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terça-feira, 2 de abril de 2024

Concerto para Piano No.3, Op.37 de Beethoven (POLLINI/BÖHM)


 Uma singela homenagem aos Mestres falecidos... que vivem na música que escreveram ou executaram.


Escrito entre 1800 e 1803, este concerto em Dó menor deve muito a Mozart, que Beethoven venerava. O estilo característico do músico de Bonn transparece, porém, com a profusão de variações dos temas e contra temas, como mais ninguém faria no seu tempo. Beethoven, já famoso compositor, estreou este concerto executando, ele próprio, a parte solista. 
Não me parece que  este concerto, com tanta verve, tanta riqueza temática e o notável recurso a uma orquestra com dimensão sinfónica, seja justamente avaliado. Porque considero estarmos perante uma das obras-primas do romantismo nascente. 
Em artigos anteriores, referi as características estilísticas das composições de Beethoven, a sua rutura com os padrões clássicos e a inauguração de uma nova linguagem musical, que veio a receber o nome de «romantismo». 
Mas, os nomes, meras classificações, obscurecem a inteligência das obras. Podemos encontrar traços românticos nesta peça, naturalmente. Porém, estamos perante uma obra que não se afasta dos cânones clássicos. Porque, é preciso que se esclareça, o «classicismo», por sua vez, também é uma etiqueta cómoda, designando a tendência musical predominante dos anos 1770 a 1810, mais ou menos.  Nesta época, justamente, o estilo «Sturm und Drang» (um movimento literário «romântico») veio a afirmar-se, incluindo mesmo em obras de músicos ditos clássicos. Mozart tem sido considerado um músico que transcende as classificações mas, em todo caso, tem havido consenso em apontar várias obras suas como sendo «pré-românticas». 
A afirmação do génio de Beethoven não se deveu a uma rejeição do passado, mas à assimilação criativa do mesmo, com a preocupação de alargar o seu âmbito, para uma maior  expressão dos sentimentos.

Esta gravação, com a Orquestra Filarmónica de Viena dirigida por Karl Böhm e com Maurizio Pollini ao piano, honra perfeitamente a grandiosa arquitetura musical do Concerto nº. 3 para piano  e orquestra de Beethoven. 

domingo, 10 de março de 2024

HAENDEL, BACH, SCARLATTI - ANNE QUEFFÉLEC AO PIANO (Folles Journées de Nantes, 2024)

                                               


Estes três compositores lendários nasceram no ano de 1685: Anne Queffélec celebra-os com um reportório neste recital, extraído das  obras destes gigantes do barroco.
A herança deles três perdura, sendo obrigatório na aprendizagem de instrumento de tecla (piano, cravo, órgão) estudar e praticar regularmente peças destes três compositores do Barroco.
A linguagem musical que transparece nestas amostras não é muito diferente uma da outra. Embora cada compositor, com o seu génio, imprima o caráter inconfundível de sua personalidade nestas e noutras peças, a verdade é que todos eles «falavam o mesmo idioma musical». Note-se que esta época - de cerca de 1700 a cerca de 1760 - foi de grande cosmopolitismo na Europa (apesar das guerras). A dominância da ópera italiana foi-se acentuando, assim como a tendência para se fixarem a forma sonata, a forma concerto e a forma suite (sequência de danças estilizadas). Domenico Scarlatti foi importantíssimo na codificação da «sonata bipartita». Bach foi importante em forjar a síntese do concerto italiano, francês e alemão e Haendel adaptou ou criou formas e estilos ao gosto e temperamento dos britânicos.
Houve mais músicos barrocos de génio, como Vivaldi e Rameau, por exemplo. Mas, no conjunto da Europa havia uma convergência, uma assimilação natural dos estilos de várias regiões.
- Se houve génios? - Sem dúvida que os houve!
Porém, o terreno estava «adubado» para eles crescerem e se desenvolverem.

Como extra -programa, Anne Queffélec interpretou a sonata de Beethoven em Lá bemol Maior. Parece-me perfeitamente apropriado, pois nos mostra a rutura estilística, que foi o romantismo em relação à época anterior.

quarta-feira, 6 de setembro de 2023

O QUE É O ROMANTISMO?

