ouviam e não acreditavam em Cassandra. 
Pois eu digo verdades que não são ao seu gosto, digo coisas que não possuem os acordes e melodias usuais nas suas capelinhas ideológicas, sobretudo mostro coisas que eles/elas preferem ignorar, porque, se as encarassem de frente, teriam de rever a sua falsa noção de normalidade: teriam de descolar do preconceito da normalidade, ou seja, do futuro como mera projeção do presente, com algumas modificações de pormenor, mas essencialmente na mesma... 

Eu não pretendo ser Cassandra... porém vou buscar os dados aonde eles estão; vou buscar a verdade esteja ela onde estiver, não vou fechar-me a uma informação só porque essa informação é veiculada por alguém que não partilha as minhas convicções. 
No fundo, apenas pretendo exercer o espírito crítico na análise política, geopolítica, económica, sociológica. 
As metodologias e formas de tratar o real, corriqueiras nas ciências «duras» (a biologia, a química, etc.) são adaptáveis às ciências humanas. Em biologia, por exemplo, é claro que se deve evitar a subjetividade, que se devem examinar todas as hipóteses, sem descartar a priori as que são emitidas por alguém que não seja do nosso agrado, etc. 
Nas ciências humanas (das quais a Economia faz parte) este tipo de comportamento sofre muitas vezes desvios significativos. Nada é «desapaixonado» nas ciências humanas, pois tudo é esgrimido, de uma ou doutra forma, para fazer avançar determinada corrente teórica, que se traduz in fine num determinado ponto de vista político.

As pessoas deviam estar conscientes da voluntária cegueira de muitos intelectuais. 
Deveriam aperceber-se que existe um enviesamento, retirando às suas análises a fria lucidez, fruto de um espírito racional, que eles pretendem ser.