quarta-feira, 16 de setembro de 2020

UMA ECONOMIA EUROPEIA ZOMBIFICADA...


 As pessoas em geral, mesmo as que se informam sobre o que se passa na economia europeia, não fazem ideia disto: cerca de 550,000 firmas alemãs, numa economia que se portou razoavelmente em relação à crise do coronavírus, estão na categoria «firmas zombies» segundo estudo da agência de crédito Creditreform. O fenómeno é similar na Suíça.

Uma empresa é considerada zombie quando a sua sustentação - durante largo período de tempo - depende de conseguir crédito no mercado para cobrir os juros de outros empréstimos que já contraíra, ou seja, em que os rendimentos líquidos de sua actividade são insuficientes para pagar os juros de empréstimos. Para fazerem face às obrigações, em termos de crédito, continuam a ir obtendo - junto da banca ou junto do Estado - «dinheiro fresco», que vão gastando, sem que a situação se modifique para melhor. 

A política do BCE (Banco Central Europeu) de fornecer crédito a juro praticamente zero, à banca comercial, durante todo o tempo desde a Grande Recessão de 2008-2009, teve como consequência que a banca comercial aceitava emprestar a firmas que não preenchiam as condições para obter um empréstimo, em situação normal dos mercados. Isto é, a banca comercial sabia que muitos empréstimos às empresas acabariam em crédito mal-parado, mas contava com o amparo do BCE e dos Estados, que não deixariam, que fariam tudo para impedir, que estas instituições de crédito, sobretudo os grandes bancos ditos «sistémicos», declarassem falência.   

Temos assim exemplos de empresas que acabam por ser resgatadas da falência várias vezes, pelo respectivo Estado, como a espanhola Abengoa, resgatada 3 vezes em 5 anos.

O mesmo se passa em Portugal, em Itália, na Grécia e também noutros países da União Europeia, de economia mais «forte». Nestes últimos, pelos vistos, a situação tem tendência a regredir ao nível dos chamados «PIGS».

A crise iniciada com o «lockdown», que destruiu irreversivelmente um grande número de pequenas empresas, também levou os Estados a encontrar «habilidades» para manter toda a espécie de empresas em funcionamento e evitar/adiar despedimentos em massa dos trabalhadores.

Não se pense que o Reino Unido, recém saído da UE, esteja melhor. As companhias «zombie» britânicas representam um terço do total europeu. São 20% em relação à totalidade de companhias do Reino Unido, tendo esta percentagem crescido de 4%, desde Março. Nos sectores mais atingidos, na Grã-Bretanha, a percentagem de zombies atinge os 26%.

A emissão de dívida ao nível mundial, por companhias que estão abaixo do nível de investimento, aumentou imenso, tendo atingido, nos 8 primeiros meses deste ano, o equivalente a todo o ano de 2019.

Isto significa que se vai para uma economia europeia e mundial zombificada, ou seja, em que as empresas não são capazes de gerar rendimento líquido suficiente para cobrir os juros das dívidas, mas são mantidas «a flutuar», graças à política coordenada dos bancos centrais e dos governos, forçando  a descida dos juros para valores próximos de zero. 

Neste contexto, a contracção da economia é inevitável pois, segundo investigadores do Banco BIS de Basileia, para cada aumento de uma unidade percentual do número de firmas zombie, vai haver um decréscimo de 0.25% na taxa de emprego e uma diminuição de 17% na taxa de investimento de capital. Estes valores são compreensíveis, dado que a maioria das empresas zombies têm uma produtividade reduzida e que os capitais investidos nelas não serão aplicados noutras empresas e sectores, que poderiam gerar retornos positivos.

A multiplicação desta situação dos Estados - directa ou indirectamente - sustentarem empresas zombies, tem tendência a acentuar-se, no curto prazo. Tal não deixará de ser factor preponderante na criação dum clima de marasmo, de deflação. 

Por outro lado, os governos - a braços com uma crise de desemprego monumental - vão pôr em marcha um «salário mínimo para todos» como foi anunciado hoje por Ursula von der Leyen, que preside à Comissão Europeia. Isto significa que os valores do trabalho e das pensões serão completamente submersos pelo dinheiro «grátis» desse salário mínimo para todos. Isto vai significar uma entrada da Europa numa espiral de hiperinflação, ainda mais cedo do que eu previa. Com efeito, as necessidades do comum dos mortais serão satisfeitas com dinheiro «fresco», saído dos «fornos da BCE», mas o resultado é que - perante a mesma quantidade, ou uma diminuição dos bens disponíveis no mercado - os preços vão aumentar. Quanto ao dinheiro capturado pelos investimentos especulativos, desde as acções e outros produtos financeiros, até a certos sectores do imobiliário, servirá para uma hipertrofia das bolhas, uma «histerese». Aliás, isso verificou-se com as hiperinflações no Zimbabue e na Venezuela; em ambos os casos, os valores bolsistas subiram a alturas nunca antes vistas.

Talvez a Comissão Europeia e os Governos pensem que assim irão mitigar a crise (que eles próprios provocaram com o lockdown). Mas, eu não vejo uma saída, que não passe pela destruição daquilo que pesa, para que se dê um renovo económico e social, com aquilo que tem futuro. 

A minha previsão é que esta política irá conduzir à ruína completa das pequenas empresas, ao quase desaparecimento da «classe média» e à acumulação de capital nas mãos de uma oligarquia ainda mais reduzida (neo-feudalismo). 

O «grande renovo» (great reset) que os poderes que controlam a UE desejam será financeiro, monetário, feito por e destinado a beneficiar os 1%. Mas, não será solução para os problemas estruturais; estes, apenas se resolvem com uma nova base para a economia, centrada nos valores da equidade, liberdade e iniciativa. 


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