Aqui, não vos irei falar sobre a infinidade de sentidos que é dada à expressão ou a forma como o público, em geral, avalia qualquer obra como sendo «romântica» ou não. Isso terá pouco interesse, se não se compreender previamente a existência de um movimento dentro da História, que é simultaneamente estético, político e filosófico.

É esse movimento romântico que me interessa: o que  foi assim designado por críticos contemporâneos ou posteriores, ao movimento sobre o qual escreveram.

Muito haveria a escrever sobre as componentes que o caracterizam - a estética, a política e a filosofia. Estão entrançadas de tal modo que, ao distingui-las, devemos ter em mente que isso se deve antes a conveniência na exposição, pois se misturarmos os aspetos, acabamos por não clarificar nada sobre as várias facetas do movimento.

A definição de romantismo poderia dá-la  sintetizando definições de dicionários; mas estou convicto que essas definições «congelam» ideias, causam a sua cristalização, tanto na mente de quem escreve como de que lê.

É inegável a ligação do romantismo com algumas ideias que «andavam no ar», nos finais do século XVIII: A ideologia liberal, na sua formulação primeira, a da Declaração de Independência dos Estados Unidos. A filosofia dialética de Hegel, a filosofia da Natureza de Goethe e de muitos mais. Nota-se a emancipação da Escolástica medieval. Embora o ser humano ainda seja colocado no centro da Criação, não é um «pedaço de argila moldado por Deus», antes o construtor de si próprio, da sua própria vida, do seu devir. Num tempo em que as estruturas do passado se desmoronam, a realeza absoluta, a Igreja da Inquisição, a família patriarcal, começo de emancipação da mulher (somente na aristocracia e na burguesia), tendência a acabar o regime de monopólio e privilégio das companhias de comércio, protegidas pelo poder real, levando à entrada de vários atores no mercado. Tudo isso, tinha relação com um dos pilares da nova visão do Homem enquanto indivíduo, um ser dotado de inteligência, sensibilidade e senso moral: ele não podia já ser tratado como mera criança, obrigado a aceitar como as únicas ideias «legítimas», as que lhe impunham os padres, os reis e os nobres. A descoberta doutros mundos, para além do Velho Mundo, da Europa, Ásia e África, implicava relativizar ou por francamente em causa «certezas» ensinadas e reproduzidas em austeros tratados, nas Universidades europeias. O saber deixou de estar limitado à elite universitária e eclesiástica, com a nova dimensão do saber técnico, o saber-fazer. Pense-se nos saberes associados à navegação: a geografia, a cartografia, as técnicas de construção de navios, a descoberta e descrição de novas espécies vegetais e animais, nos continentes explorados pelos europeus. Nos dois séculos anteriores ao século XIX, houve um constante alargar dos horizontes. Foi, propriamente, o início da revolução científica e técnica. Esta revolução não foi política, ou não teve como motivação substituir a ordem política vigente. Os reis e os poderosos encorajavam as expedições longínquas, acolhendo os novos dados científicos que delas resultavam, com a mesma abertura com que acolhiam novas trocas comerciais.

Foi assim nascendo a ideia do ser humano enquanto indivíduo. Não que dantes não existisse uma tal noção. Mas, de uma forma ou doutra, ela esteve subordinada ao coletivo: o povo, a pátria, a pertença ao reino, à zona geográfica, à profissão (as corporações de ofícios). O homem do século XVIII/XIX ainda continua conectado a essas realidades, que moldam o seu destino. Mas, aquilo que muda, é a ênfase: o essencial, já não é a proveniência do indivíduo, a sua classe de origem ou a sua pertença a tal ou tal reino.

Na música, no teatro, na pintura e escultura, as sociedades aceitam o cosmopolitismo dos artistas e até o encorajam. Por exemplo, a corte do rei D. João V de Portugal, que beneficiou das muitas riquezas das colónias, em particular do Brasil, estava repleta de estrangeiros, músicos, artistas plásticos, cientistas, etc. na sua maioria, italianos.

A ênfase tornou-se mais política, a partir da Revolução Francesa. O cidadão, era aquele individuo que aderia ao projeto revolucionário. Assim, houve deputados polacos, irlandeses e alemães à Convenção da França revolucionária. Eram homens que se tinham identificado com a causa revolucionária; eram legitimamente membros deste corpo representativo. Note-se que, mais tarde, esta noção política de cidadania foi instrumentalizada por Napoleão: Em todas as suas campanhas militares utilizou estrangeiros (regimentos de irlandeses, de polacos, de suíços, de alemães), completamente subordinados ao poder imperial. 

