Mostrar mensagens com a etiqueta «A Batalha». Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta «A Batalha». Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Nacionalismo e Desporto de Massas (*)

Vem isto a propósito dos hinos nacionais de Portugal e de França cantados em coro pelas multidões, antes da «histórica» partida da final da copa UEFA em Paris de 10/07/2016
Os nacionalismos são um ingrediente absolutamente vital dos Estados. Sem eles, não existe a tal «coesão nacional», ou seja, os oprimidos, espoliados, humilhados sentirem-se «iguais» dos afortunados, dos poderosos, dos patrões.
Lamento. Mas eu não cantei o hino nacional português («… Contra os canhões, marchar, Marchar…») nem a marselhesa («D’un sang impur, abreuve nos sillons…» ) por tudo aquilo que têm de bélico, permanentemente reatualizado, nem que seja em manifestações «desportivas» como estas. Detesto o desporto transformado em enorme empresa de manipulação dos povos!
Sempre detestei! Será politicamente «incorreto»? - Pois que seja, tanto melhor!
A vivência de alguns anitos mostra-me como estes atos «inócuos» são muito importantes dentro do inconsciente coletivo dos povos.
Os comportamentos dos «soldados» desta guerra simbólica do futebol, dos «guerreiros» destas tribos coloridas, solidárias com os seus totens tribais… dos governantes a «prestar homenagem» aos ídolos do povo porque senão, serão escorraçados na próxima eleição…
Tudo isso me deixa frio e irónico. Um pouco nostálgico de um mundo utópico, sonhado, em que o desporto fosse realmente desporto, não confronto de tacanhez nacionalista…Fica abaixo uma crónica, publicada no Jornal «A Batalha», a propósito dos Jogos Olímpicos e do Euro de 2004.


Nacionalismo e Desporto de Massas - No ano das Olimpíadas e do EURO 2004

Esta circunstância, ano de Olimpíadas e do Euro 2004, estimulou-me a escrever sobre nações e nacionalismo.
O conceito de "nação" é frequentemente reduzido ao de “Estado”, um conceito político, e portanto suscetível de se modificar com o tempo, de ser completamente alterado ou até, mesmo, de desaparecer.

As nações, hoje, o que são? Há nações sem Estado e Estados plurinacionais: quem duvida hoje em dia de que o povo palestiniano constitui uma nação? Quem pode negar o facto de que a Espanha, aqui ao nosso lado, é uma entidade política - um Estado - plurinacional?
Claro que não podemos confundir Estado com nação. O tempo de vigência dos Estados é, em muitos casos, bastante menor do que o da existência de nações. Veja-se o tempo em que a Polónia não existiu como Estado, mas que o continuou a ser como nação. Poderíamos multiplicar os exemplos, tanto retirados a História europeia, como do resto do Mundo.

As nações sem Estado não são uma exceção, são antes a regra. Esta afirmação pode parecer surpreendente, mas ela resulta da observação da história da humanidade. Os primeiros Estados, foram construídos a partir de há cerca de dez mil anos atrás, com o surgimento da revolução agrária, o aparecimento da escrita, das primeiras cidades, de uma casta sacerdotal, de funcionários, etc. ... Porém, as nações já existiam muito antes; a espécie humana moderna tem pelo menos 200 mil anos.
 
No presente, apesar do genocídio dos índios das Américas, existem muitas nações índias, confederações de tribos ou de grupos étnicos que mantêm laços estreitos entre si. Isto tanto na América do Norte, como Central, como do Sul.

Os povos Africanos, em particular subsaarianos, também têm numerosas nações, as quais possuem uma enorme riqueza linguística, em risco de perda pela urbanização (catastrófica) das populações. Os territórios de tais nações étnicas africanas são complemente diferentes das fronteiras dos Estados, traçadas em virtude da partilha colonial e uma das causas de sangrentos confrontos, que têm mantido este continente na miséria.

Os Estados pretendem representar as nações; porém, eles apenas conseguem isso através de um artifício. As pessoas, atomizadas, individualizadas, desenraizadas da sua cultura, de suas tradições, aceitam de bom grado (na imensa maioria) que lhes imponham uma "cidadania".
Esta "cidadania" mais parece uma espécie de "salvo-conduto", permitindo a uma pessoa viver em condições mais ou menos semelhantes (em teoria) com os outros. Caso não se seja "cidadão", entra-se na categoria de "estrangeiro".

É curioso o caso de turcos de segunda geração, que apenas falavam alemão e que não tinham da Turquia mais do que relatos e recordações de seus pais, considerados como estrangeiros face à lei alemã, até há bem pouco tempo. A lei mudou, mas sempre com muitas restrições, por receio de "desalemanização" de uma bem nutrida, egoísta e paranoica pequena e média burguesia.
Nós, em Portugal, temos os mesmos complexos, os mesmos comportamentos e não sabemos sequer olhar para nós próprios com um mínimo de objetividade.

