terça-feira, 26 de março de 2019

NÃO ESPIES POR MIM, ARGENTINA


WAYNE MADSEN | 20.03.2019
https://www.strategic-culture.org/news/2019/03/20/dont-spy-for-me-argentina.html


Quando um presidente dos EUA incompetente contrata como seu «enviado especial» para mudança de regime na Venezuela o mesmo bufão que, nas suas trapalhadas, ajudou a que o escândalo Irão-Contras rebentasse, pode-se esperar tudo.
Abrams, ao ajudar a canalizar por engano fundos que solicitara ao Sultão de Brunei, que, em vez disso, acabaram por ir parar à conta suíça de um rico armador, chamou a atenção e despoletou a investigação sobre o esquema de cobertura Irão-Contras pelas autoridades bancárias suíças.
A descoberta recente, pelo juiz argentino Alejo Ramos Padilla de que a administração de Trump cooptara o regime direitista argentino do presidente Mauricio Macri para atingir a companhia petrolífera estatal da Venezuela e o regime de esquerda do Uruguai, numa enorme operação de extorsão, exibe todos os sinais do enviado imbecil de Trump para a Venezuela, Elliott Abrams. Quando ele era Secretário de Estado Adjunto para os assuntos do Hemisfério Ocidental, durante a administração de Ronald Reagan, Abrams foi indiciado pelo seu papel no comércio ilegal de armas para o Irão em troca dos reféns americanos, mantidos pelas milícias xiitas pró-iranianas no Líbano. Agora, foi repescado da reforma pelo seu colega neo-conservador, John Bolton, para levar a cabo o derrube do governo do presidente Nicolas Maduro na Venezuela.
Durante o episódio Irão-Contras, o nefasto Abrams, que se auto-denomina perito sobre a América Latina, ajudou a usar os fundos obtidos da venda ilegal de armas ao Irão para comprar, no mercado negro, armas para os Contras da Nicarágua. Ele levou a cabo a operação com a assistência do cartel de droga de Medellin na Colômbia e com o líder panamiano Manuel Noriega. Abrams teria provavelmente cumprido uma longa sentença de prisão pelos seus crimes, caso o presidente George H. W. Bush não o tivesse perdoado, assim como a outros condenados pelo caso Irão-Contras, na véspera de Natal de 1992.
As impressões digitais de Abrams, de Bolton, do secretário de Estado Mike Pompeo e do Senador e membro do Comité para as Relações com o Hemisfério Ocidental, Marco Rubio, estão por todo lado neste escândalo de extorsão, que agora abala a Argentina. O juiz Padilla está direccionando o processo contra o regime de Macri, o qual envolve milhões de dólares, que têm sido extorquidos por aliados de Macri contra alvos de oposição política, assim como coerção de falso testemunho exercida sobre estes alvos. Padilla disse ao Comité de Liberdade de Expressão da Câmara dos Deputados Argentina que descobriu «uma rede para-estatal de espionagem de grande magnitude, ideológica, política e judicial», acrescentando que se tratava de “uma teia de operações de espionagem ilegais, envolvendo forças judiciais, do governo, da segurança, dos poderes políticos e dos media”.
Macri esteve associado como sócio no negócio do imobiliário com a Organização Trump, para construir na baixa de Buenos Aires uma Torre Trump. Embora o projecto não tenha vingado, as relações de negócio entre Macri e seu pai, o italo-argentino milionário Francesco Macri, com a Organização Trump estendem-se, no passado, aos dias em que o pai de Donald Trump, Fred Trump, dirigia a empresa e são famosas. Elas incluíram colaborações para construção de imobiliário em Manhattan e em Buenos Aires. Companhias de fachada, off-shore da empresa Trump Organization e da empresa da família de Macri, o conglomerado Socma, estão presentes em documentos da agora defunta firma de advogados da cidade do Panamá, Mossacka-Fonseca.
O juíz Padilla foi recentemente convidado a testemunhar sobre o escândalo de extorsão pelo presidente do Comité para a Liberdade de Expressão, Leopoldo Moreau. O convite surge depois do presidente do Comité de Contra-Espionagem, o senador Juan Carlos Marino, um fiel adepto de Macri, ter recusado convidar Padilla a testemunhar frente ao Comité a que preside. Moreau classificou o escândalo de extorsão «o mais grave escândalo institucional desde que a democracia regressou à Argentina [em 1983],” acrescentando que é “uma máfia dedicando-se a entalar oponentes, forçando ao seu testemunho falso e espionagem.” Padilla indicou como executantes da operação de extorsão, o Delegado Público Federal Carlos Stornelli, o seu próximo associado, Marcelo d’Alessio, os serviços secretos argentinos, a “Agencia Federal de Inteligencia”(AFI), o chefe da AFI, Gustavo Arribas, duas mulheres-congressistas de direita — Elisa Carrió e Paula Olivetto da Coalição Cívica pró-Macri — e o diário de direita, “Clarín”.