Na literatura, a grande revolução foi o dar-se primazia ao indivíduo, através da exposição dos sentimentos: Rousseau (Confessions), Goethe (Werther) etc. 
Na música, o cânon clássico representado por Haydn e outros músicos, foi destronado a favor do romantismo nascente, correspondente ao movimento literário «Sturm und Drang» (Tempestade e Ímpeto).  
A crítica foi muito negativa, na estreia da  3ª Sinfonia de Beethoven.  Porém, a nova estética acabou por triunfar. Os músicos românticos, após a morte de Beethoven, foram célebres: Mendelssohn, Schubert, Liszt, Chopin, Berlioz, etc. A estes, seguiu-se uma segunda e uma terceira vaga. Na época do romantismo ascendente não são produzidas peças «delico-doces», associadas pelo público à expressão música romântica. A ideia do romantismo como música «lamecha» e com falta de imaginação, tem origem na utilização de fórmulas, por pessoas sem talento, mas que se atreviam a compor.
A música e a poesia romântica vão de par com uma sensibilidade emancipatória, envolvendo as determinantes nacionais e sociais.
 
Os heróis românticos não dependiam senão do seu destino. O seu devir era moldado por suas características psicológicas; pela sua capacidade em amar, o seu sentido do dever, a sua determinação. Também existe a imagem estereotipada do herói/heroína que sucumbe ao destino trágico: Eles lutam até ao limite de suas forças. São vencidos, mas não resignados. 
Mesmo a vertente «negra» do romantismo (ver poema de Baudelaire, abaixo*),  não implica uma renúncia ao bem ou ao que há de saudável nos humanos e na sociedade. Se Baudelaire adota, nalguns poemas, uma pose «decadentista» ou mesmo «satânica», isso deve-se, sobretudo, à sua condição pessoal: ele sofre, mas não aceita esse sofrimento com resignação. A revolta é percetível, em muitos dos seus poemas.

                       Foto de Charles Baudelaire, por Nadar

*
Charles BAUDELAIRE
1821 - 1867

Épigraphe pour un livre condamné

Lecteur paisible et bucolique,
Sobre et naïf homme de bien,
Jette ce livre saturnien,
Orgiaque et mélancolique.

Si tu n'as fait ta rhétorique
Chez Satan, le rusé doyen,
Jette ! tu n'y comprendrais rien,
Ou tu me croirais hystérique.

Mais si, sans se laisser charmer,
Ton oeil sait plonger dans les gouffres,
Lis-moi, pour apprendre à m'aimer ;

Ame curieuse qui souffres
Et vas cherchant ton paradis,
Plains-moi !... sinon, je te maudis !

sábado, 28 de maio de 2022

[Yeol Eum Son] FANTASIA EM DÓ MAIOR DE SCHUMANN



         Fig.1 : Estátua em memória de Beethoven, em Bonn





                                                            https://youtu.be/ZRZjHKX-JMA


Que relação existe entre a célebre Fantasia para piano em dó maior, de Robert Schumann e a estátua em memória de Beethoven, em Bona? 

Cito o artigo correspondente de Wikipedia:

«The piece has its origin in early 1836, when Schumann composed a piece entitled Ruines expressing his distress at being parted from his beloved Clara Wieck (later to become his wife). This later became the first movement of the Fantasy.[1] Later that year, he wrote two more movements to create a work intended as a contribution to the appeal for funds to erect a monument to Beethoven in his birthplace, Bonn. Schumann offered the work to the publisher Kirstner, suggesting that 100 presentation copies could be sold to raise money for the monument. Other contributions to the Beethoven monument fund included Mendelssohn's Variations sérieuses.

The original title of Schumann's work was "Obolen auf Beethovens Monument: Ruinen, Trophaen, Palmen, Grosse Sonate f.d. Piano f. Für Beethovens Denkmal". Kirstner refused, and Schumann tried offering the piece to Haslinger in January 1837. When Haslinger also refused, he offered it to Breitkopf & Härtel in May 1837. The movements' subtitles (Ruins, Trophies, Palms) became Ruins, Triumphal Arch, and Constellation, and were then removed altogether before Breitkopf & Härtel eventually issued the Fantasie in May 1839.