Realmente, a "cidadania" é uma daquelas violências que os Estados infligem ao conjunto das pessoas que, por qualquer motivo, nasceram ou vieram viver para um dado território. Não tanto por que seja imposta, como de facto é (ninguém me perguntou se eu desejava ser cidadão português), mas  antes porque se define como exclusão, se define justamente por confronto com “aquele que não é cidadão”, o qual é colocado nessa situação de  negação de direitos, pelo arbítrio de regras e de normas que não dependem jamais da sua vontade.  Por exemplo, toma-se como critérios principais ter nascido em tal local; ser filho de determinados mãe e pai, etc.. Estes critérios, independentes da vontade do indivíduo, sobrepõem-se a outros, como sejam: a capacidade de se exprimir no idioma, estar inserido  na sociedade, dando contributos relevantes para a mesma, etc. critérios que estariam em larga medida dependentes da vontade.
No início dos tempos modernos, no tempo da Revolução Francesa, os constituintes de então não tiveram hesitações em ligar cidadania à identificação com um determinado projeto político (a república). Assim, houve acolhimento como cidadãos de irlandeses, britânicos, polacos, etc.
Três quartos de século mais tarde, na Comuna de Paris, o Comité Central da Comuna também não hesitou em incorporar elementos de outras nacionalidades, incluindo-os nas fileiras da Guarda Nacional, em postos de comando (capitão, etc. ).

Hoje em dia o conceito de "cidadania", ligado ao de "sociedade civil", como entidade mítica suprapartidária, supraclassista, etc... vem sendo reforçado, face à crise de representação que experimentam todos os partidos políticos e todas as correntes ideológicas. Porém, o modo de que se reveste, na maior parte dos discursos que tive oportunidade de ler, é de uma singular estreiteza, bem menos generoso do que o dos Convencionais de 1793 ou dos Communards de 1871.
O desporto é transformado numa expressão de nacionalismo, muito desvirtuando o ideal de uns Jogos Olímpicos como símbolo da paz e da fraternidade entre todos os humanos, independentemente das suas identidades nacionais, étnicas, religiosas, etc.
É aproveitado como espetáculo de massas. Isto aconteceu, quer com o regime de Hitler (a sua encenação dos Jogos de Berlim), quer com os regimes de "democracia liberal", quer ainda com o regime soviético.

A partir da generalização da televisão, o desporto torna-se também o maior trunfo da sociedade do espetáculo. Com a sedentarização das pessoas, acompanhando a terceirização das economias nos países mais ricos, a generalização do automóvel, etc.
As pessoas "vivem" simbolicamente os feitos desportivos, através do mágico fluorescente cubo televisual, como se fossem elas próprias a realizar os feitos; como se estivessem na pele deste ou daquele “herói”.

O campeão (a equipa campeã) tem "a honra" de subir ao pódio e de ouvir em silêncio recolhido os acordes do seu hino nacional enquanto é içada a bandeira nacional respetiva. O efeito, nos espectadores, deste cerimonial desportivo é de reforço inconsciente (e portanto mais eficaz) do orgulho "nacional", na realidade nacionalista.

Também conhecemos a utilização das exaltações nacionalistas em torno do desporto (quase sempre de futebol) por gangs de hooligans com ligações bastante claras a grupos violentos de extrema-direita.
Sem dúvida que a possibilidade dos grupos humanos se encontrarem e competirem desportivamente, de forma saudável, não é aqui posta em causa. O que ponho em causa é o aproveitamento de um desejo natural de perfeição física, de superação dos obstáculos, de entreajuda, de camaradagem, de confronto leal e, na sua essência, não-violento, para manter, cultivar e mesmo exaltar o "vírus" nacionalista.

As pessoas que se deixam enredar pelo imaginário desse desporto-espetáculo, que vivem obcecadas com as "performances" dos seus ídolos, constituem para mim uma causa de espanto e de angústia.

Eu tenho assistido ao vivo ou pela tv a espetáculos desportivos, pratiquei várias modalidades desportivas como amador, não tenho nenhum preconceito contra a educação da mente e do físico em que consiste o treino e a competição desportiva.
 
Não gosto de lhes colocar o rótulo de "alienadas", mas de facto, que outra expressão serve para caracterizar o comportamento de pessoas que apenas se interessam por futebol, com exclusão quase universal de todas as outras coisas, que desprezam aqueles que não têm interesse nisso, que fazem alianças ou tecem ódios em função dos clubes, que são capazes de decorar - sem esforço- nomes, locais, datas, etc. relativos aos grandes feitos de sua equipa preferida (e de outras) mas completamente ignorantes da história, da literatura, da arte, da ciência?

Fica aqui esta interrogação: será isto tudo "desporto" ou será antes, operação de propaganda ideológica dos Estados, em sua autopromoção?