D’Alessio foi preso a 15 de Fevereiro deste ano. Nas 22 horas de gravações audio e video incriminatórias de d’Alessio, este declarou ter recolhido 12 milhões dólares, em subornos de indivíduos que tinham sido ilegalmente sujeitos a chantagem, desde Agosto de 2018. Quanto a Stornelli, pensa-se ter ele conduzido a operação de extorsão com conhecimento e encorajamento da Ministra da Segurança, Patricia Bullrich. Stornelli recusou comparecer diante do juiz Padilla ou a entregar seus telemóveis, como lhe tinha sido ordenado judicialmente. O indivíduo que seria o presumido «colector» de fundos destas operações, Salta Mayor Gustavo Sáen, próximo aliado de Macri, forneceu os seus telemóveis pessoais a Padilla.
Padilla, que tem estado sob intensa crítica dos media pró-Macri, tem sido descrito, por alguns, como o equivalente na Argentina de Robert Mueller, o Conselheiro Especial dos EUA, investigando Trump.
Padilla revelou que d’Alessio trabalhou para a CIA e que tinha na sua posse documentos da embaixada dos EUA em Buenos Aires, manuais da CIA sobre agentes encobertos na Argentina e na Venezuela, e armas licenciadas nos EUA. Os textos de mensagens usando WhatsApp, extraídas do smart-phone de d’Alessio, tinham a ver com espionagem contra o Uruguai, chantagem para obrigar a fazer falso testemunho contra o governo de Maduro de Venezuela, a que submetera um advogado da “Petróleos de Venezuela, S.A.” (PdVSA), a companhia estatal venezuelana de petróleos, cujos activos foram tomados pela administração Trump, e de ter enviado relatórios, via mala diplomática, a um centro de espionagem dos EUA, no Estado do Maine, onde  está situado o «US Navy’s Very-Low Frequency Navy Communications Station», na cidade de Cutler. Padilla disse que, na busca a casa de d’Alessio’s na cidade de Esteban Echeverría, “Encontrámos documentos, ficheiros de serviços secretos, blocos de apontamentos com dados detalhados sobre filhos, esposas e parentes daqueles que estavam a ser alvo de chantagem, aparelhos para espionagem como câmaras ocultas, drones, uma arma que chamou a atenção de todos” Padilla estava obviamente a referir-se à tentativa de assassinato falhada contra o presidente venezuelano Nicolas Maduro em Agosto passado, operação relacionada com os operativos da CIA, baseados na Colômbia. A operação visando a PdVSA era uma tentativa, em parte, de falsamente ligar a empresa ao tráfico de drogas e de armas e outras operações ilícitas para acusar o presidente Maduro e seu antecessor, Hugo Chavez, de envolvimento em tais operações. Padilla descobriu que a operação para denegrir Maduro e Chavez envolvia não apenas d’Alessio e a CIA, mas igualmente a DEA, a agência dos EUA de combate à droga. A operação, com o nome de código “OPERATION BRUSA DOVAT,” envolvia o anterior director da PdVSA, Gonzalo Brusa Dovat, um cidadão uruguaio, e enquadrava-se no plano global da administração Trump para congelar os bens da companhia de petróleos venezuelana no estrangeiro. Outras mensagens de texto de d’Alessio revelavam uma armadilha para comprometer o ministro das obras públicas Julio de Vido e seu secretário, Roberto Baratta, utilizando dados roubados por um operacional da NSA (National Security Agency dos EUA) David Cohen, que trabalhava para “Energía Argentina SA” (ENARSA), a agência estatal argentina da energia. Cohen foi constituído arguido pelas autoridades argentinas a 8 de Março. Padilla também descobriu o envolvimento dos serviços de espionagem de Israel na operação para-estatal de extorsão.
Padilla revelou que a operação de extorsão visava também a actual senadora da oposição e ex-presidente Cristina Fernández de Kirchner e vários proeminentes jornalistas anti-Macri.
Também se descobriu no telemóvel de d’Alessio mensagens de texto de membros da equipa de Trump na Casa Branca, oferecendo a Macri «apoio mediático» (“media coaching”) para sua campanha de re-eleição de 2019. O ex-estratega principal de Trump, Steve Bannon deu assistência efectiva ao presidente neo-nazi brasileiro Jair Bolsonaro, durante a sua campanha vitoriosa de 2018. Em Fevereiro deste ano, Bannon designou o filho de Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro, um senador brasileiro, como o chefe para a América Latina da organização mundial fascista, chamada «O Movimento».
A operação conjunta da Argentina/CIA/Israel, centrava-se na tentativa de comprometer o governo de esquerda da “Frente Amplio de Uruguai” do presidente Tabaré Vázquez, numa falsa ligação à missão comercial iraniana operando no Uruguai. D’Alessio tinha em sua posse, segundo foi revelado, correspondência com cabeçalho da embaixada dos EUA em Buenos Aires e com cabeçalho do ministério da defesa de Israel. A ligação forjada ao Irão foi utilizada como justificação para uma operação ilegal de vigilância dos políticos da Frente Amplio, incluindo o presidente Vázquez, o antigo presidente José “Pepe” Mujica e sua esposa, a actual vice-presidente Lucía Topolansky.