The work was dedicated to Franz Liszt, who replied in a letter dated June 5, 1839: "The Fantaisie dedicated to me is a work of the highest kind – and I am really proud of the honour you have done me in dedicating to me so grand a composition. I mean, therefore, to work at it and penetrate it through and through, so as to make the utmost possible effect with it."

The Beethoven monument was eventually completed, due mainly to the efforts of Liszt, who paid 2,666 thaler, the largest single contribution. It was unveiled in grand style in 1845, the attendees including Queen Victoria and Prince Albert, and many other dignitaries and composers, but not Schumann, who was ill.»

 Yeol Eum Son é uma pianista Sul Coreana de grande fama e brilhante carreira, que tenho vindo a acompanhar ao longo dos anos. Esta sua interpretação da célebre Fantasia de Schumann é de longe a minha preferida, das interpretações a que tenho acesso através do Youtube. A sua leveza, a subtileza da expressão tem, para mim, uma técnica que exalta as belezas escondidas desta peça. É o mais próximo da perfeição que consigo imaginar.

domingo, 20 de dezembro de 2020

A NONA SINFONIA NOS 250 ANOS DO NASCIMENTO DE BEETHOVEN

A sua «Ode à Alegria», inserida na 9ª Sinfonia, foi  escolhida para hino da União Europeia... mas, seria Beethoven admitido, sequer, na sociedade de hoje? 
- Ele era - para todos efeitos - um subversivo, um republicano, num tempo de monarquias absolutistas, um apaixonado pela liberdade e, não apenas no plano das ideias teóricas, da estética, mas também no plano  da prática, um liberal político, no sentido pleno. 
Não; Beethoven - nos dias de hoje - seria primeiro ostracizado, depois perseguido, forçosamente calado e, por fim, fechado num asilo psiquiátrico...


https://www.youtube.com/watch?v=GWe2-0SGmRU


Prom 18: Beethoven Cycle -- Symphony No. 9, 'Choral' Symphony No. 9 in D minor, Op. 125 1 - Allegro ma non troppo, un poco maestoso 2 - Scherzo: Molto vivace -- Presto 3 - Adagio molto e cantabile -- Andante moderato -- Tempo primo -- Andante moderato -- Adagio -- Lo stesso tempo 4 - Recitative: (Presto -- Allegro ma non troppo -- Vivace -- Adagio cantabile -- Allegro assai -- Presto: O Freunde) -- Allegro molto assai: Freude, schöner Götterfunken -- Alla marcia -- Allegro assai vivace: Froh, wie seine Sonnen -- Andante maestoso: Seid umschlungen, Millionen! -- Adagio ma non troppo, ma divoto: Ihr, stürzt nieder -- Allegro energico, sempre ben marcato: (Freude, schöner Götterfunken -- Seid umschlungen, Millionen!) -- Allegro ma non tanto: Freude, Tochter aus Elysium! -- Prestissimo, Maestoso, Molto Prestissimo: Seid umschlungen, Millionen! Anna Samuil soprano Waltraud Meier mezzo-soprano Michael König tenor René Pape bass National Youth Choir of Great Britain West-Eastern Divan Orchestra Daniel Barenboim, conductor Royal Albert Hall, 27 July 2012
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Não deixe de ler sobre a hipocrisia da sociedade que se diz «democracia liberal» NO ARTIGO DE IAN FANTOM «Beethoven in the Age of Endarkenment»

Escreve o autor: 

 « Sob o "lockdown", as pessoas podem ser presas e sujeitas a pesadas multas, apenas por levarem a cabo seus negócios habituais, as opiniões de peritos médicos sobre a «pandemia» não podem ser expressadas na media social, sem o risco de serem banidas. No Reino Unido, estamos a deslocar-nos cada vez mais para um governo por decreto e para a censura estalinista, que lhe está associada.»


terça-feira, 20 de outubro de 2020

A 250 ANOS DO NASCIMENTO DE BEETHOVEN

                   Valentina Lisitsa - Sonata nº17 Op. 31 No.2 «A Tempestade»  [*]


 A 250 anos do nascimento de Beethoven, estou um bocado triste. Porque me parece que a cultura europeia, da qual ele é um expoente, está em franca involução, para não dizer que se tornou um pálido e fantasmagórico reflexo da civilização centrada no continente europeu. 

Se isto significasse que a mesma civilização está a definhar, mas que outras civilizações se ergueram entretanto e tomaram a dianteira, óptimo! Não sou eurocêntrico, nem na cultura, nem no resto.

Mas, para grande pena minha, verifico que existe uma preocupação maior em cultivar a música europeia, dita clássica ou erudita, nos países do extremo-oriente asiático, do que -propriamente - em países ditos «ocidentais». Estes incluem EUA,  Canadá, Austrália, Brasil... ex-colónias britânicas, espanholas, francesas e portuguesas. 

O movimento de destruição dos vestígios do passado, a que se tem assistido nos EUA, impulsionado por forças obscuras, em franca contradição com supostas filiações ideológicas (**), não nos deixa agoirar nada de bom para o futuro deste país e doutros. Muitos têm estado sob influência e tentam imitar tudo o que vem dos EUA. 

Durante mais de meio século, nos EUA e na Europa Ocidental, foi-se propagando, porque convinha aos poderes, uma cultura de irresponsabilidade, de promoção/sedução da juventude, com intensa propaganda comercial de toda a ordem, da música mais abastardada, aos adereços de moda, erigidos em padrão identitário geracional. Com isso, os senhores do poder, não apenas reservavam lucros fáceis, como alimentavam a ilusão dos jovens estarem a manifestar  irreverência, revolta, e não a consumir determinados produtos

A promoção dessa «cultura jovem» pelos mesmos que eles odiavam e desprezavam, enquanto burgueses exploradores... deveria tê-los feito sobressaltar. Mas, estas formas inócuas de manifestar suas diferenças, estavam radicadas somente num sentimento de frustração, sem uma análise das causas profundas das disfunções sociais, na sua base.

O triunfo, além Atlântico, da visão anti-classista, anti-progressista, que consiste em arrumar as pessoas em categorias estanques, faz o jogo dos poderosos. Além de dividir o povo em inúmeras categorias identitárias (falsas), impede-os de ver a realidade em frente: muito poucos se interrogam «em que consiste realmente a opressão e que origem tem essa mesma opressão?»

 Os que dominam o discurso da media, querem que as pessoas, incluindo as mais esclarecidas, fiquem confusas.  Impõem o discurso deles, a narrativa deles, excluindo ou distorcendo - até à caricatura - qualquer outra visão e análise que entre em contradição com a sua propaganda. 

Estamos já num universo totalitário. O totalitarismo dito «soft» da nossa época, consiste em deixar os dissidentes discursar no quase vazio, na ausência de meios para difundir sua mensagem: bem podem falar no «Speakers Corner» de Hyde Park, ou algo equivalente, no universo da Internet, mas... o grande público nunca os ouvirá, pois está colado/condicionado ao que consideram «bonito» (cool), ou na moda (trendy). Estão condicionados pelos que controlam as «redes sociais» (social networks) e grandes empresas de comunicação (media mainstream). Ambas são propriedade de um número muito pequeno de multi bilionários.

Estar «fora de moda», gostar realmente de Beethoven e de outros, é - hoje - uma forma real de dissidência. Porque, para se apreciar música clássica, deve-se ter aperfeiçoado a sua instrução musical e continuar a fazê-lo. Além disso, é preciso cultivar o conhecimento, não apenas dos sons, como do contexto civilizacional que os produziu. Ter este comportamento durante a vida inteira, não é um capricho de seguir uma moda. 

As pessoas ignorantes do passado, em todos os sentidos, são as mais manipuláveis, pois os poderes podem facilmente iludi-las. O aligeirar da história, da filosofia e mesmo da língua, enquanto expressão rigorosa e subtil dos pensamentos e sentimentos, tem-se verificado nos programas do ensino básico e secundário.   Isto é demonstrativo de que a cultura, a verdadeira, a viva ... é correctamente percebida como um perigo pelos poderosos.

Se eu fosse compositor, escreveria uma sinfonia: Uma sinfonia que começasse com um instrumento solo, por exemplo uma flauta, para se irem juntando outros instrumentos, variando  e transformando, até ao infinito, o tema do início. 

Faria empréstimos a grandes compositores do passado: não disfarçaria a utilização dos seus temas, evocando-os enquanto homenagem aos mestres do passado e às épocas em que viveram. 