Havia alegações falsas nos ficheiros guardados por d’Alessio de que a missão comercial iraniana no Uruguai estava fazendo negócios com a Argentina, através duma companhia russa de fachada. A informação forjada terá sido fornecida aparentemente pelos serviços secretos de Israel, o MOSSAD. D’Alessio foi identificado por Padilla como fazendo parte de uma operação visando o Hezbollah libanês. Descobriu, sem surpresa, que d’Alessio estava em ligação com o presidente da câmara de comércio Argentina-Israel em Buenos Aires.




As revelações de Padilla levaram o juiz de instrução uruguaio do crime organizado, Luís Pacheco, a afirmar que poderá solicitar mais informação sobre o escândalo das extorsões ao governo da Argentina.




Está-se perante a possibilidade de tentativa de golpe contra o presidente Vázquez, ajudada e avalizada pela CIA e a Casa Branca de Trump. A 13 de Março, Vázquez demitiu o comandante-chefe do exército, General Guido Manini Ríos, por este ter criticado os julgamentos de oficiais culpados de violações dos direitos humanos na ditadura militar uruguaia, por se ter reunido com políticos direitistas de oposição, e mais grave ainda, por ter visitado Bolsonaro, que elogiou ditaduras militares passadas do Brasil e doutras nações latino-americanas, incluindo o Uruguai, a Argentina e o Chile.




A CIA, dirigida pela defensora da tortura, Gina Haspel, tornou-se a tropa de choque do exército que serve os desejos de Trump e as escuras políticas neo-conservadoras de Bolton e de Pompeo. É claro que Abrams, Bolton, Pompeo, Rubio, Bannon e seus protegidos, incluindo Macri e Bolsonaro, estão a tentar recriar a OPERAÇÃO CONDOR dos anos 1960, 70 e 80, uma aliança dos serviços secretos das ditaduras da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, que eram os membros titulares, enquanto o Equador e o Peru eram membros associados. Dezenas de milhares de militantes de esquerda foram perseguidos e executados, na época da Operação Condor, que operava em plena concordância e com participação da CIA.




O regime de Macri respondeu às revelações de Padilla perante a câmara dos deputados da Argentina iniciando um processo de impugnação contra o juiz. O ministro da justiça requereu formalmente ao Conselho da Magistratura, que tem autoridade sobre os juízes, para abrir uma investigação formal a Padilla. Padilla foi sujeito a uma campanha perversa de difamação nos media argentinos pró-Macri, com alguns críticos questionando mesmo seu serviço militar durante a guerra das Malvinas contra os britânicos. Padilla, neste ponto, não difere de Robert Mueller, cujo serviço no Corpo de Marines no Vietnam também foi questionado pelos aliados de Trump.

TRADUÇÃO DE MANUEL BAPTISTA 


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