Num tempo destes, é revolucionário preservar o passado, sob todas as formas, em todas as artes!

Manuel Baptista

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[*] Para mim, é impossível escolher uma peça de Beethoven, sem sentir que estou a fazer injustiça a várias outras, que são, no meu gosto subjectivo, tão notáveis e tão preciosas como a que escolhi. 

(**) Nem Martin Luther King, nem Malcom X, nem Franz Fanon, nem Marx, nem Bakunin, nem Malatesta, nem Gramsci...etc. nada têm a ver com isso!


sábado, 26 de setembro de 2020

[HUMOR] Bernard Haller «O PIANISTA»

 Uma obra-prima de humor 



Monólogo sobreposto à «Sonata ao Luar», a célebre composição de Beethoven  (que sua alma me perdoe!) 

Aliás, não é realmente Beethoven e a sua composição, que Bernard Haller critica e ridiculariza ... 


Bernard Haller acompanha, no vídeo seguinte, Florence Foster-Jenkins na célebre ária mozartiana da Rainha da Noite, da Ópera «A Flauta Mágica».



sexta-feira, 14 de agosto de 2020

[MITSUKO UCHIDA] 5º CONCERTO PARA PIANO DE BEETHOVEN («IMPERADOR»)


 

É por demais conhecida a história (ou lenda?) de que Beethoven terá inicialmente dedicado a obra ao imperador dos franceses, Napoleão Bonaparte. Quando Beethoven se apercebeu de quem era na verdade Napoleão, liquidador da liberdade dos povos, o compositor riscou o nome do imperador na página de dedicatória e inscreveu a frase: «em comemoração de um grande homem» deixando no vago quem era esse «grande homem» ...

É esta a história que contam, não sei se foi assim ou não. 

O próprio nome «Imperador» foi dado por Cramer - o editor inglês das obras de Beethoven - não pelo próprio compositor. É, não obstante tudo o que se conta, uma das grandes obras do romantismo nascente, tal como a Eroica (3ª Sinfonia de Beethoven).

Eu consigo abstrair os elementos circunstanciais - tanto do Concerto o «Imperador», como da Sinfonia «Eroica» - porque não são simples obras de circunstância. 

Ambas as obras são atravessadas pelo sopro de uma inspiração generosa e liberal do homem que, além de génio musical, era coerente: Ele nunca renunciou às suas convicções liberais, como o demonstra a 9ª Sinfonia, escrita perto do fim da sua vida, sobre poema de Schiller.   

Curiosamente, Beethoven compôs uma obra de circunstância, essa  bastante medíocre. Uma sinfonia foi encomendada a Beethoven para comemorar Wellington, o vencedor na batalha de Vitória (1813, Espanha) e, mais tarde, retomada para comemorar a batalha definitiva de Waterloo (em 1815). Provavelmente, ele não se empenhou muito na sua feitura. A obra está quase esquecida: nunca se ouve em salas de concerto. Quanto a gravações em disco, apenas se pode encontrar a «sinfonia esquecida» em colecções integrais da obra de Beethoven. 

Beethoven está muito acima dos imperadores e ditadores de sua época e de todas as épocas... a sua música sublime resiste ao tempo e pode ser apreciada pelas sucessivas gerações.  

Mitsuko Ushida e a orquestra de Saito Kinen sob a direcção de Seiji Ozawa, são perfeitas na interpretação do 5º Concerto.

sábado, 18 de julho de 2020

VALENTINA LISITSA: Sonata «Patética» de Beethoven

                                          https://www.youtube.com/watch?v=fEn339bmHuI

Sonata nº8 em Dó menor, Op. 13. «Patética»

Esta sonata de Beethoven, uma das minhas preferidas, soa-me como sendo a peça musical mais adequada, não apenas ao meu estado interior presente, como ao exterior, a tudo o que se passa neste mundo de hoje.
Por isso, escolho sempre os melhores interpretes, como Valentina Lisitsa, para usufruir plenamente da poesia heróica (a poesia do romantismo ascendente) que se desprende das sonatas de Beethoven.
- Um portento, que à distância de mais de dois séculos, consegue veicular-nos a sua energia, através de frases e acordes musicais. Quanto à interpretação de Lisitsa, creio que - além de tecnicamente perfeita - revela uma profunda compreensão de todos os aspectos da obra, numa lição de sobriedade e grandeza!

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

VALENTINA LISITSA INTERPRETA BEETHOVEN e TCHAIKOVSKY


Valentina Lisitsa interpreta neste video a sonata «Appassionata»,  de Beethoven.
Neste recital, a grande intérprete mostra sua máxima qualidade técnica e rigor de interpretação. Tem, além disso, a personalidade e o bom gosto que esta sonata - «clássica entre os clássicos» - exige. 

Valentina estará presente em Portugal no próximo mês de Outubro, no festival de Sintra, para um recital único, totalmente preenchido com obras para piano solo de Tchaikovsky

De Tchaikovsky, interpretado por Lisitsa, deixo-vos a «Barcarolle», peça que corresponde a Junho, no ciclo das «Estações».




Estou impaciente por ouvir - ao vivo - a talentosa e versátil artista.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

CONCERTO PARA VIOLINO DE BEETHOVEN INTERPRETADO POR MAXIM VENGEROV

A interpretação perfeita para uma grande obra do reportório de violino.






Maxim Vengerov plays Beethoven Violin Concerto in D major op. 61



14th International Henryk Wieniawski Violin Competition: Special Concert of Maxim Vengerov: 'And yet he will play!' Poznań, 23 October 2011 Venue: A. Mickiewicz University Auditorium TV Production / Realizacja telewizyjna: Robert Ćwikliński Maxim Vengerov -- violin Poznań Philharmonic Orchestra conducted by Marek Pijarowski J. Massenet - Meditation from opera "Thais" (encore)


quarta-feira, 15 de novembro de 2017

HELÈNE GRIMAUD: 4º Concerto para piano de Beethoven

Beethoven - Concerto para Piano em Sol opus 58

Piano- Helène Grimaud


Orquestra de Paris- Christoph Eschenbach


Dizem que «onde há vida, há esperança» e eu assim desejo que seja. Talvez por isso, não escuto certos acordes sem um frémito. 

Um frémito devido à transcendência que flui desta música, num caudal imenso. Um frémito de esperança, sim! Por causa da grande arte imortal de alguns, a que literalmente transcende a morte.

A vida está disseminada pelo universo e concentra-se em certos indivíduos, onde coalescem as energias universais. 

As mentes e sensibilidades fora do comum, superam os limites  do espaço e do tempo, transportam-nos para outras dimensões do espaço-tempo.

Eu sinto-me a flutuar ou a ser transportado no espaço inter-estelar, consoante o andamento, quando oiço este concerto para piano nº4 de Beethoven. 

Mais uma vez, Helène Grimaud é exemplar. A expressão enérgica e dinâmica, aliada à precisão e pureza de técnica, são impressionantes. 
A grande arte do compositor de Bona exige os melhores intérpretes; é o que acontece com esta talentosa solista.




sábado, 21 de janeiro de 2017

NASCIMENTO DA SINFONIA ROMÂNTICA

Eroica - Philippe Herreweghe - Full concert in HD



A Sinfonia nº3 em Si bemol Maior Op. 55, a famosa Eróica, foi estreada em Viena a 7 de Abril de 1805, sob a direção do compositor. Foi um momento de viragem de primeira importância dentro da história da música, não apenas da vida pessoal de Beethoven.
A história da dedicatória da obra, já é em si mesma, uma HISTÓRIA LENDÁRIA, SIMBÓLICA. Beethoven inicialmente dedicou a sinfonia a Bonaparte, mas quando este tomou a coroa imperial, deitando por terra as esperanças democráticas do compositor, este decidiu substituir a dedicatória incial por algo não explícito, «em memória de um grande homem».
A escolha do termo «eróica» não aponta para uma inovação fundamental. Porém, hoje em dia, se esta sinfonia é celebrada, deve-se sobretudo ao sentido «heróico» do próprio compositor, refletido dos vigorosos ritmos e na intensa originalidade da orquestração. 
Sem dúvida, tornou-se ela um «clássico»; porém, na sua época, esta sinfonia foi vista como uma coisa horrível, intragável, pela crítica contemporânea. 
Foi, bem vistas as coisas, uma revolução na música, no sentido de que, desde então, começou-se a compor para a posteridade e não apenas para o instante.


Abaixo, um link para um excelente filme sobre Beethoven e a Eroica: